Perder para Donald Trump lhe tirou a vontade de sair de casa.
Pelo menos foi o que disse Hillary Clinton uma semana após perder a eleição presidencial dos Estados Unidos. Na quarta-feira, em um evento beneficente, ela contou que em alguns momentos só tinha vontade de ler encolhida em sua casa em Chappaqua, no Estado de Nova York.
Já em sua última aparição, a democrata voltou a falar que continuará lutando, sem se render jamais. Essas afirmações, no entanto, geram perguntas sobre seu futuro.
Ativista política desde jovem, Clinton, hoje com 69 anos, foi primeira-dama do Estado de Arkansas, primeira-dama dos Estados Unidos, senadora, Secretária de Estado e a primeira mulher candidata à Casa Branca de um dos grandes partidos americanos. Depois de tanto envolvimento na política, ela vai se aposentar? Vai tentar a Presidência de novo? O que fará daqui para frente?
Levantamos a seguir algumas possibilidades de atuação de Hillary no futuro.
Voz da oposição?
Nas duas aparições políticas depois das eleições, a ex-secretária de Estado falou da necessidade de continuar lutando pelos valores nos quais acredita.
E estes se chocam frontalmente com promessas do presidente eleito Donald Trump.
Algumas das propostas do republicano causaram indignação em parte do eleitorado de Clinton.
Em especial dentro das minorias, que veem com preocupação o desejo do empresário de deportar milhões de imigrantes sem documentos, restringir a entrada de muçulmanos ao país ou nomear um juiz conservador contrário ao aborto para a Suprema Corte.
Esses grupos deram a vitória (no voto popular) a Clinton e, em várias cidades do país, saíram às ruas para protestar contra Trump, gritando "ele não é meu presidente".
Mas, para especialistas, é pouco provável que a ex-senadora assuma um papel de líder da oposição e muito menos que dispute de novo a Presidência dos Estados Unidos.
"No sistema político estadunidense, o perdedor de uma eleição presidencial não tem uma via para institucionalizar sua postura de oposição", disse o historiador da Universidade McGill Gil Troy, autor de vários livros sobre campanhas presidenciais nos Estados Unidos, incluindo um sobre Bill Clinton.
O fato de a democrata ter vencido por voto popular se converteu em razão para que muitos continuem a apoiá-la. Mas isso não é suficiente para garantir sua volta às eleições, pondera o historiador especializado em política americana da Universidade de Princeton Julian Zelizer.
"Há muita frustração sobre a forma como a campanha foi conduzida. Muitos democratas têm sentimentos mistos em relação a ela, em especial os que a veem como uma política que perpetua o status quo do partido", afirmou.
Uma das lições que a corrida à Casa Branca deixou, segundo Zelizer, é a de que o Partido Democrata precisa seguir um novo caminho.
"Ela é o oposto das vozes jovens e diferentes que poderiam chegar a representar o partido no futuro."
Ativista
Ao longo de sua vida, Clinton ocupou diversos cargos públicos e privados, mas nunca deixou de lado seu papel como ativista de várias causas, especialmente a dos direitos das crianças.
Talvez isso explique porque, apesar de ter expressado sua falta de ânimo para a exposição pública, ela participou na quarta-feira de um evento do Children's Defense Fund (Fundo de Defesa das Crianças).
A organização realizou uma cerimônia para homenagear o trabalho da democrata nessa área, cujo vínculo com a entidade começou nos anos 1970, quando Hillary tinha acabado de se formar em Direito em Yale.
"Ela sempre trabalhou em políticas públicas a favor das crianças, do acesso à saúde e das mulheres. É o que prometeu continuar fazendo como presidente", disse Zelizer.
Uma possibilidade, então, seria que a ex-senadora continuasse trabalhando em benefício dessas causas, mas em um meio não governamental.
"Ela não seria a primeira. O ex-candidato presidencial Al Gore, por exemplo, tornou-se um porta-voz na luta contra o aquecimento global", lembra Anthony Zurcher, correspondente da BBC em Washington.
Diplomacia informal
Outra possibilidade, diz Zelizer, poderia ser no campo da diplomacia informal, como fizeram o ex-presidente Jimmy Carter e o marido de Hillary, Bill Clinton.
Carter, que governou os Estados Unidos entre 1977 e 1981, ganhou o Prêmio Nobel da Paz por intervir para a resolução de conflitos no Haiti, Bósnia, Etiópia e Sudão, por meio do Centro Carter.
Como secretária de Estado entre 2009 e 2013, Clinton visitou 122 países e a estratégia americana de política externa foi um dos temas centrais de sua campanha.
"Para ela, importa muito que o papel dos EUA no mundo permaneça estável. Posso vê-la colaborando com negociações em outros países", disse Zelizer.
Fundação Clinton
Se a ex-aspirante à Presidência decidir realizar projetos sociais em todo o mundo, já tem um lugar de pouso: a Fundação Clinton.
A organização, fundada pela família em 1997, tem sido alvo de elogios, mas também de críticas daqueles que a consideram uma fonte de corrupção.
Os questionamentos aumentaram quando Clinton era Secretária de Estado e houve insinuações de que favorecia doadores da fundação.
"É uma oportunidade para que Bill e Hillary limpem essa imagem negativa da organização e (ela) volte a ser o centro de renome que faz grandes contribuições sociais ao mundo", diz o historiador Troy.
O fato de ser uma funcionária pública forçou Hillary a se dissociar da entidade, mas agora não haveria impedimento para que ela voltasse a fazer parte do conselho diretivo.
Apesar da derrota devastadora para Trump, a ex-senadora tem sido clara sobre manter a luta por valores que considera corretos para o país.
E em muitas ocasiões, o presidente Barack Obama e a primeira-dama, Michelle, se referiram à ex-candidata como uma "lutadora", que "nunca desiste".
Até Donald Trump usou as mesmas palavras em um debate presidencial, quando perguntado sobre as virtudes que via na concorrente.
"Ela não desiste. Não se rende. É uma lutadora."