Qual a real extensão da pandemia do coronavírus na África?

Especialistas alertam que é preciso maior capacidade de testes para revelar

30 jul 2020 - 13h50
(atualizado às 13h53)

África do Sul foi duramente atingida, outros países conseguiram gerenciar melhor a pandemia. Especialistas alertam que é preciso maior capacidade de testes para revelar a verdadeira extensão da pandemia no continente.Susan Joshua, de 30 anos, vende milho torrado na beira da estrada, no distrito de Maitama, em Abuja. A subsistência dela e de sua família dependem dessa atividade.

Profissional de saúde em hospital de campanha montado pela Médicos Sem Fronteira para combater a covid-19 na Cidade do Cabo, África do Sul
21/07/2020 REUTERS/Mike Hutchings
Profissional de saúde em hospital de campanha montado pela Médicos Sem Fronteira para combater a covid-19 na Cidade do Cabo, África do Sul 21/07/2020 REUTERS/Mike Hutchings
Foto: Reuters

Quando Abuja, a capital da Nigéria, decretou um confinamento geral no final de março por causa do surto de covid-19, Joshua ficou confinada em casa, assim como outros milhões de outros nigerianos. Agora a vida está lentamente voltando ao normal na cidade.

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"Estamos de volta [aos negócios]", disse ela à DW. "Normalmente vendemos mais do que isso, mas agora não estamos conseguindo. Às vezes comemos apenas uma ou duas vezes por dia."

A Nigéria, o país mais populoso da África, com 200 milhões de habitantes, registrou até agora 42.208 casos confirmados de covid-19.

O presidente nigeriano Muhammadu Buhari recebeu crédito por levar a pandemia de covid-19 a sério. Ele mobilizou todas as instituições do governo para controlar a pandemia e logo anunciou a imposição de uma política de confinamento em grandes cidades, que foi posteriormente estendida para todo o país.

Os Centros de Controle e Prevenção de Doenças da África (CDC da África) elogiaram a iniciativa da Nigéria, apontando que o governo de Buhari foi bem-sucedido em lidar com o vírus. "É preciso elogiar o governo da Nigéria e o Centro de Controle de Doenças da Nigéria. Sem os esforços deles, os números poderiam ter disparado rapidamente", disse John Nkengasong, diretor do CDC da África.

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A Nigéria, no entanto, tem poucos centros de testagem e os resultados ainda levam vários dias para serem anunciados, aponta Abubakar Umar, cientista político da Universidade de Abuja. "Se você olhar para todo o tratamento, ele está abaixo da média, então não estou particularmente impressionado com o que o presidente fez até agora", disse Umar à DW.

Vírus fora de controle na África do Sul

A África do Sul - com mais de 470 mil casos registrados - tem o quinto maior número de infecções depois dos EUA, Brasil, Índia e Rússia. O país está fechando escolas públicas depois de reabri-las no início de julho.

O presidente Cyril Ramaphosa disse que seu governo decidiu fechar as salas de aula para evitar que as escolas se tornassem novos locais de transmissão em um momento em que as infecções por coronavírus no país avançam rapidamente, fazendo com ue a África do Sul tenha uma das taxas mais altas do mundo.

O aumento no número de casos é resultado de uma política agressiva de testes em massa e da presença do vírus entre as populações mais vulneráveis.

"Uma coisa que as pandemias fazem: elas tiram vantagem das disparidades e amplificam isso", disse Nkengasong, diretor do CDC da África. "Eu me preocupo que isso ocorra cada vez mais em muitas capitais com favelas ao redor."

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Em um discurso transmitido pela TV na semana passada, Ramaphosa também anunciou a expansão de um programa multibilionário de alívio ao coronavírus e a intensificação da luta contra a corrupção e fraudes no fornecimento de auxílio.

Uganda e Ruanda, dois bons exemplos

Especialistas em saúde e o CDC da África elogiaram Uganda após o país conseguir segurar as taxas de covid-19, apesar do aumento em outros lugares do continente.

Até agora, Uganda acumulou 1.140 casos confirmados e registrou apenas duas mortes - tudo graças a uma política de isolamento muito rigorosa, de acordo com o professor Yap Boum, representante da África para o Epicenter, o braço de pesquisa dos Médicos Sem Fronteiras (MSF).

"A estratégia de testes de Uganda está dando frutos, com apenas pouco mais de mil casos nos quase seis meses do surto. Para um país tão grande, é bastante impressionante", disse Boum à DW.

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O CDC da África também elogiou a parceria de Ruanda para acelerar a plataforma Pacto para Aceleração de Testagem de Covid (Pact, na sigla em inglês), que promove testes eficientes e rastreamento de contatos.

"Ruanda enviou mais de mil agentes comunitários de saúde para ajudar no rastreamento de contatos", disse Nkengasong, o diretor do CDC da África, acrescentando a estratégia de Ruanda no combate à pandemia pode servir de exemplo.

Até agora, o país da África Oriental registrou 1.963 casos de coronavírus e apenas algumas regiões seguem em confinamento.

Outros bons exemplos são Camarões, Angola, Ilhas Maurício, Uganda e Moçambique.

Mais testes são necessários

Até agora, todo o continente realizou um total de 8,3 milhões de testes. Desses, 80% foram realizados em apenas 10 países: África do Sul, Marrocos, Gana, Egito, Etiópia, Uganda, Ilhas Maurício, Quênia, Nigéria e Ruanda. A região central do continente realizou menos testes de covid-19 do que as outras áreas.

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"Esta é uma preocupação séria para nós. Vamos começar a focar nessa região de forma muito agressiva para aumentar o número de testes", disse Nkengasong.

A meta do CDC da África é aumentar esse número para pelo menos 1% da população do continente (aproximadamente 15 milhões de pessoas) por mês.

Aperfeiçoar a resposta

Há uma necessidade de alertar a população e aumentar a capacidade de teste para ue ela envolva toda a população e as pessoas em risco de adoecer gravemente, aponta o professor Boum.

"Agora sabemos que um em cada seis casos na República de Camarões e na República Democrática do Congo envolvem pessoas com comorbidades ou que tem mais de 60 anos. Isso significa que é necessário alertar essa população para limitar a mortalidade especificamente", aponta Boum.

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O negacionismo é um dos principais problemas, de acordo com especialistas em saúde. Alguns africanos ainda acreditam que a covid-19 não passa de um resfriado comum que é superestimado pelo Ocidente.

"As pessoas preferem reclamar do que cumprir [com as medidas de saúde]", disse Umar.

Desenvolvendo soluções próprias

No início de julho, a farmacêutica Gilead Sciences anunciou o preço do remdesivir, um medicamento que vem se mostrando promissor no tratamento da covid-19. Nos EUA, um tratamento completo com o medicamento por meio de um plano de saúde está saindo por 3.120 dólares.

Ensaios clínicos mostraram que o remdesivir reduz o tempo de hospitalização e a gravidade da doença, reduzindo o tempo de recuperação em até 47% em alguns pacientes.

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Segundo o professor Boum, no entanto, a África não tem acesso nem capacidade financeira para comprar esse tratamento.

"Enquanto isso, os pacientes seguem usando todas as opções, incluindo a medicina tradicional", disse Boum, acrescentando que esse desafio oferece uma oportunidade "para avaliar tanto a medicina ocidental quanto a africana e ver como elas são complementares de várias maneiras".

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