Por que Europa agora tem pressa para se reaproximar de Brasil e América Latina

Crescente influência da China no mundo e rivalidade entre Europa e Rússia estão entre motivos que levam europeus a tentar ampliar laços com países latino-americanos.

17 jul 2023 - 16h05
(atualizado às 16h14)
Líderes europeus têm demonstrado pressa em atrair países da América Latina para sua zona de influência
Líderes europeus têm demonstrado pressa em atrair países da América Latina para sua zona de influência
Foto: Ricardo Stuckerd/Presidência do Brasil / BBC News Brasil

Bilhões de euros em investimentos, promessas de um acordo de comércio e palavras de união — tudo para recuperar o tempo perdido.

Essa tem sido a tônica dos anúncios da Europa nesta semana durante a cúpula de líderes de União Europeia e da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac), que acontece em Bruxelas.

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A Comissão Europeia anunciou nesta segunda-feira (17/7) que a América Latina vai receber 45 bilhões de euros (mais de R$ 240 bilhões) nos próximos quatro anos como parte do Global Gateway — o programa europeu de investimentos em projetos sustentáveis em diversos setores, como saúde, educação e tecnologia.

Os europeus também têm pressa para finalizar o acordo comercial com o Mercosul (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) — que está sendo negociado desde 1999. Em Bruxelas, Pedro Sánchez, presidente da Espanha (país que ocupa atualmente a presidência rotatória da União Européia), disse que existe uma "janela de oportunidade" agora para se fechar o acordo até o final do ano.

Mas por que a Europa tem tanta pressa e oferece tantas "benesses" ao continente agora?

Segundo fontes do Itamaraty, especialistas internacionais e até mesmo algumas das autoridades europeias, três pontos explicam o afã europeu em se aproximar do Brasil e dos demais países da região neste momento: a crescente influência da China na América Latina, a rivalidade com a Rússia no cenário internacional e a sensação que a Europa perdeu muito tempo ao longo das últimas décadas.

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Rivalidade com a China

A própria presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, ao anunciar o investimento maciço na América Latina nesta segunda-feira, reconheceu esses motivos.

"A América Latina, o Caribe e a Europa precisam uns dos outros mais do que nunca. O mundo no qual vivemos é mais competitivo, mais conflituoso do que antes, ainda se recuperando do impacto da pandemia de covid. O mundo está sofrendo o impacto duro da agressão da Rússia à Ucrânia. E tudo isso acontece com o pano de fundo do crescimento da ascendência da China no exterior", disse a presidente da Comissão Europeia.

A cúpula entre União Européia, América Latina e Caribe não acontecia desde 2015 — e foi relançada em um momento em que os europeus tentam trazer o continente de volta à sua esfera de influência.

"Hoje marca um novo começo para uma velha amizade", disse Von Der Leyen.

Analistas dizem que a aproximação com a América Latina — o que inclui o acordo comercial com o Mercosul — se tornou uma das prioridades da gestão de Von Der Leyen na União Europeia. Neste ano, ela já visitou Brasil, Argentina, México e Chile.

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"A importância do acordo UE-Mercosul aumentou ainda mais para Bruxelas, já que a Europa decidiu diversificar seus laços comerciais após uma dura separação da Rússia após a invasão da Ucrânia e uma avaliação de risco sobre sua dependência de suprimentos chineses e acesso ao mercado", afirma um relatório da consultoria política Eurasia Group.

O próprio programa de investimentos da Europa — o Global Gateway — é visto como uma resposta europeia ao ambicioso plano de investimentos da China — conhecido como "Nova Rota da Seda". Nos últimos dez anos, através desse programa, a China despejou bilhões em projetos de infraestrutura principalmente em países da América Latina, Ásia e África.

A Nova Rota da Seda construiu rodovias, ferrovias e portos no exterior e aumentou a influência de Pequim em mais de 140 países.

Há diferentes estimativas sobre quanto dinheiro já foi investido pela China em dez anos. Os valores vão de US$ 890 bilhões (mais de R$ 4,2 trilhões) a US$ 1 trilhão (R$ 4,8 trilhões).

Com seu programa Global Gateway, a Europa quer investir 300 bilhões de euros (R$ 1,6 trilhões) até 2027 para "diminuir o fosso de investimento global" em infraestrutura que existe entre os países ricos e os em desenvolvimento.

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Segundo os detalhes anunciados em Bruxelas, a América Latina vai receber uma fatia de 45 bilhões de euros para 130 projetos.

Entre esses projetos estão 2 bilhões de euros (R$ 10 bilhões) de investimento para apoiar a produção brasileira de hidrogênio verde e energias renováveis, uma parceria com a Argentina sobre matérias-primas sustentáveis e lançamento de um Fundo para Hidrogênio Renovável no Chile, com orçamento inicial de 225 milhões de euros (R$ 1,2 bilhão).

Acordos comerciais

Mas o movimento de reaproximação com a América Latina não tem sido sempre fácil.

A União Europeia está no processo de finalizar três acordos de livre comércio na região — um com Chile, um com México e um com Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai).

Tanto a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von Der Leyen, como o presidente rotativo do Conselho da União, Pedro Sánchez (Espanha), disseram que a prioridade é aprovar esses acordos até o final do ano.

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Mas, no caso do Mercosul, ainda há muitos obstáculos no caminho.

Países como França, Irlanda, Holanda e Áustria tentam introduzir mecanismos no acordo que inviabilizem negócios com países que desmatarem suas florestas. Ao discursar na Cúpula em Bruxelas na segunda-feira, Lula disse que esse tipo de cláusula soa como "ameaças".

"A conclusão do Acordo Mercosul-União Europeia é uma prioridade e deve estar baseada na confiança mútua, e não em ameaças. A defesa de valores ambientais, que todos compartilhamos, não pode ser desculpa para o protecionismo", disse Lula.

"Proteger a Amazônia é uma obrigação. Vamos eliminar seu desmatamento até 2030. Mas a floresta tropical não pode ser vista apenas como um santuário ecológico."

Também existe uma pressão para que empresas europeias possam participar de licitações públicas em setores nacionais estratégicos, o que no jargão diplomático é conhecido como "compras governamentais".

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No mesmo discurso em Bruxelas, Lula também disse que o Brasil não aceitará essa pressão.

"O poder de compra do Estado é uma ferramenta essencial para os investimentos em saúde, educação e inovação. Sua manutenção é condição para industrialização verde que queremos implementar."

Não se sabe ainda se essa questão pode ser rapidamente negociada pelos diplomatas ou se ela pode acabar reabrindo todas as negociações entre os blocos.

Apesar dos entraves, é possível que o acordo Mercosul-União Europeia avance ainda neste ano. O Brasil apresentou no fim de semana aos seus parceiros do Mercosul uma proposta de resposta às reivindicações feitas por europeus.

Depois que essas propostas forem analisadas e houver um consenso dentro do Mercosul, as negociações devem seguir adiante.

Analistas e fontes do Itamaraty acreditam que o momento é propício para avanços nas negociações. A "janela de oportunidade" se estende até junho de 2024, quando a Europa realizará eleições para o Parlamento do bloco.

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Depois disso, é difícil prever se a União Europeia aprovaria o acordo, já que isso dependeria do perfil dos novos parlamentares e da nova composição da casa.

Em Bruxelas, Lula disse que, apesar das dificuldades, espera a conclusão do acordo ainda neste ano.

"A União Europeia é o segundo maior parceiro comercial do Brasil. Nossa corrente de comércio poderá ultrapassar este ano a marca de US$ 100 bilhões. Um acordo entre Mercosul e União Europeia equilibrado, que pretendemos concluir ainda este ano, abrirá novos horizontes", disse o presidente brasileiro.

Rússia

Outro ponto que tem causado certo atrito nas relações com os latino-americanos — e com o Brasil em especial — é a Rússia.

A União Europeia, junto com Estados Unidos e Reino Unido, vem impondo sanções pesadas à Rússia desde a invasão da Ucrânia no ano passado.

Diplomatas em Bruxelas relatam que há dificuldades para se chegar a um consenso sobre como tratar do tema na declaração final da cúpula, que termina na terça-feira.

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Von Der Leyen — que já foi apontada neste ano como favorita para assumir a presidência da aliança militar ocidental Otan — fez referências críticas à Rússia em seu discurso.

Já Lula fez o oposto: criticou a atuação das potências ocidentais.

"A guerra na Ucrânia é mais uma confirmação de que o Conselho de Segurança das Nações Unidas não atende aos atuais desafios à Paz e à Segurança. Seus próprios membros não respeitam a Carta da ONU", disse Lula.

"Recorrer a sanções e bloqueios sem o amparo do direito internacional serve apenas para penalizar as populações mais vulneráveis."

A Cúpula União Europeia-Celac termina na terça-feira (18/7) na Bélgica. Pela manhã, Lula terá um encontro com líderes "progressistas", organizado pelo ex-premiê sueco Stefan Löfven, que preside o Partido Socialista Europeu.

No mesmo dia, ele participa de sessão plenária final da cúpula e mantém encontros bilaterais com líderes de Suécia (premiê Ulf Kristersson) e Dinamarca (premiê Mette Frederiksen). Ele deve embarcar de volta para o Brasil na manhã de quarta-feira.

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