Por que plebiscito na Itália pode causar nova crise na União Europeia

2 dez 2016 - 11h08
(atualizado às 12h20)
Itália vota no domingo maior reforma constitucional desde 2ª Guerra Mundial
Itália vota no domingo maior reforma constitucional desde 2ª Guerra Mundial
Foto: Getty Images

Neste domingo, a Itália realiza um plebiscito sobre sua maior reforma constitucional desde 1948. Se a proposta for aprovada, 46 dos 138 artigos da Constituição italiana serão modificados. Uma transformação com consequências importantes para o país e para a União Europeia.

O legislativo italiano vive o chamado "bicameralismo perfeito" - Senado e Câmara têm praticamente os mesmos poderes.

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E a reforma almeja, entre outros objetivos, mudar drasticamente o papel do Senado, limitando seus poderes, reduzindo o número de senadores de 315 para 100 e transformando a casa em uma câmara de representação territorial - membros não serão eleitos por voto direto, mas por intermédio de representantes municipais e regionais.

A proposta também prevê aumentar o poder do governo central frente aos governos regionais.

Além disso, vincula essas mudanças à nova lei eleitoral, que entrou em vigor em julho, dando automaticamente ao partido mais votado 340 assentos na Câmara de Deputados (55% do total).

O governo e os defensores da reforma argumentam que a iniciativa pretende reduzir custos, agilizar o processo legislativo e aumentar a estabilidade política na Itália, um país que desde a 2ª Guerra Mundial já teve 63 governos.

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"A reforma melhora a atividade legislativa e simplifica os processos. Outra parte importante são as mudanças na relação entre o governo central e os governos locais. Nesses momentos, existe uma zona cinzenta enorme em que as competências se sobrepõem (...). A reforma pretende mudar de forma significativa essa situação", disse Lorenzo Codogno, ex-economista-chefe do Tesouro italiano e diretor da consultoria LC Macro Advisers, à BBC Mundo (o serviço em espanhol da BBC).

Por outro lado, os opositores da proposta questionam a falta de consenso político e social para passar uma reforma dessa proporção. Eles criticam o aumento dos poderes do governo e o que consideram uma redução do poder de representação dos eleitores, especialmente no Senado.

"O que temos na Itália, e em outros países, não é tanto uma crise de governabilidade sem uma crise de representatividade", aponta Fabio Marcelli, da Associação de Juristas Democratas da Itália.

"Sob meu ponto de vista, um projeto deste tipo agrava a falta de representatividade porque aumenta a distância entre as instituições e os cidadãos, piorando, portanto, a qualidade de nossa democracia", acrescenta.

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Eventual instabilidade política na Itália poderia ter repercussões na União Europeia
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Risco de instabilidade

As preocupações com uma eventual vitória do "não" no plebiscito refletem o risco de que esse resultado desencadeie um período de instabilidade política na terceira maior economia da zona do euro em um momento delicado para a União Europeia.

Renzi - diferentemente de David Cameron no Reino Unido - não convocou o plebiscito de forma voluntária: após não ter recebido o apoio de pelo menos dois terços no Parlamento, o voto popular se tornou obrigatório para levar adiante a reforma constitucional.

Luigi Di Maio (2º da esq. para dir.) é membro do Movimento Cinco Estrelas e vice-presidente da Câmara de Deputados italiana
Foto: Getty Images

Mas, assim como Cameron, Renzi ligou seu destino ao resultado final do plebiscito e disse que vai renunciar se sua proposta for derrotada.

Apesar de que a vitória do "não" parecia improvável quando a votação foi marcada, as recentes pesquisas de boca de urna mostram uma diferença muito apertada entre as duas opções.

"Para Renzi, será praticamente impossível continuar no cargo se o 'não' vencer. Esse plebiscito, que foi alimentado em grande parte pelo próprio premiê, carrega um significado político que vai além da votação. Trata-se de um teste de fogo para o governo dele, que será posto à prova", avalia Marcelli.

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Destino de Matteo Renzi está ligado a resultado de plebiscito
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Movimento Cinco Estrelas

Alguns analistas chegaram a especular que uma vitória do "não" pode ser um primeiro passo rumo à desintegração do euro.

"Se Renzi perder o plebiscito, esperaria uma sequência de acontecimentos que levantariam dúvidas sobre a participação da Itália na zona do euro", escreveu Wolfgang Münchau, editor do jornal britânico Financial Times.

Um dos argumentos citados por Münchau é que a recusa à reforma constitucional pode ser aproveitada em termos eleitorais pelo Movimento Cinco Estrelas, partidário do "não". O partido político, encabeçado pelo comediante Beppe Grillo e classificado como populista, já defendeu a realização de um plebiscito sobre a saída da Itália da moeda comum da UE.

Coalizão denominada 'Direita Unida&' também se manifestou contra plebiscito
Foto: Getty Images

"É certo que existe um elemento de voto de protesto no plebiscito e também é certo que o Movimento Cinco Estrelas é forte nas pesquisas de intenção de voto. Mas é importante sublinhar que depois do plebiscito nada vai acontecer. Será uma grande oportunidade perdida para a Itália, mas nada além disso. Certamente, o governo será formado em questão de semanas, possivelmente uma grande coalizão, e o Movimento Cinco Estrelas não tem opções de chegar ao poder", opina Codogno.

"Acredito que as preocupações são um pouco exageradas. Com uma exceção: o setor financeiro na Itália está bastante fraco nesse momento. Há uma série de operações de levantamento de capital sendo feitas, além de outras para limpar os balanços dos bancos. Se o "não" vencer e não houver governo, essas operações podem ficar em risco. Mas o risco, no meu ponto de visto, é mais financeiro do que político", acrescenta.

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Fabio Marcelli, contudo, discorda. Ele considera exageradas as análises sobre um cenário de crise política no caso de uma vitória do "não".

Manifestantes protestam a favor do 'não'
Foto: Getty Images

"Não acredito que haja esses riscos catastróficos que todos estão dizendo. Me parece que são a expressão das pressões que querem fazer sobre o eleitorado", avalia.

"O tema fundamental na Itália agora, como em outros lugares do mundo, não é reforçar os poderes do governo, mas reforçar o poder dos cidadãos por meio de instituições da democracia representativa e direta", conclui.

No mesmo dia em que a Itália decidirá sobre sua maior reforma constitucional em quase 70 anos, a vizinha Áustria vai escolher o novo presidente. Estão na disputa um candidato de extrema direita, Norbert Hofer, e o do Partido Verde, Alexander Van der Belle. Em maio, será a vez da França e, em setembro, a Alemanha realiza eleições parlamentares.

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