Quem é o Hezbollah, o inimigo de Israel no Líbano que pode agravar conflito no Oriente Médio

Israel teme uma escalada que possa abrir uma segunda frente contra um dos seus maiores inimigos.

20 out 2023 - 06h21
(atualizado às 07h28)
Hezbollah convocou "dia de fúria sem precedentes" contra Israel após explosão em hospital de Gaza
Hezbollah convocou "dia de fúria sem precedentes" contra Israel após explosão em hospital de Gaza
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Israel começou a evacuar vilarejos na fronteira com o Líbano em meio a temores de uma escalada de violência na área.

A principal preocupação é com a possibilidade de um confronto armado com o Hezbollah, grupo islâmico libanês que, assim como o palestino Hamas, prega a destruição do Estado judeu.

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O Hezbollah convocou uma "um dia de fúria sem precedentes" contra Israel na quarta-feira (18/10), após acusar o país de estar por trás de uma explosão em um hospital em Gaza que matou centenas de pessoas na noite do dia anterior.

Israel, por sua vez, afirma que foi a Jihad Islâmica Palestina que lançou este ataque, considerado o mais mortal até agora no conflito com o Hamas, que controla a Faixa de Gaza.

Poucas horas depois do incidente, eclodiram protestos em frente à embaixada dos Estados Unidos em Beirute, capital do Líbano, e em outras cidades do mundo árabe.

Desde o ataque do Hamas, que matou pelo menos 1,3 mil pessoas em Israel — e a contra-ofensiva israelense que matou mais de 3,3 mil pessoas em Gaza — tem havido várias trocas de tiros na fronteira libanesa-israelense.

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Três soldados israelenses morreram na semana passada em um confronto com militantes do Hezbollah que haviam atravessado o país vindos do Líbano.

O Exército israelense respondeu atacando combatentes do grupo em território libanês, matando três.

Desde a sua criação, o Hezbollah tem sido acusado de realizar uma série de ataques contra alvos judeus e israelenses.

O grupo é designado como organização terrorista pelos Estados Unidos, Israel e outros países da Liga Árabe.

Da mesma forma, o seu braço militar aparece na lista de organizações terroristas da União Europeia (UE).

Desde sua criação, Hezbollah vem sendo acusado de realizar uma série de ataques contra alvos judeus e israelenses
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"O Hezbollah é atualmente a força militar não-estatal mais poderosa do mundo", diz Firas Maksad, especialista em política libanesa e geopolítica do Oriente Médio do think tank Middle East Institute (MEI), com sede em Washington, à BBC News Mundo, o serviço de notícias em espanhol da BBC.

À medida que o conflito entre o Hamas e Israel se intensifica e as tropas israelenses se preparam para uma possível invasão terrestre na Faixa de Gaza, muitos temem agora que o Hezbollah se envolva plenamente no conflito e retome a sua luta contra o que considera ser um dos seus principais inimigos.

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Origem

O Hezbollah — cujo nome significa "partido de Deus" — é um partido político islâmico xiita e um grupo paramilitar apoiado pelo Irã que exerce grande poder no Líbano.

Desde 1992, é liderado por Hassan Nasrallah e tornou-se agora a força militar mais poderosa da nação árabe.

O grupo também ganhou gradualmente influência no sistema político do Líbano e tem poder de veto no Executivo do país.

O Hezbollah é considerado por alguns libaneses como uma ameaça à estabilidade do país, mas continua popular entre a comunidade xiita libanesa que representa.

Apesar de o Hezbollah defender uma corrente do Islã diferente da do Hamas, sendo o primeiro xiita e o segundo, sunita, os dois grupos convergem quanto ao desejo de destruir Israel.

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No entanto, lutaram em campos opostos na guerra civil síria.

O Hezbollah apoia Bashar al Assad, enquanto o Hamas quer derrubá-lo.

As origens precisas do Hezbollah são difíceis de rastrear, mas os seus precursores surgiram depois de Israel ter invadido uma parte do sul do Líbano em 1982, em resposta a uma série de ataques de militantes palestinos contra Israel, nomeadamente a tentativa de assassinato do embaixador israelense no Reino Unido.

Ariel Sharon, que era então Ministro da Defesa de Israel, visou expurgar a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) do sul do Líbano e impedir as incursões do grupo através da sua fronteira.

Alguns líderes xiitas no Líbano queriam uma resposta militante à invasão e romperam com o Movimento Amal, um grupo político que se tornou uma das mais importantes milícias muçulmanas xiitas durante a Guerra Civil Libanesa (1975-1990).

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Os rebeldes formaram um movimento militar xiita que recebeu apoio militar e organizacional da Guarda Revolucionária do Irã (divisão das forças armadas do Irã, fundada depois da Revolução Iraniana) e foi denominado Amal Islâmico.

Pouco depois, essa organização aliou-se a outros grupos e criou o Hezbollah.

Objetivos

O Hezbollah anunciou oficialmente a sua criação em 1985, publicando uma "carta aberta" que identificava os Estados Unidos e a antiga União Soviética (URSS) como os principais inimigos do Islã.

No polêmico manifesto, o Hezbollah também levantou a destruição de Israel como um objetivo fundamental.

"É o inimigo odiado que temos de combater até que os odiados consigam o que merecem", diz o texto.

"Este inimigo é o maior perigo para as nossas gerações futuras e para o destino das nossas terras, especialmente porque glorifica as ideias de colonização e expansão, iniciadas na Palestina."

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Cresce temor de que Hezbollah se envolva plenamente no conflito entre Hamas e Israel
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O governo dos EUA culpa o grupo por orquestrar os atentados à embaixada dos EUA e ao quartel da Marinha americana em Beirute, em 1983, que juntos deixaram 258 americanos e 58 militares franceses mortos e levaram à retirada das forças de manutenção da paz ocidentais.

Após o Exército sírio ter imposto a paz no Líbano em 1990, pondo fim à guerra civil, o Hezbollah continuou a sua guerra de guerrilha no sul do país.

Mas, gradualmente, também começou a desempenhar um papel ativo na política libanesa.

Em 1992, participou pela primeira vez nas eleições nacionais, obtendo mais assentos do que qualquer outro partido.

A organização emitiu um novo manifesto político em 2009, após conquistar 10 assentos no Parlamento, para destacar a "visão política" do grupo.

O Hezbollah retirou do manifesto de 1985 a referência à necessidade de criação de uma república islâmica, mas manteve sua linha dura contra Israel e os Estados Unidos e insistiu que precisava manter suas armas.

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Pela sua influência política, militar e de segurança e também pelos serviços sociais que presta, no Líbano, o grupo é considerado um estado dentro do estado, ou seja, uma milícia, rivalizando com as instituições governamentais, o que gera críticas no país.

As suas capacidades excedem até as do Exército libanês.

O espectro da guerra de 2006

A violência em Gaza alimentou tensões entre Israel e o Hezbollah, que expressou solidariedade com o povo palestino.

O grupo militante libanês entrou em confronto pela última vez com Israel em 2006.

Naquele ano, militantes do Hezbollah lançaram um ataque transfronteiriço no qual oito soldados israelenses foram mortos e outros dois raptados.

O Hezbollah exigiu a libertação dos prisioneiros libaneses em troca de soldados israelenses.

Mas a resposta de Israel ao ataque foi rápida e firme.

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Aviões de guerra israelenses bombardearam redutos do Hezbollah no sul do Líbano e nos subúrbios ao sul de Beirute, enquanto o Hezbollah disparou cerca de 4 mil foguetes contra Israel.

Mais de 1.125 libaneses, a maioria deles civis, morreram durante os 34 dias de conflito, bem como 119 soldados israelenses e 45 civis.

Desde então, o Hezbollah aprimorou e expandiu o seu arsenal, recrutando dezenas de novos combatentes.

Gradualmente, Hezbollah passou a ter papel na vida política do Líbano
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Capacidade militar

Segundo Firas Maksad, especialista em política libanesa, o Hezbollah é "exponencialmente mais poderoso" hoje do que era em 2006.

"O Hezbollah ganhou muito mais experiência, lutando na guerra na Síria e treinando e apoiando milícias pró-Irã no Iraque e no Iêmen", explica o especialista.

"Também se acredita que seu arsenal militar seja muito mais amplo e preciso em termos de mísseis, em comparação com 2006."

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Em 2021, o líder do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, afirmou que o grupo tinha 100 mil combatentes.

Também possui foguetes de longo alcance que poderiam penetrar profundamente em Israel.

Por essas razões, Maksad acredita que uma guerra total entre o Hezbollah e Israel seria "devastadora" tanto para os libaneses como para os israelenses.

Em 2021, líder do Hezbollah, Sayyed Hassan Nasrallah, afirmou que grupo tinha 100 mil combatentes
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Financiamento

Segundo o Departamento de Estado dos EUA, o Irã fornece ao Hezbollah "a maior parte" do seu financiamento, bem como treinamento, armas e explosivos.

Teerã também envia "ajuda política, diplomática, monetária e organizacional", denuncia Washington.

Além disso, as agências antidrogas dos EUA e da Europa acusam o grupo libanês de lucrar com o tráfico de drogas.

O Hezbollah nega repetidamente tais acusações, alegando que é "religiosamente proibido fabricar, vender, comprar, contrabandear e consumir" drogas.

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O Departamento de Estado dos EUA observa que o Hezbollah também lucra com contrabando de mercadorias, falsificação de passaportes, tráfico de entorpecentes, lavagem de dinheiro e fraude com cartões de crédito, imigração e bancos.

O Hezbollah se envolverá na guerra entre Israel e Gaza?

Hezbollah aprimorou e expandiu seu arsenal, recrutando dezenas de novos combatentes
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Na visão de Maksad, existe a possibilidade de Israel e o Hezbollah travarem um conflito, apesar de nenhum dos lados estar "buscando-o ativamente".

O especialista acredita que Israel está ocupado em Gaza e não quer abrir uma segunda ou terceira frente, enquanto o Irã preferiria que o Hezbollah não perdesse a sua influência ou a sua força.

"O Hezbollah é a primeira linha de dissuasão para que Israel não ataque o programa nuclear iraniano, razão pela qual o Irã prefere que permaneça intacto", explica.

No entanto, Maksad acrescenta que se Israel avançar mais profundamente em Gaza, os líderes do Irã e do Hezbollah terão de tomar uma decisão difícil.

"Eles terão de decidir se vão sentar-se e ver Israel desmantelar os seus aliados palestinos ou juntar-se à luta para salvar o Hamas."

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Maksad diz que uma segunda frente "possivelmente" já existe devido aos confrontos observados entre o Hezbollah e Israel perto da fronteira libanesa-israelense.

"O Hezbollah e os iranianos são especialistas em conflitos na zona cinzenta (entre a paz e a guerra)", explica.

"Eles continuarão a ameaçar Israel e a operar na fronteira, mas tentando evitar um confronto total e devastador", conclui.

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