Quando é que um cessar-fogo não é um cessar-fogo? Segundo o exército israelense, quando se trata de uma "pausa local e tática da atividade militar para fins humanitários".
O coordenador de ajuda humanitária de Israel para Gaza divulgou os detalhes da pausa diária programada nos combates, que vai acontecer entre 8h e 19h, no horário local, ao longo de uma rota importante que segue para norte a partir do ponto de passagem de Kerem Shalom — onde os suprimentos aguardam sinal verde para serem entregues.
O anúncio desencadeou quase imediatamente um furioso ataque político por parte de ministros mais radicais que integram o governo — e uma rápida defesa do exército de Israel, que insiste que a medida não indica o fim dos combates no sul de Gaza, ou qualquer alteração na entrada de ajuda humanitária.
O fato de este anúncio ter se revelado tão explosivo realça a situação cada vez mais tensa do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, que se encontra numa encruzilhada.
De um lado, estão os custos dos vagos — e até agora inatingíveis — objetivos de desmantelar o Hamas e trazer para casa os reféns. Do outro, os aliados políticos de quem depende para permanecer no poder.
As agências ainda precisarão acertar os processos com o exército israelense. O diretor do Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas em Gaza, Matt Hollingworth, disse que os testes mostrarão se essa coordenação se tornaria mais suave e rápida a partir de agora.
Mas ele também entende que a coordenação é apenas uma parte dos obstáculos enfrentados pelas agências que tentam levar ajuda a Gaza.
Segundo ele, o anúncio da pausa "não resolve a questão da insegurança e da criminalidade".
"E esta é a área mais perigosa da Faixa de Gaza neste momento para a movimentação de ajuda humanitária", complementa Hollingworth.
As agências informaram no fim de semana que a guerra contínua gera desnutrição aguda em algumas partes de Gaza.
Israel está sob pressão — de organizações, de aliados e do próprio Tribunal Superior do país — para garantir mais ajuda a Gaza.
Mas Netanyahu enfrenta forte oposição de dois colegas de gabinete, que dizem que derrubarão o governo se ele concordar em acabar com a guerra. Ambos consideram que a entrega de ajuda atrasa a vitória de Israel.
Eles reagiram furiosamente ao anúncio de pausa feito neste domingo (16/6). O Ministro da Segurança Interna, Itamar Ben-Gvir, classificou "quem tomou esta decisão" como "malvado" e "um tolo".
Já o Ministro das Finanças, Bezalel Smotrich, disse que a ajuda humanitária permite manter o Hamas no poder e corre o risco de levar "as conquistas da guerra pelo ralo".
O fato de o exército poder emitir esta mensagem num dia em que Israel enterrava onze dos seus soldados, disse Smotrich, era um sintoma de que a liderança dá demasiado peso à opinião internacional e não considera suficiente a situação das forças no terreno.
Os dois políticos ameaçaram derrubar o governo de coligação de Netanyahu se ele acabar com a guerra, como querem os Estados Unidos.
Mas a pressão sobre os custos da guerra também aumenta. O conflito paralelo de Israel com o Hezbollah no Líbano se intensificou nos últimos dias, realçando os riscos mais amplos de continuar a guerra com o Hamas.
Na noite de sábado (15/6), grandes multidões protestaram em Tel Aviv. As pessoas pediam que Netanyahu colocasse um fim ao conflito em Gaza e assinasse um acordo para trazer os 120 reféns israelenses de volta.
Os funerais de onze soldados, mortos em Gaza no fim de semana, colocam de novo o foco nos questionamentos sobre se os objetivos de guerra declarados pelo primeiro-ministro podem ser alcançados de fato.
Netanyahu prometeu uma "vitória total" contra o Hamas. Ele enquadrou a atual operação em Rafah como um ataque aos últimos batalhões restantes do grupo em Gaza — algo necessário para destruí-la, segundo a avaliação dele.
Mas é claro que mesmo o desmantelamento do Hamas como organização militar estruturada não significa o fim total do conflito.
As forças israelenses ainda enfrentam operações de guerrilha levadas a cabo por combatentes do Hamas em áreas que já estão teoricamente controladas.
E não há sinais de que os principais líderes do grupo — como Yahya Sinwar e Mohammed Deif — tenham sido mortos ou capturados.
Para Netanyahu, o fim da guerra irá provavelmente trazer uma nova batalha pela própria sobrevivência política do primeiro-ministro.
As divisões reveladas entre o exército e os aliados políticos realçam as tensões entre a retórica e a realidade nesta guerra.
Tensões essas que Netanyahu enfrenta ao estar preso entre a promessa de "vitória total" e a perspectiva de uma "guerra eterna".