Vítima de um ataque com faca nos Estados Unidos nesta sexta-feira (12/08), o escritor britânico Salman Rushdie, de 75 anos, era ameaçado de morte pelo Irã desde 1989.
Sir Rushdie se preparava para dar uma palestra no Instituto Chautauqua, no oeste do estado de Nova York, quando um homem invadiu o palco e o esfaqueou. O autor do ataque foi contido logo em seguida por pessoas no local e depois preso pela polícia.
Mais tarde, na sexta-feira (12/8), Andrew Wylie, agente do escritor, informou em um comunicado que Rushdie estava impossibilitado de falar, dependendo de um aparelho respirador e provavelmente perderá um olho. Wylie afirmou ainda que o escritor teve os nervos do braço cortados e o fígado esfaqueado e danificado.
No domingo (14/8), Wylie atualizou as informações sobre o estado de saúde e afirmou que Rushdie não precisa mais da ventilação mecânica para respirar e está conseguindo falar.
A família está "extremamente aliviada" por ele ter saído do respirador e dito "algumas palavras", comentou um dos filhos do escritor, Zafar Rushdie, no Twitter.
Segundo autoridades, Rushdie foi esfaqueado pelo menos uma vez no pescoço e no abdômen e recebeu primeiros socorros de um médico que estava na plateia. Depois, o escritor foi levado para um hospital em Erie, Pensilvânia, de helicóptero.
Rushdie é um escritor de ficção muito respeitado, com doze romances publicados em diversos países — incluindo no Brasil. Seus livros costumam ter personagens vivendo em contextos históricos específicos e o tratamento dado pelo autor a temas políticos e religiosos sensíveis fez com que ele se tornasse alvo de controvérsias.
Uma da suas principais obras, o livro Versos Satânicos (Companhia das Letras), publicado em 1988, foi especialmente polêmica por ter um personagem inspirado no profeta Maomé retratado de forma considerada ofensiva por líderes da comunidade muçulmana.
No ano seguinte à publicação, o então líder do Irã, aiatolá Khomeini, condenou o livro e ofereceu uma recompensa de milhões de dólares pela morte de Rushdie — que sofreu uma tentativa de homicídio no mesmo ano. O autor então precisou se esconder sob a proteção da Scotland Yard, mas continuou escrevendo.
Ele publicou livros como O último suspiro do mouro (1995), Fúria (2001) e A Feiticeira de Florença (2008) e diversos ensaios sobre temas sociais e políticos. Também são de sua autoria os livros anteriores Os filhos da Meia Noite (1981), que ganhou o prêmio Booker Prize e Vergonha (1983).
Em 1998, como parte do retorno das relações diplomáticas entre Reino Unido e Irã, o governo do Irã publicou um comunicado oficial dizendo que não iria "nem apoiar nem tentar impedir operações para assassinar Rushdie". O autor continou sofrendo ameaças de morte de extremistas depois disso.
Apesar da posição oficial do governo ter mudado, o aiatolá Khamenei, que substitui Khomeini como líder espiritual supremo do país, se referiu diversas vezes a Rushdie como um apóstata cuja morte seria autorizada pelo Islã após 1998. E em 2010 o grupo extremista Al Qeda incluiu Rushdie em uma lista de pessoas que insultaram o Islã.
O autor mora nos Estados Unidos desde 2000. Em 2007, ele recebeu o título de cavaleiro da Coroa Britânica por suas contibuições à literatura, se tornando Sir Salman Rushdie.
Britânico nascido na Índia
Salman Rushdie nasceu de uma família muçulmana de classe média em Mumbai dois meses antes de a Índia se tornar independente da colonização britânica. Seu pai era advogado e empresário e sua mãe era professora.
Aos 14 anos, ele foi enviado pelos seus pais para a Inglaterra para estudar e depois acabou se tornando cidadão britânico. Ele se formou em história na Universidade de Cambridge eventualmente deixou de ser religioso.
Antes de se tornar escritor, trabalhou como redator de publicidade. Seu segundo livro, Os Filhos da Meia Noite, se passava com a partição da Índia (que foi dividida entre Índia e Paquistão) como pano de fundo. O trabalho foi um grande sucesso de crítica e público, vendendo meio milhão de cópias.
O livro Os Versos Satânicos foi publicado em 1988. O título do livro é uma referência a dois versos removidos do Alcorão, o livro sagrado do Islã, por Maomé — ele acreditava que os versos haviam sido inspirados pelo demônio. Entre os pontos controversos, estava o fato de o autor ter nomeado duas prostitutas com o nome de esposas do profeta Maomé.
O livro foi rapidamente proibido na Índia. O Paquistão e diversos outros países também proibiram o livro em seguida. A revolta gerada na comunidade muçulmana foi tanta que chegou a haver protestos de rua contra o livro em alguns países e a embaixada britânica em Teerã foi apedrejada.
A obra foi sucesso de crítica em países europeus, no entanto, e um sucesso de vendas no mundo.
Em 1991, o tradutor japonês do livro,Hitoshi Igarashi, foi encontrado morto na Universidade Tsukuba, em Tokyo. A polícia afirmou que ele foi esfaqueado diversas vezes e deixado no corredor. No mesmo ano, o tradutor italiano do livro, Ettore Capriolo, foi esfaqueado em seu apartamento em Milão, na Itália, mas sobreviveu ao ataque.
- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62523990