O atentado de sábado em Ancara, capital da Turquia, aprofundou as divisões de um país já muito polarizado.
Dois homens-bomba deixaram 97 mortos, segundo as autoridades, mas manifestantes falam em 128 fatalidades.
As explosões ocorreram perto da estação ferroviária central da cidade e atingiu pessoas que se reuniam para uma manifestação organizada por grupos de esquerda para exigir o fim da violência entre o governo turco e militantes separatistas curdos do grupo PKK.
Nos funerais de vítimas realizados nesta segunda-feira, alguns cidadãos manifestaram raiva contra o governo. O líder do partido de oposição HDP, Selahattin Demirtas, disse que o governo tem "sangue em suas mãos".
O primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu, acusou o grupo autodenominado "Estado Islâmico" (EI) de ser o autor da tragédia, apesar de antes ter apontado quatro outros grupos como seus possíveis autores. Mas, até o momento, ninguém assumiu a responsabilidade pelo ato.
Afinal, quem estaria por trás deste novo atentado na Turquia? A BBC investiga as acusações feitas até o momento.
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"Estado Islâmico"
O jornal The Haberturk publicou que, segundo fontes da polícia, o tipo de explosivo e a escolha do alvo apontavam para um grupo que faz parte do "EI", conhecido como "Adiyaman ones", em referência à Província de Adiyaman, no sudeste da Turquia.
Se o "EI" de fato for responsável, terá atingido dois objetivos de uma vez: prejudicar os curdos, que têm forças lutando contra o grupo islâmico na Síria e no Iraque, e também o governo turco, que recentemente concordou em deixar que uma aeronave militar americana usasse uma base militar do país para lançar bombas contra o "EI" em territórios iraquiano e sírio.
A Turquia também fez ataques próprios contra o "EI" e teria aumentado o controle de suas fronteiras com a Síria para dificultar o trânsito de militantes do grupo. O país também já prendeu centenas de simpatizantes do "EI" em seu território.
Até agora, o grupo não assumiu a responsabilidade pelo ataque, mas uma conta, em uma rede social simpática ao "EI", não tardou em celebrar o atentado.
O grupo também não assumiu a autoria de um atentado realizado próximo à fronteira com a Síria em julho, mas autoridades turcas também o responsabilizaram por esse ataque.
O atentado de julho, na cidade de Suruc, matou a mais de 30 ativistas jovens que debatiam a reconstrução da cidade síria-curda de Kobane. Um turco de 20 anos de etnia curda que supostamente teria ligações com o "EI" foi identificado como principal suspeito.
A Turquia tem sido acusada de dar um apoio tácito ao "EI", por considerar que a atuação do grupo é uma forma de conter as ambições curdas na região.
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Curdos do PKK
Ao falar pouco depois das explosões em Ancara, o premiê turco citou o partido curdo PKK como uma das quatro organizações que teriam a capacidade de realizar este ataque.
Alguns parlamentares logo fizeram coro, dizendo que seu autor seria o grupo que mais tivesse a ganhar com as explosões.
No entanto, analistas apontaram que provavelmente o PKK não atacaria uma manifestação que tinha entre seus participantes simpatizantes do partido pró-curdos HDP.
O PKK entrou em combate armado com o governo turco em 1984, mas instaurou um cessar-fogo em 2013, quando seu líder, Abdullah Ocalan, que estava preso, pediu que suas forças se retirassem do país.
O cessar-fogo foi violado com o atentado de Suruc, com o PKK acusando as forças de segurança turcas de não terem conseguido evitá-lo.
Desde então, o grupo tem realizado ataques contra forças turcas, enquanto militares do país vêm destruindo postos do PKK na Turquia e no norte do Iraque.
No sábado, o PKK anunciou um novo cessar-fogo em respeito às vítimas das explosões em Ancara, mas oficiais turcos disseram à agência Reuters que as operações militares contra o grupo continuariam.
Mais de 40 mil pessoas já morreram desde que o PKK deu início a seu levante armado, há mais de 30 anos.
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Organizações "de esquerda"
O premiê turco também citou dois grupos de esquerda como possíveis suspeitos - o grupo radical marxista DHKP-C e o partido comunista MLKP.
Mas, assim como no caso do PKK, analistas questionam se essas organizações atacariam uma manifestação com muitos participantes simpáticos à esquerda.
Apesar não terem em seus históricos atentados de larga escala, ambos já realizaram ataques no passado, com o DHKP-C alvejando missões diplomáticas americanas.
Em agosto, o DHKP-C disse que seus membros estavam por trás do ataque contra o consultado dos Estados Unidos em Istambul. O grupo já havia assumido a autoria de um ataque suicida à embaixada americana em Ancara em 2013.
Seus membros também teriam sido detidos durante uma batida policial que mirava simpatizantes do "EI" na Turquia.
O MLKP é uma organização menor que tem enviado voluntários para lutar ao lado das forças curdas na Síria. O grupo assumiu a responsabilidade pela explosão de uma bomba em um ônibus que matou três pessoas em Istambul em 2014.
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O "Estado profundo"
Demirtas, líder do HDP, acusou o governo de não investigar totalmente o atentado de Suruc e um outro ataque em uma manifestação realizada pelo partido em junho.
Segundo jornalistas da BBC na Turquia, há uma grande polêmica em curso devido ao fato de que nenhum policial parece ter se ferido neste ataque mais recente - e das acusações feitas pelo HDP, de que policiais teriam atacado pessoas que carregavam feridos.
Há suspeitas de que organizações estatais nacionalistas ocultas, chamadas de "Estado profundo", teriam envolvimento no atentado de Ancara. Essas alegações ganharam força por conta da proximidade das eleições parlamentares, previstas para novembro.
Esses grupos ultranacionalistas que integram o governo e as forças de segurança turcas já foram acusadas de planejarem ataques, mas pensava-se que o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, tivesse limitado sua influência com uma série de julgamentos enquanto era primeiro-ministro.
Erdogan espera agora que o partido AKP, fundado por ele, conquiste de volta a maioria parlamentar que tinha desde 2002 e que foi perdida nas eleições de junho.
Seus oponentes o acusam de buscar a polarização da sociedade turca ao incentivar conflitos com o PKK e, assim, criar um atmosfera de caos para que eleitores apoiem a plataforma de seu partido, baseada em medidas de segurança. Uma maioria do AKP também permitiria que Erdogan conquistasse mais poderes.
O atentado de Ancara também despertou acusações de que os serviços de segurança e inteligência do país fracassaram.
O líder do partido nacionalista MHP, Devlet Bahceli, disse que a Turquia está pagando o preço por sua "abordagem calorosa e simpática ao terror e uma abordagem tendenciosa e não-nacionalista em sua política externa".