Por que aposta de Israel contra o Hezbollah é estratégia arriscada

O grupo armado libanês — assim como Israel — passou anos se preparando, e é mais temido que o Hamas em Gaza.

25 set 2024 - 14h45
Israel lançou mais de mil ataques aéreos no Líbano nos últimos dois dias
Israel lançou mais de mil ataques aéreos no Líbano nos últimos dois dias
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Os líderes de Israel estão exultantes com o avanço da ofensiva contra o Hezbollah, que começou com a detonação de pagers e rádios e passou para ataques aéreos intensos e mortais.

O ministro da Defesa, Yoav Gallant, não poupou elogios após os ataques aéreos de segunda-feira (23/9).

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"Hoje foi uma obra-prima… Esta foi a pior semana que o Hezbollah teve desde sua criação, e os resultados falam por si só."

Gallant disse que os ataques aéreos destruíram milhares de foguetes que poderiam ter matado cidadãos israelenses. No processo, o Líbano afirma que Israel matou mais de 550 de seus cidadãos, incluindo 50 crianças. Isso é quase metade dos mortos no Líbano durante um mês de guerra entre Israel e o Hezbollah em 2006.

Israel acredita que uma ofensiva feroz vai coagir o Hezbollah a fazer o que ele quer, infligindo tanta dor que seu líder, Hassan Nasrallah, e seus aliados e apoiadores no Irã vão decidir que o preço a pagar pela resistência é alto demais.

Os políticos e generais de Israel precisam de uma vitória. Após quase um ano de guerra, Gaza se tornou uma situação complexa. Os combatentes do Hamas ainda emergem dos túneis e das ruínas para matar e ferir soldados de Israel — e ainda mantêm reféns israelenses.

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O Hamas pegou Israel de surpresa em outubro do ano passado. Os israelenses não viam o Hamas como uma ameaça significativa, com consequências devastadoras. O Líbano é diferente. As Forças de Defesa de Israel (FDI) e a agência de espionagem Mossad vêm planejando a próxima guerra contra o Hezbollah desde que a última guerra terminou em um impasse, em 2006.

O líder de Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, acredita que a ofensiva atual está fazendo um grande avanço em direção ao seu objetivo declarado de desestabilizar o equilíbrio de poder, enfraquecendo o Hezbollah.

Ele quer impedir que o Hezbollah dispare foguetes contra Israel pela fronteira. Ao mesmo tempo, os militares israelenses dizem que o plano é forçar o Hezbollah a recuar da fronteira e destruir as instalações militares que ameaçam Israel.

Outra Gaza?

A última semana no Líbano traz de volta ecos do último ano de guerra em Gaza. Israel emitiu alertas aos civis, como fez em Gaza, para que saíssem das áreas que estavam prestes a ser atacadas. O país culpa o Hezbollah, assim como culpa o Hamas, por usar civis como escudos humanos.

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Alguns críticos, assim como inimigos de Israel, disseram que os alertas eram muito vagos — e não davam tempo suficiente para as famílias se retirarem. As leis da guerra exigem que os civis sejam protegidos e proíbem o uso indiscriminado e desproporcional da força.

Alguns dos ataques do Hezbollah a Israel atingiram áreas civis, violando leis elaboradas para protegê-los. Eles também miraram no Exército israelense. Israel e os principais aliados ocidentais, incluindo os EUA e o Reino Unido, classificam o Hezbollah como uma organização terrorista.

Israel insiste que tem um Exército moral que respeita as regras. Mas grande parte do mundo condenou sua conduta em Gaza. A deflagração de uma guerra de fronteira mais ampla vai aprofundar as diferenças no centro de uma discussão altamente polarizada.

Vejamos o caso dos ataques com pagers. Israel diz que foi direcionado a agentes do Hezbollah que haviam recebido os dispositivos. Mas Israel não podia saber onde eles estariam quando as bombas dentro dos pagers fossem acionadas, razão pela qual civis e crianças em residências, lojas e outros locais públicos foram feridos e mortos. Isso, segundo alguns advogados renomados, prova que Israel estava usando força letal sem distinguir entre combatentes e civis; uma violação das regras da guerra.

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O conflito entre Israel e o Hezbollah começou na década de 1980. Mas esta guerra de fronteira começou um dia depois que o Hamas atacou Israel, em 7 de outubro, quando Hassan Nasrallah ordenou que seus homens iniciassem um bombardeio limitado, mas quase diário, na fronteira para apoiar o Hamas. Isso ocupou as tropas israelenses — e forçou cerca de 60 mil pessoas em cidades na fronteira a deixarem suas casas.

Sombras de invasões passadas

Algumas vozes na mídia israelense compararam o impacto dos ataques aéreos na capacidade do Hezbollah de travar uma guerra à Operação Foco, o ataque surpresa de Israel ao Egito em junho de 1967. Foi um ataque famoso que destruiu a força aérea egípcia quando suas aeronaves estavam alinhadas no solo. Nos seis dias seguintes, Israel derrotou o Egito, a Síria e a Jordânia. A vitória criou o formato do conflito atual, uma vez que Israel capturou a Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, a Faixa de Gaza e as Colinas de Golã.

Não é uma boa comparação. O Líbano e a guerra com o Hezbollah são diferentes. Israel infligiu duros golpes. Mas, até o momento, isso não deteve a capacidade ou a vontade do Hezbollah de disparar contra Israel.

As guerras anteriores de Israel contra o Hezbollah foram desgastantes, exaustivas e nunca resultaram em uma vitória decisiva para nenhum dos lados. Esta pode seguir o mesmo caminho, por mais satisfatória que tenha sido a última semana de operações ofensivas para Israel, seus serviços de inteligência e seus militares.

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A ofensiva de Israel se baseia em uma suposição — uma aposta — de que vai chegar um momento em que o Hezbollah vai sucumbir, recuar da fronteira e parar de disparar contra Israel. A maioria dos observadores do Hezbollah acredita que ele não vai parar. Lutar contra Israel é a principal razão pela qual o Hezbollah existe.

Isso significa que Israel, igualmente relutante em admitir a derrota, teria que intensificar ainda mais a guerra. Se o Hezbollah continuasse a tornar o norte de Israel perigoso demais para que os civis israelenses voltem para casa, Israel teria que decidir se lançaria uma ofensiva terrestre, provavelmente para capturar uma faixa de terra para atuar como uma zona tampão (região considerada neutra, entre ambos os lados em conflito).

Um caça israelense sobrevoa o norte de Israel na terça-feira — o ministro da Defesa do país chamou os ataques aéreos desta semana no Líbano de 'obra-prima'
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Israel já invadiu o Líbano antes. Em 1982, suas forças entraram em Beirute para tentar impedir os ataques palestinos a Israel. E foram forçadas a uma retirada humilhante diante da fúria no país e no exterior, depois que as tropas israelenses ocuparam o perímetro, enquanto seus aliados cristãos libaneses massacravam civis palestinos nos campos de refugiados de Sabra e Shatila, em Beirute.

Na década de 1990, Israel ainda ocupava uma ampla faixa de terras libanesas ao longo da fronteira. Os generais israelenses de hoje eram, na época, jovens oficiais, em intermináveis escaramuças e trocas de tiros com o Hezbollah, que estava se fortalecendo à medida que lutava para expulsar Israel. Ehud Barak, então primeiro-ministro de Israel e ex-chefe do Estado-Maior das FDI, retirou-se da chamada "zona de segurança" em 2000. Ele decidiu que isso não tornava Israel mais seguro, e estava custando a Israel a vida de muitos soldados.

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Em 2006, uma incursão mal avaliada do Hezbollah pela fronteira tensa e altamente militarizada matou e capturou soldados israelenses. Ehud Olmert, então primeiro-ministro de Israel, entrou em guerra. Após o fim da guerra, Hassan Nasrallah disse que não teria permitido a incursão se soubesse o que Israel faria em troca.

No início, Israel esperava que o poderio aéreo fosse capaz de impedir os ataques de foguetes contra Israel. Quando isso não aconteceu, as tropas terrestres e os tanques voltaram a cruzar a fronteira. A guerra foi um desastre para os civis libaneses. Mas no último dia da guerra, o Hezbollah ainda estava disparando foguetes contra Israel.

Guerras presentes e futuras

Os comandantes de Israel sabem que entrar no Líbano sob ataque seria um desafio militar muito maior do que combater o Hamas em Gaza. O Hezbollah também vem fazendo planos desde o fim da guerra de 2006, e estaria lutando em casa, no sul do Líbano, que possui muitos terrenos acidentados e montanhosos que se adequam às táticas de guerrilha.

Israel não conseguiu destruir todos os túneis que o Hamas cavou na areia em Gaza. Nas fronteiras do sul do Líbano, o Hezbollah passou os últimos 18 anos preparando túneis e posições em rocha sólida. E possui um enorme arsenal, fornecido pelo Irã. Diferentemente do Hamas em Gaza, ele pode ser reabastecido por terra pela Síria.

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O Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais (CSIS, na sigla em inglês), um think tank com sede nos EUA, estima que o Hezbollah tenha cerca de 30 mil combatentes ativos e até 20 mil na reserva, treinados principalmente como pequenas unidades móveis de infantaria leve. Muitos de seus homens têm experiência de combate por terem lutado para apoiar o regime de Bashar al-Assad, na Síria.

A maioria das estimativas diz que o Hezbollah possui algo entre 120 mil e 200 mil mísseis e foguetes, desde armas não guiadas a armas de longo alcance, que podem atingir as cidades de Israel.

O Hezbollah vem trocando disparos com Israel desde outubro do ano passado — o que forçou a retirada de dezenas de milhares de pessoas de cidades do norte de Israel, como Kiryat Shmona
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Israel pode estar apostando que o Hezbollah não vai usar todas elas, temendo que a Força Aérea israelense faça no Líbano o que fez em Gaza, transformando cidades inteiras em escombros e matando milhares de civis.

O Irã pode não querer que o Hezbollah use armas que gostaria de reservar como um seguro contra um ataque israelense às instalações nucleares do Irã. Esta é outra aposta. O Hezbollah pode decidir usar mais do seu arsenal antes que Israel o destrua.

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Com a continuação da guerra em Gaza e o aumento dos níveis de violência na Cisjordânia ocupada, Israel também teria que contemplar uma terceira frente se invadisse o Líbano. Seus soldados são motivados, bem treinados e equipados, mas as unidades de reserva que fornecem grande parte do poderio de combate de Israel já estão sentindo a tensão após um ano de guerra.

Um beco sem saída diplomático

Os aliados de Israel, liderados pelos Estados Unidos, não queriam que o país intensificasse a guerra com o Hezbollah — e não querem que ele invada o Líbano.

Eles insistem que somente a diplomacia pode tornar a fronteira segura o suficiente para que os civis voltem para suas casas em ambos os lados. Um enviado americano elaborou um acordo, baseado, em parte, na resolução de Segurança 1701 da ONU que encerrou a guerra de 2006.

Mas os diplomatas estão de mãos atadas sem um cessar-fogo em Gaza. Hassan Nasrallah disse que o Hezbollah só vai parar de atacar Israel quando a guerra em Gaza terminar.

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No momento, nem o Hamas nem os israelenses estão preparados para fazer as concessões necessárias que vão levar a um acordo de cessar-fogo em Gaza e uma troca de reféns israelenses por prisioneiros palestinos.

À medida que os ataques aéreos israelenses continuam a atingir o Líbano, os civis que já estavam lutando para sustentar suas famílias em uma economia em crise enfrentam dor e incerteza terríveis. O medo ultrapassa as linhas de frente de combate. Os israelenses sabem que o Hezbollah pode causar danos muito piores do que no último ano.

Israel acredita que chegou a hora de ser agressivo e audacioso, de expulsar o Hezbollah para longe de suas fronteiras. Mas enfrenta um inimigo obstinado, bem armado e furioso. Esta é a crise mais perigosa neste longo ano de guerra desde que o Hamas atacou Israel e, no momento, nada impede que se transforme em algo muito pior.

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