Neste domingo, a Itália realiza um plebiscito sobre sua maior reforma constitucional desde 1948. Se a proposta for aprovada, 46 dos 138 artigos da Constituição italiana serão modificados. Uma transformação com consequências importantes para o país e para a União Europeia.
O legislativo italiano vive o chamado "bicameralismo perfeito" - Senado e Câmara têm praticamente os mesmos poderes.
E a reforma almeja, entre outros objetivos, mudar drasticamente o papel do Senado, limitando seus poderes, reduzindo o número de senadores de 315 para 100 e transformando a casa em uma câmara de representação territorial - membros não serão eleitos por voto direto, mas por intermédio de representantes municipais e regionais.
A proposta também prevê aumentar o poder do governo central frente aos governos regionais.
Além disso, vincula essas mudanças à nova lei eleitoral, que entrou em vigor em julho, dando automaticamente ao partido mais votado 340 assentos na Câmara de Deputados (55% do total).
O governo e os defensores da reforma argumentam que a iniciativa pretende reduzir custos, agilizar o processo legislativo e aumentar a estabilidade política na Itália, um país que desde a 2ª Guerra Mundial já teve 63 governos.
"A reforma melhora a atividade legislativa e simplifica os processos. Outra parte importante são as mudanças na relação entre o governo central e os governos locais. Nesses momentos, existe uma zona cinzenta enorme em que as competências se sobrepõem (...). A reforma pretende mudar de forma significativa essa situação", disse Lorenzo Codogno, ex-economista-chefe do Tesouro italiano e diretor da consultoria LC Macro Advisers, à BBC Mundo (o serviço em espanhol da BBC).
Por outro lado, os opositores da proposta questionam a falta de consenso político e social para passar uma reforma dessa proporção. Eles criticam o aumento dos poderes do governo e o que consideram uma redução do poder de representação dos eleitores, especialmente no Senado.
"O que temos na Itália, e em outros países, não é tanto uma crise de governabilidade sem uma crise de representatividade", aponta Fabio Marcelli, da Associação de Juristas Democratas da Itália.
"Sob meu ponto de vista, um projeto deste tipo agrava a falta de representatividade porque aumenta a distância entre as instituições e os cidadãos, piorando, portanto, a qualidade de nossa democracia", acrescenta.
Risco de instabilidade
As preocupações com uma eventual vitória do "não" no plebiscito refletem o risco de que esse resultado desencadeie um período de instabilidade política na terceira maior economia da zona do euro em um momento delicado para a União Europeia.
Renzi - diferentemente de David Cameron no Reino Unido - não convocou o plebiscito de forma voluntária: após não ter recebido o apoio de pelo menos dois terços no Parlamento, o voto popular se tornou obrigatório para levar adiante a reforma constitucional.
Mas, assim como Cameron, Renzi ligou seu destino ao resultado final do plebiscito e disse que vai renunciar se sua proposta for derrotada.
Apesar de que a vitória do "não" parecia improvável quando a votação foi marcada, as recentes pesquisas de boca de urna mostram uma diferença muito apertada entre as duas opções.
"Para Renzi, será praticamente impossível continuar no cargo se o 'não' vencer. Esse plebiscito, que foi alimentado em grande parte pelo próprio premiê, carrega um significado político que vai além da votação. Trata-se de um teste de fogo para o governo dele, que será posto à prova", avalia Marcelli.
Movimento Cinco Estrelas
Alguns analistas chegaram a especular que uma vitória do "não" pode ser um primeiro passo rumo à desintegração do euro.
"Se Renzi perder o plebiscito, esperaria uma sequência de acontecimentos que levantariam dúvidas sobre a participação da Itália na zona do euro", escreveu Wolfgang Münchau, editor do jornal britânico Financial Times.
Um dos argumentos citados por Münchau é que a recusa à reforma constitucional pode ser aproveitada em termos eleitorais pelo Movimento Cinco Estrelas, partidário do "não". O partido político, encabeçado pelo comediante Beppe Grillo e classificado como populista, já defendeu a realização de um plebiscito sobre a saída da Itália da moeda comum da UE.
"É certo que existe um elemento de voto de protesto no plebiscito e também é certo que o Movimento Cinco Estrelas é forte nas pesquisas de intenção de voto. Mas é importante sublinhar que depois do plebiscito nada vai acontecer. Será uma grande oportunidade perdida para a Itália, mas nada além disso. Certamente, o governo será formado em questão de semanas, possivelmente uma grande coalizão, e o Movimento Cinco Estrelas não tem opções de chegar ao poder", opina Codogno.
"Acredito que as preocupações são um pouco exageradas. Com uma exceção: o setor financeiro na Itália está bastante fraco nesse momento. Há uma série de operações de levantamento de capital sendo feitas, além de outras para limpar os balanços dos bancos. Se o "não" vencer e não houver governo, essas operações podem ficar em risco. Mas o risco, no meu ponto de visto, é mais financeiro do que político", acrescenta.
Fabio Marcelli, contudo, discorda. Ele considera exageradas as análises sobre um cenário de crise política no caso de uma vitória do "não".
"Não acredito que haja esses riscos catastróficos que todos estão dizendo. Me parece que são a expressão das pressões que querem fazer sobre o eleitorado", avalia.
"O tema fundamental na Itália agora, como em outros lugares do mundo, não é reforçar os poderes do governo, mas reforçar o poder dos cidadãos por meio de instituições da democracia representativa e direta", conclui.
No mesmo dia em que a Itália decidirá sobre sua maior reforma constitucional em quase 70 anos, a vizinha Áustria vai escolher o novo presidente. Estão na disputa um candidato de extrema direita, Norbert Hofer, e o do Partido Verde, Alexander Van der Belle. Em maio, será a vez da França e, em setembro, a Alemanha realiza eleições parlamentares.