Quem era Ebrahim Raisi, presidente do Irã morto em acidente de helicóptero

Raisi era considerado um clérigo linha-dura muito próximo do líder supremo do Irã , o aiatolá Ali Khamenei.

20 mai 2024 - 06h00
(atualizado às 07h19)
Ebrahim Raisi
Ebrahim Raisi
Foto: EPA / BBC News Brasil

O presidente do Irã, Ebrahim Raisi, que morreu em um acidente de helicóptero no domingo, era considerado um clérigo linha-dura muito próximo do líder supremo do Irã, o aiatolá Ali Khamenei.

A sua eleição em 2021 consolidou o controle dos conservadores sobre todas as partes da República Islâmica.

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Ex-chefe do Judiciário do Irã, o político de 63 anos sucedeu Hassan Rouhani após uma vitória esmagadora em uma votação que viu muitos candidatos moderados e reformistas serem barrados e a maioria dos eleitores sem conseguir votar.

Ele assumiu o poder em um momento em que o Irã enfrentava múltiplos desafios — incluindo sérios problemas econômicos, escalada de tensões regionais e negociações paralisadas sobre um acordo nuclear com potências mundiais.

No entanto, o seu mandato foi marcado pelos protestos contra o governo que varreram o Irã em 2022, bem como pela atual guerra em Gaza entre Israel e o grupo palestino Hamas, que é apoiado pelo Irã.

Ele também enfrentou pedidos contínuos de muitos iranianos e ativistas de direitos humanos para que houvesse uma investigação sobre o seu suposto papel nas execuções em massa de prisioneiros políticos na década de 1980.

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Ebrahim Raisi nasceu em 1960 em Mashhad, a segunda maior cidade do Irã e sede do santuário muçulmano xiita mais sagrado do país. Seu pai, que era clérigo, morreu quando ele tinha cinco anos.

Raisi — que usava um turbante preto que o identificava na tradição xiita como descendente do profeta Maomé — seguiu os passos do seu pai e começou a frequentar um seminário na cidade sagrada de Qom aos 15 anos.

Enquanto estudante, participou em protestos contra o xá (rei) Mohammad Reza Pahlavi, que era apoiado pelo Ocidente e que acabou por ser deposto em 1979 em uma Revolução Islâmica liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini.

Após a revolução, ele ingressou no poder judiciário e serviu como promotor em diversas cidades, enquanto era aconselhado pelo aiatolá Khamenei, que se tornou presidente do Irã em 1981.

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Elos com o 'comitê da morte' do Irã

Raisi virou procurador-adjunto em Teerã quando tinha apenas 25 anos.

Enquanto ocupava o cargo, ele atuou como um dos quatro juízes que participaram de tribunais secretos criados em 1988, que passaram a ser conhecidos como "Comitê da Morte".

Os tribunais "julgaram novamente" milhares de prisioneiros que já cumpriam penas de prisão pelas suas atividades políticas. A maioria era membro do grupo de oposição de esquerda Mujahedin-e Khalq (MEK), também conhecido como Organização Popular Mujahedin do Irã (PMOI).

Ativistas da oposição iraniana lembram vítimas de execução em Paris em 2019
Foto: AFP / BBC News Brasil

O número exato de pessoas que foram condenadas à morte pelos tribunais é desconhecido, mas grupos de direitos humanos dizem que cerca de 5 mil homens e mulheres foram executados e enterrados em valas comuns não identificadas, o que constituiu um crime contra a humanidade.

Os líderes da República Islâmica não negam que as execuções tenham acontecido, mas não discutem detalhes e a legalidade de cada caso.

Raisi negou em várias ocasiões qualquer envolvimento com as sentenças de morte. Mas ele também disse que elas foram justificadas por causa de uma fatwa, ou decisão religiosa, do aiatolá Khomeini.

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Em 2016, vazou uma fita de áudio de uma reunião em 1988 entre Raisi, vários outros membros do judiciário e o então vice-líder supremo, aiatolá Hossein Ali Montazeri (1922-2009).

Na fita, Montazeri descreve as execuções como "o maior crime da história da República Islâmica". Um ano depois, Montazeri perdeu sua posição como sucessor designado de Khomeini, e o Aiatolá Khamenei virou o Líder Supremo após a morte de Khomeini.

Quando questionado em 2021 sobre o seu suposto papel nas execuções em massa, Raisi disse aos jornalistas: "Se um juiz, um procurador, defendeu a segurança do povo, deve ser elogiado... Eu tenho orgulho de ter defendido os direitos humanos em todas as posições que ocupei até hoje."

Presidente improvável

Em 2017, Raisi surpreendeu analistas políticos ao se candidatar à Presidência do Irã.

Hassan Rouhani, que também é clérigo, ganhou um segundo mandato por uma vitória esmagadora no primeiro turno da eleição, recebendo 57% dos votos. Raisi, que se apresentou como um candidato anticorrupção — mas foi acusado pelo presidente de fazer pouco para combater a corrupção como vice-chefe do Judiciário — ficou em segundo lugar, com 38%.

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A derrota não manchou a imagem de Raisi. Em 2019, o aiatolá Khamenei o indicou para o poderoso cargo de chefe do Judiciário.

Na semana seguinte, foi também eleito vice-presidente da Assembleia de Peritos, o órgão clerical de 88 membros responsável pela eleição do próximo Líder Supremo.

Como chefe do sistema Judiciário, Raisi implementou reformas que levaram a uma redução no número de pessoas condenadas à morte e executadas por crimes relacionados com drogas no país. No entanto, o Irã continuou matando mais pessoas do que qualquer outro país, com exceção da China.

O poder judiciário também continuou trabalhando com os serviços de segurança para reprimir a dissidência e processar muitos iranianos com dupla nacionalidade ou residência permanente no estrangeiro sob acusações de espionagem.

O então presidente dos EUA, Donald Trump, impôs sanções a Raisi devido ao seu histórico de direitos humanos em 2019. Ele foi acusado de ter supervisão administrativa sobre a execução de indivíduos que eram menores de idade na época de seus supostos crimes e de estar envolvido na violenta repressão a protestos do Movimento Verde, após as eleições presidenciais de 2009.

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Raisi se apresentou como um candidato anticorrupção nas eleições presidenciais de 2021
Foto: EPA / BBC News Brasil

Quando Raisi anunciou a sua candidatura às eleições presidenciais de 2021, ele declarou que concorria como independente para "para fazer mudanças na gestão executiva do país e para combater a pobreza, a corrupção, a humilhação e a discriminação".

A eleição foi posteriormente ofuscada quando o Conselho Guardião desqualificou vários candidatos moderados e reformistas proeminentes. Dissidentes e reformistas pediram que os eleitores boicotassem o pleito, alegando que o processo tinha sido arquitetado para garantir que Raisi não enfrentasse nenhuma concorrência séria.

Ele obteve uma vitória esmagadora, com 62% dos votos no primeiro turno. No entanto, a participação foi pouco inferior a 49% - o menor índice para uma eleição presidencial desde a revolução de 1979.

Quando iniciou o seu mandato de quatro anos em agosto, Raisi prometeu "melhorar a economia para resolver os problemas da nação" e "apoiar qualquer plano diplomático" que levasse ao levantamento das sanções.

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Ele estava se referindo às negociações sobre um acordo de 2015 que limitava as atividades nucleares do Irã. Essas negociações estavam quase encerradas desde que a administração Trump as abandonou e restabeleceu pesadas sanções econômicas em 2018. Desde então, o Irã tem retaliado violando as restrições.

Raisi também prometeu melhorar os laços com os vizinhos do Irã e, ao mesmo tempo, defender as suas atividades regionais, descrevendo-as como uma "força estabilizadora".

Um acordo com os EUA sobre a revitalização do acordo nuclear teria sido fechado em agosto de 2022, apesar da posição dura de Raisi nas negociações. No entanto, esses esforços foram logo atropelados pelos acontecimentos no Irã.

Protestos contra o governo

Em setembro daquele ano, a República Islâmica foi abalada por protestos em massa exigindo o fim do regime clerical.

O movimento Mulher, Vida, Liberdade desencadeou a morte sob custódia de Mahsa Amini, uma jovem que foi detida pela polícia moral em Teerã por supostamente usar seu hijab "de forma incorreta".

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As autoridades negaram que ela tenha sido maltratada, mas uma missão de investigação da ONU concluiu que ela foi "submetida à violência física que a levou à morte".

Pouco mais de um ano depois de Raisi se tornar presidente, o Irã foi tomado por protestos liderados por mulheres contra o regime clerical
Foto: EPA / BBC News Brasil

Raisi prometeu "lidar de forma decisiva" com os distúrbios. Houve repressão violenta. O Irã não divulgou o número oficial de mortos, mas a missão da ONU estimou que cerca de 550 manifestantes foram mortos pelas forças de segurança, a maioria deles a tiros. O governo afirma que 75 seguranças foram mortos.

Mais de 20 mil manifestantes foram supostamente detidos e nove homens jovens foram executados. A missão da ONU disse que as execuções foram baseadas em confissões extraídas sob tortura.

Embora os protestos tenham finalmente diminuído, o descontentamento com o establishment clerical e com as leis do hijab continuou existindo no país. Muitas mulheres e jovens deixaram de cobrir os cabelos em público - um ato que o parlamento iraniano e Raisi procuraram confrontar com nova legislação e novas medidas repressivas.

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Altas tensões regionais

Em março de 2023, o seu governo surpreendeu ao aceitar uma reaproximação com um de seus maiores rivais regionais, a Arábia Saudita, sete anos depois de os países terem cortado relações diplomáticas.

Mas as tensões regionais aumentaram em outubro, quando o Hamas realizou um ataque sem precedentes no sul de Israel e Israel respondeu lançando uma campanha militar de larga escala em Gaza.

Ao mesmo tempo, a rede iraniana de grupos armados aliados e representantes que operam em todo o Oriente Médio — incluindo o Hezbollah no Líbano, os Houthis no Iêmen e várias milícias no Iraque e na Síria — intensificou significativamente os seus ataques contra Israel, no que disseram ser uma demonstração de solidariedade com os palestinos.

Os receios de que a escalada provocasse uma guerra regional aumentaram em abril, depois que o Irã realizou seu primeiro ataque militar direto contra Israel.

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Raisi apoiou a decisão de lançar mais de 300 drones e mísseis contra Israel em retaliação ao ataque mortal ao consulado iraniano na Síria, atibuído a Israel, que matou 13 pessoas, entre elas o brigadeiro-general Mohammad Reza Zahedi, uma figura importante da força Quds, o ramo estrangeiro da elite da Guarda Republicana do Irã.

Quase todos os drones e mísseis lançados pelo Irã foram abatidos por Israel, aliados ocidentais e parceiros árabes. Uma base aérea no sul de Israel sofreu apenas pequenos danos quando foi atingida.

Raisi disse que o ataque direto de mísseis e drones do Irã contra Israel em abril mostrou sua determinação
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Israel respondeu com um míssil que atingiu uma base aérea iraniana, após apelos ocidentais por menos tensões.

Raisi minimizou a importância desse ataque e disse que o ataque com mísseis e drones do Irã mostrou "a determinação de aço de nossa nação".

No domingo (19/5), durante a inauguração de uma barragem no noroeste do Irã, Raisi enfatizou o apoio do Irã aos palestinos, declarando que "a Palestina é a primeira questão do mundo muçulmano".

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Ele estava retornando da visita com o ministro das Relações Exteriores, Hossein Amir-Abdollahian, e várias outras figuras importantes quando o helicóptero deles sofreu um pouso forçado em terreno remoto e montanhoso, segundo a mídia estatal.

Nevoeiro denso e chuva forte dificultaram os esforços de busca, mas na segunda-feira as autoridades encontraram o local do acidente e anunciaram que Raisi e todos a bordo do helicóptero haviam morrido.

Pouco se sabia sobre a vida privada de Raisi, exceto que sua esposa, Jamileh, lecionava na Universidade Shahid Beheshti, em Teerã, e que eles tinham duas filhas adultas. Seu sogro era o aiatolá Ahmad Alamolhoda, o líder linha-dura das orações de sexta-feira em Mashhad.

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