Por que Coreia do Sul e do Norte jogam balões no território um do outro?

A Coreia do Norte lançou centenas de balões com lixo na Coreia do Sul, trazendo à tona memórias da guerra de propaganda travada há mais de 60 anos entre os dois lados.

30 mai 2024 - 07h02
(atualizado às 07h36)
As autoridades de Seul alertaram os moradores a evitar sair de casa e a não tocar em 'objetos não identificados'
As autoridades de Seul alertaram os moradores a evitar sair de casa e a não tocar em 'objetos não identificados'
Foto: Yonhap News Agency / Reuters / BBC News Brasil

A Coreia do Norte lançou centenas de balões com lixo na Coreia do Sul, trazendo à tona memórias da guerra de propaganda que vem sendo travada pelos dois lados há mais de 60 anos.

Pelo menos 260 balões carregando sacos plásticos repletos de lixo foram encontrados no Sul na noite de terça-feira (28/5), o que levou as autoridades sul-coreanas a alertar os moradores a permanecerem em casa.

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A Coreia do Norte alertou há poucos dias que iria retaliar a distribuição de panfletos contra Pyongyang conduzida por organizações sul-coreanas.

Soldados recolhem sacolas encontradas em uma colina em Pyeongtaek, na Coreia do Sul
Foto: Yonhap News Agency / EPA / BBC News Brasil

2,8 bilhões de panfletos na Guerra da Coreia

Os objetos — sobretudo panfletos conhecidos como pira em coreano — transportados e distribuídos por balões entre a Coreia do Norte e do Sul, remetem à Guerra da Coreia na década de 1950.

A prática começou para valer durante o conflito, com as forças das Nações Unidas (ONU) lançando panfletos sobre o Norte como parte da guerra psicológica.

Em contrapartida, a Coreia do Norte também espalhou panfletos visando as forças da ONU.

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Quando o armistício foi assinado em 27 de julho de 1953, um total de 2,8 bilhões de folhetos haviam sido distribuídos. Destes, 2,5 bilhões foram lançados pela Coreia do Sul e pelas forças da ONU, enquanto a Coreia do Norte e a União Soviética lançaram 300 milhões.

Panfleto norte-coreano exortando os soldados sul-coreanos a se renderem durante a Guerra da Coreia
Foto: DMZ Museum / BBC News Brasil

Esta quantidade seria capaz de cobrir toda a Península Coreana mais de 20 vezes.

A maioria dos panfletos tinha cores vivas — predominantemente vermelho — para chamar a atenção.

Eles continham principalmente mensagens encorajando a rendição. Alguns folhetos também incluíam "certificados de garantia de segurança", prometendo proteção aos titulares deles.

Folheto direcionado aos soldados negros americanos das forças da ONU, lideradas pelos EUA, para não morrerem em vão, pois estavam sendo discriminados por soldados brancos
Foto: DMZ Museum / BBC News Brasil

Mensagens de 'autoelogio'

Mesmo depois do armistício de 1953, que marcou o fim das hostilidades entre ambos os lados, a distribuição de panfletos continuou.

Eles eram repletos de conteúdo criticando os líderes uns dos outros e seus respectivos governos.

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A Coreia do Norte enviou este panfleto ao Sul — era, segundo eles, o 'certificado de garantia de segurança da República Popular Democrática da Coreia'
Foto: DMZ Museum / BBC News Brasil

Nas décadas de 1960 e 1970, os panfletos da Coreia do Norte enfatizavam o desenvolvimento de Pyongyang e promoviam as conquistas do então presidente Kim Il-sung.

Nos anos 1970, a panfletagem norte-coreana prometia vários benefícios aos "soldados que viessem para o Norte", incluindo "a garantia de direitos e liberdade, emprego, alocação gratuita de moradia de luxo, ajuda de custo e recompensas em dinheiro".

Foto de uma modelo conhecida e promessas de recompensas para quem chegasse do Norte — esta mensagem foi enviada pela Coreia do Sul aos norte-coreanos na década de 1980
Foto: DMZ Museum / BBC News Brasil

Durante a década de 1970, as condições econômicas da Coreia do Norte foram muitas vezes consideradas melhores do que as da Coreia do Sul, levando a casos de deserção sul-coreana após a leitura dos panfletos.

Até os anos 1980, era comum estudantes sul-coreanos catarem panfletos enviados pela Coreia do Norte. Entregá-los em escolas ou delegacias de polícia poderia render a eles uma recompensa, como canetas, cadernos e outros materiais escolares.

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Panfleto sul-coreano promovendo a participação dos países comunistas nas Olimpíadas de Seul em 1988
Foto: DMZ Museum / BBC News Brasil

Repartições públicas chegaram até a publicar anúncios oferecendo recompensas para quem entregasse espiões ou recolhesse panfletos contra os sul-coreanos.

À medida que a situação econômica entre os dois lados se inverteu, a Coreia do Sul começou a utilizar este aspecto em seus próprios panfletos contra os norte-coreanos.

Durante as Olimpíadas de Seul em 1988, slogans como "Você não quer comer até ficar satisfeito?" foram usados para abordar diretamente esta mudança.

Este panfleto norte-coreano apresenta um personagem popular da dramaturgia sul-coreana, usado para criticar a política sul-coreana
Foto: DMZ Museum / BBC News Brasil

Uma pausa

Após a assinatura do Acordo Básico Intercoreano de 1991 e do Acordo Intercoreano para Cessar Atos Hostis de 2000, tanto a Coreia do Norte quanto a Coreia do Sul suspenderam oficialmente suas atividades de distribuição de panfletos.

Em 2007, a polícia do Sul aboliu os regulamentos que regiam a coleta e o processamento dos materiais de propaganda norte-coreanos — acabando efetivamente com as recompensas pela entrega de tais artigos, incluindo material escolar.

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Embora a distribuição de folhetos com patrocínio oficial tenha sido interrompida, os panfletos não desapareceram completamente.

Quando as relações entre os dois lados começaram a se deteriorar durante o governo do presidente sul-coreano Lee Myung-bak, as críticas mútuas e a guerra psicológica foram retomadas.

E os panfletos sobrevoaram novamente os céus das duas Coreias.

Além dos panfletos

Desde a década de 2000, organizações civis sul-coreanas assumiram a liderança no envio de folhetos contra a Coreia do Norte. Elas também passaram a enviar itens ocidentais, como macarrão instantâneo e notas de um dólar.

A distribuição de panfletos contra os norte-coreanos aumentou significativamente após o naufrágio do navio Cheonan em 2010.

Após o quarto teste nuclear da Coreia do Norte, em janeiro de 2016, o governo sul-coreano de Park Geun-hye retomou as transmissões em alto-falantes para a Coreia do Norte como resposta.

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Estas transmissões, feitas a partir de alto-falantes colocados na fronteira, incluíam notícias sobre violações de direitos humanos na Coreia do Norte e músicas populares de ídolos coreanos, como parte de um esforço mais amplo de intercâmbio cultural.

Em resposta, a Coreia do Norte retomou a distribuição generalizada de panfletos contra os sul-coreanos. A maioria destes panfletos criticava a política de Washington para a Coreia do Norte e a situação política dentro da Coreia do Sul.

Em 27 de abril de 2018, o presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in, e o líder da Coreia do Norte, Kim Jong-un, anunciaram a Declaração de Panmunjom.

Ambos concordaram em "cessar todos os atos hostis, incluindo as transmissões por alto-falantes e a distribuição de panfletos, ao longo da Linha de Demarcação Militar a partir de 1º de maio".

Apesar disso, a distribuição de panfletos por parte de grupos civis sul-coreanos, como o Fighters for a Free North Korea, continuou.

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Na época, Kim Yo-jong, irmã de Kim Jong-un, alertou que se o governo sul-coreano não conseguisse impedir o "grande espetáculo de lixo" e a situação desagradável, antes de mais nada, as relações intercoreanas poderiam se deteriorar ainda mais.

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