Qual a origem da rivalidade entre Israel e Irã

As relações entre Israel e o Irã foram bastante cordiais até 1979; depois, os países adentraram em uma 'guerra nas sombras'.

2 out 2024 - 04h50
(atualizado às 07h37)
Iraniano pisa em bandeira de Israel durante comemoração em Teerã pelos ataques com mísseis nesta terça-feira (01/10)
Iraniano pisa em bandeira de Israel durante comemoração em Teerã pelos ataques com mísseis nesta terça-feira (01/10)
Foto: Majid Asgaripour/WANA via REUTERS / BBC News Brasil

Os ataques do Irã contra Israel nesta terça-feira (01/10) são os episódios mais recentes de uma antiga rivalidade entre os dois países.

Israel e Irã protagonizam há anos uma disputa sangrenta que virou uma das principais fontes de instabilidade no Oriente Médio e cuja intensidade varia de acordo com o momento geopolítico.

Publicidade

Para Teerã, Israel não tem o direito de existir. Os governantes iranianos consideram o país o "pequeno Satanás" — o aliado no Oriente Médio dos Estados Unidos, que chamam de "grande Satanás".

Já Israel acusa o Irã de financiar grupos "terroristas" e de realizar ataques contra seus interesses, movidos pelo antissemitismo dos aiatolás.

A rivalidade entre os "arqui-inimigos" já fez um grande número de mortos, muitas vezes em ações secretas em que nenhum dos governos admite sua responsabilidade.

E a guerra em Gaza só fez as coisas piorarem.

Publicidade

Como começou a rivalidade entre Israel e Irã

O triunfo da Revolução Islâmica de 1979 no Irã marcou o início da rejeição iraniana a Israel
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

As relações entre Israel e o Irã foram bastante cordiais até 1979, quando a chamada Revolução Islâmica dos aiatolás conquistou o poder em Teerã.

Embora tenha se oposto ao plano de fatiamento da Palestina que resultou na criação do Estado de Israel em 1948, o Irã foi o segundo país islâmico a reconhecer Israel, depois do Egito.

O Irã era uma monarquia na qual reinavam os xás da dinastia Pahlavi e um dos principais aliados dos Estados Unidos no Oriente Médio.

Assim, o fundador de Israel e seu primeiro chefe de governo, David Ben-Gurion, procurou e conseguiu a amizade iraniana como forma de combater a rejeição de seus vizinhos árabes ao novo Estado.

Mas a Revolução de Ruhollah Khomeini, em 1979, derrubou o xá e impôs uma república islâmica que se apresentava como defensora dos oprimidos e tinha como principais marcas a rejeição ao "imperialismo" americano e a Israel.

Publicidade

O novo regime dos aiatolás rompeu as relações com Israel, deixou de reconhecer a validade do passaporte de seus cidadãos e tomou posse da embaixada israelense em Teerã para cedê-la à Organização para a Libertação da Palestina (OLP), que então liderava a luta por um Estado palestino, contra o governo israelense.

Alí Vaez, diretor do Programa para o Irã do International Crisis Group, um centro de análise, disse à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC, que "a aversão a Israel foi um pilar do novo regime iraniano porque muitos de seus líderes haviam treinado e participado de ações de guerrilha com palestinos em lugares como o Líbano e tinham uma grande simpatia por eles".

Além disso, acredita Vaez, "o novo Irã queria se projetar como uma potência pan-islâmica e levantou a causa palestina contra Israel, que os países muçulmanos árabes tinham abandonado".

Assim, Khomeini começou a reivindicar a causa palestina como sua própria. E grandes manifestações pró-Palestina, com apoio oficial, tornaram-se habituais em Teerã.

Publicidade

Vaez explica que em Israel "a hostilidade ao Irã só começou mais tarde, na década de 1990, porque antes o Iraque de Saddam Hussein era percebido como uma maior ameaça regional."

Tanto é que o governo israelense foi um dos mediadores que tornou possível o chamado Irã-Contra, o programa pelo qual os Estados Unidos desviaram armamento para o Irã, para que usassem na guerra contra o vizinho Iraque, entre 1980 e 1988.

Mas, com o tempo, Israel começou a ver no Irã um dos principais perigos para sua existência. E a rivalidade entre os dois passou das palavras para os fatos.

Khomeini e outros líderes da Revolução Islâmica simpatizavam com a causa dos palestinos contra Israel
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Uma 'guerra nas sombras'

Vaez lembra que o regime iraniano enfrentava também a Arábia Saudita, outra grande potência regional, e tinha consciência de que o Irã é persa e xiita — em um mundo islâmico maioritariamente sunita e árabe.

Publicidade

"O regime iraniano percebeu seu isolamento e começou a desenvolver uma estratégia destinada a evitar que seus inimigos pudessem um dia atacá-lo em seu próprio território", explica o especialista.

Assim, proliferou uma rede de organizações alinhadas a Teerã que realizavam ações armadas favoráveis aos seus interesses.

A libanesa Hezbollah, listada como terrorista pelos Estados Unidos e pela União Europeia, é a mais proeminente. Hoje, o chamado "eixo da resistência" iraniano se estende pelo Líbano, Síria, Iraque e Iêmen.

Israel não ficou de braços cruzados e trocou com o Irã e seus aliados ataques e outras ações hostis, muitas vezes em outros países, onde financia e apoia grupos armados que combatem os pró-iranianos.

O estado da relação entre o Irã e Israel foi descrito como uma "guerra nas sombras", na qual ambos já realizaram ataques mútuos sem que, em muitos casos, nenhum dos governos tenha admitido oficialmente sua participação.

Publicidade

Em 1992, o grupo Jihad Islâmico, próximo ao Irã, atacou a embaixada israelense em Buenos Aires, provocando 29 mortes.

Pouco antes, o líder do Hezbollah, Abbas al-Musawi, tinha sido assassinado em um atentado amplamente atribuído aos serviços de inteligência de Israel.

Para Israel, sempre foi uma obsessão minar o programa nuclear iraniano e evitar que chegue o dia em que os aiatolás tenham armas nucleares.

Em Israel não se acredita que o programa nuclear iraniano tenha apenas fins civis. E é amplamente aceito que foram os serviços israelenses que, em colaboração com os Estados Unidos, desenvolveram o vírus de computador Stuxnet, que causou sérios danos às instalações nucleares iranianas na primeira década de 2000.

Teerã também denunciou a inteligência israelense como responsável pelos atentados contra alguns dos principais cientistas encarregados de seu programa nuclear.

O caso mais conhecido foi o assassinato em 2020 de Mohsen Fakhrizadeh, considerado o principal responsável pelo programa. Mas o governo israelense nunca aceitou a acusação de seu envolvimento nas mortes de cientistas iranianos.

Publicidade

Israel, junto a seus aliados ocidentais, acusam o Irã de estar por trás dos ataques com drones e foguetes sofridos em seu território no passado, assim como de ter realizado vários ataques cibernéticos.

Outro motivo de confronto foi a guerra civil desencadeada na Síria a partir de 2011.

A inteligência ocidental aponta que o Irã enviou dinheiro, armas e instrutores para apoiar as forças do presidente Bashar Al-Assad contra os insurgentes que tentavam derrubá-lo.

Isso disparou o alerta em Israel, que acredita que a vizinha Síria é uma das principais rotas por onde os iranianos enviam armamentos e equipamentos para o Hezbollah no Líbano.

De acordo com o portal de inteligência americano Stratfor, tanto Israel quanto o Irã realizaram ações na Síria destinadas a dissuadir o outro de lançar um ataque em larga escala.

Publicidade

Em 2021, a "guerra nas sombras" chegou ao mar quando Israel apontou o Irã como responsável pelos ataques contra navios israelenses no Golfo de Omã. E o Irã, por sua vez, acusou Israel de atacar seus navios no Mar Vermelho.

Reação em cadeia

O sistema antimísseis de Israel interceptou a maioria dos mísseis disparados pelo Irã nesta terça-feira
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Desde os ataques de 7 de outubro de 2023 realizados pelo Hamas contra Israel e a reação militar massiva lançada pelo Exército israelense em Gaza, analistas e governos de todo o mundo expressaram preocupação de que o conflito pudesse provocar uma reação em cadeia na região — e um confronto aberto e direto entre iranianos e israelenses.

Em 1º de abril deste ano, um ataque aéreo israelense ao consulado do Irã na Síria matou dois generais de alto escalão.

No que pareceu uma retaliação, o Irã atacou Israel com drone e mísseis em 13 abril.

Agora, nesta terça, a Guarda Revolucionária do Irã descreveu o ataque com mísseis como retaliação pelo assassinato em julho do líder do Hamas, Ismail Haniyeh, assim como do líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, na sexta-feira (27/9) — e também pelo assassinato de libaneses e palestinos.

Publicidade

No Líbano, o conflito com o Hezbollah se intensificou em meados de setembro, quando quando ocorreram explosões de pagers e walkie-talkies usados pelo Hezbollah, matando mais de 30 pessoas e deixando mais de 2 mil feridos.

Israel foi acusado pela ação, mas não negou nem confirmou a autoria.

Poucos dias depois, o sul do Líbano passou a ser fortemente bombardeado por Israel.

Autoridades libanesas dizem que mais de mil pessoas foram mortas nas últimas duas semanas em meio aos ataques de Israel, e até 1 milhão de pessoas precisaram deixar suas casas.

Este texto foi originalmente publicado em 8 de abril de 2024 e republicado em 2 de outubro de 2024 com atualizações.

BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Fique por dentro das principais notícias
Ativar notificações