A invasão da Rússia à Ucrânia tem atraído atenção de brasileiros que dizem querer participar do conflito lutando ao lado das forças de segurança ucranianas.
Na internet, eles buscam informações em grupos no Facebook e recebem orientações sobre como se alistar usando grupos de WhatsApp e Telegram.
A BBC News Brasil localizou pelo menos um brasileiro que diz atuar no combate aos russos e que afirma ter sido acionado por outros brasileiros querendo participar dos embates.
Procurada, a Embaixada da Ucrânia em Brasília confirmou que vem sendo contatada por cidadãos do Brasil querendo lutar ao lado dos ucranianos.
A invasão russa à Ucrânia começou na quinta-feira (24/02), logo depois que o presidente Vladimir Putin reconheceu a independência de duas regiões separatistas na região leste da Ucrânia. Desde então, as principais cidades do país têm sido alvo de ataques.
Analistas e organizações internacionais avaliam que a situação na Ucrânia é grave. Do lado russo, há uso de mísseis, bombardeios, e artilharia pesada. Os ucranianos, por sua vez, se defendem usando lançadores de mísseis, baterias antiaéreas e ataques com drones.
De acordo com o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), pelo menos 660 mil pessoas já fugiram do país.
Um relatório divulgado na terça-feira (1/03) pela Organização das Nações Unidas (ONU) indica que pelo menos 136 civis foram mortos desde o início da invasão. Desse total, 13 eram crianças. Outros 400 civis ficaram feridos.
O presidente Volodymyr Zelensky disse nesta quarta-feira (2/02) que aproximadamente 6.000 soldados russos foram mortos durante os combates. O número não pôde ser verificado de forma independente. O governo russo, por sua vez, não citou números.
O jornal The New York Times estimou, com base em informações repassadas por congressistas americanos, que o número de soldados mortos nos primeiros cinco dias de conflito é de aproximadamente 3.000, sendo 1.500 para cada lado.
Para efeito de comparação, ainda segundo o jornal, o número de soldados americanos mortos no Afeganistão em 20 anos foi de aproximadamente 2.500. Já do lado afegão, a estimativa é de que cerca de 50 mil civis foram mortos, enquanto outras "dezenas de milhares" morreram entre militares e insurgentes.
Interesse nas redes
Apesar de todos os riscos, grupos no Facebook e no Telegram acompanhados pela BBC News Brasil nas últimas duas semanas mostram que a procura de brasileiros por informações sobre como participar do conflito existia dias antes da invasão russa.
A procura se intensificou após os primeiros ataques e depois que o presidente ucraniano, Volodymir Zelensky anunciou, no domingo (27/02), a criação da Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia, uma unidade militar formada por estrangeiros que queiram combater os russos no país.
Pelo Twitter, o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba, convidou estrangeiros que queiram lutar contra o exército russo.
"Estrangeiros dispostos a defender a Ucrânia e a ordem mundial como parte da Legião Internacional de Defesa Territorial da Ucrânia, eu convido vocês a contatar as missões diplomáticas da Ucrânia em seus respectivos países", disse Kuleba.
É esse o caminho que alguns brasileiros adotaram nos últimos dias para buscar informações sobre como participar dos combates.
Procurada pela BBC News, a Embaixada da Ucrânia em Brasília confirmou que tem sido procurada por brasileiros sobre o assunto, mas disse que o procedimento tem sido feito diretamente na Ucrânia.
O assunto tem sido tratado pelo adido militar da representação no país. A embaixada disse não ter conhecimento sobre se brasileiros já conseguiram se alistar a essa legião internacional.
Não há expectativa de que a embaixada possa organizar o transporte de brasileiros que querem lutar na Ucrânia.
Fora dos canais oficiais, o caminho usado por brasileiros que buscam informações sobre como participar do conflito é quase sempre o mesmo.
Eles demonstram interesse em grupos no Facebook e logo são orientados por outros usuários a entrarem em grupos de WhatsApp ou Telegram, onde passam a receber informações mais detalhadas sobre o assunto.
A maioria dos que buscam informações sobre como lutar contra os russos é composta por homens aparentemente jovens e de estados distintos como o Maranhão, São Paulo e Paraná.
É no Paraná que se concentra a maior parte dos descendentes de ucranianos no Brasil, uma comunidade estimada em aproximadamente 500 mil pessoas.
Nesses grupos, os brasileiros são informados de que, atualmente, a única forma de chegar à Ucrânia é por via terrestre, partindo de alguns dos países que fazem fronteira com o país, no Leste Europeu.
Para quem está no Brasil, participar dessa luta implicaria em viajar à Europa, um trajeto que pode custar, apenas com bilhetes de avião, mais de R$ 7 mil.
Eles também ficam sabendo da extensa lista de documentos e certificados como comprovantes de idoneidade que eram exigidos pelo Exército ucraniano para que estrangeiros fossem aceitos.
'Sede de aventura'
Foi em um grupo de brasileiros na Ucrânia no Facebook que um homem de 29 anos de idade do interior do Maranhão passou a procurar formas sobre como participar da luta contra os russos.
Bruno (nome fictício usado a pedido dele) diz que acompanha a situação da Ucrânia com atenção há alguns meses.
Nas últimas semanas, começou a buscar informações sobre como poderia se alistar.
Ele diz acreditar que seu treinamento com armas pode ser útil na Ucrânia, embora reconheça que a situação no país europeu requer mais condicionamento.
Segundo ele, os principais motivos que o levam a querer ir para a Ucrânia são a paixão que ele tem por assuntos militares e o que ele classificou como "sede de aventura".
"Eu sempre gostei do meio militar. No Brasil, infelizmente, eu não consegui servir ao Exército, mas agora, pretendo me alistar no exército da Ucrânia. É uma sede de aventura. Quero viver esse momento ao lado dos ucranianos", disse.
Bruno diz que, nos grupos de WhatsApp e Telegram, entrou em contato com ucranianos que repassam informações sobre a situação do conflito e como entrar no país. A comunicação é feita, quase sempre, por meio de tradutores eletrônicos de idiomas.
Segundo ele, o único empecilho para a sua ida, neste momento, é o preço das passagens para a Polônia, país que faz fronteira com a Ucrânia e que tem sido o principal ponto logístico para a organização da legião autorizada por Zelensky.
"Não dá pra chegar de avião na Ucrânia. Tem que ir até a Polônia e depois atravessar a fronteira. A única coisa que me parou até o momento é o preço das passagens. Mas assim que eu tiver, eu vou", afirmou.
Bruno diz que não tem medo de morrer.
"Todo mundo vai morrer um dia. Eu não tenho medo de morrer lá, no confronto. Tenho só medo de quem vai ficar pra trás, a minha família", afirmou.
Grupo à espera de entrar
Foi em um grupo de WhatsApp semelhante ao usado por Bruno que Alexey (nome fictício) passou a estar em contato com brasileiros em busca de ajuda para ingressar na Ucrânia e participar dos confrontos.
Ele diz ser ucraniano e trabalhar com marketing. Ela afirma que, como fala diversos idiomas, inclusive português, tem ajudado estrangeiros de diferentes países que buscam entrar na Ucrânia por terra, uma vez que, desde a invasão, o espaço aéreo do país está fechado.
Por temer represálias russas, Alexey pediu que sua localização exata não fosse revelada. Ele diz se encontrar em uma cidade a pouco mais de 20 quilômetros na fronteira entre a Ucrânia e a Polônia.
Segundo ele, sua ajuda consiste em traduzir informações do ucraniano ou russo para os outros idiomas e auxiliar estrangeiros que querem aderir à luta contra os russos.
Alexey conta que, nos últimos dias, tomou conhecimento de um grupo de pelo menos 14 pessoas entre brasileiros e portugueses, alguns deles na Polônia aguardando melhores condições de segurança para ingressar no território ucraniano.
"Tenho conhecimento de um grupo de pessoas, aproximadamente 14, que demonstraram esse interesse [...] tem algumas pessoas que chegaram na Europa por Portugal e pela Polônia e estão dependendo de uma posição do governo sobre nossa legião de estrangeiros", afirmou.
'Isso aqui não é videogame'
Alex Silva, 47, vive na Ucrânia desde 2015 e atua como instrutor de tiro e treinamentos na área de segurança.
Por telefone, ele disse à BBC News Brasil que está nos arredores de Kiev lutando ao lado de voluntários ucranianos contra a invasão russa.
Ele pediu para não revelar sua localização exata para não comprometer a segurança de sua unidade.
Em 2020, ele se envolveu em um episódio controverso em São Paulo durante manifestações contra as medidas de isolamento social.
Ele levou ao protesto uma bandeira histórica da Ucrânia que, nos últimos anos, passou a ser associada a movimentos de extrema-direita.
Silva afirma não ser militante de grupos extremistas. Na ocasião, a Embaixada da Ucrânia no Brasil negou que a bandeira pertencesse a grupos radicais.
Ele mantém um canal no Telegram com mais de 18 mil inscritos. Nele, o instrutor faz críticas a políticos, incluindo o presidente Jair Bolsonaro, à obrigatoriedade da vacinação contra a covid-19 e ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Nos últimos dias, o repertório do grupo mudou à medida em que a invasão russa avançou.
Na segunda-feira (28/02), seu canal passou a ser procurado por pessoas querendo lutar contra os russos. Isso aconteceu depois que um vídeo gravado por ele circulou em grupos no Facebook.
No vídeo, Silva aparece empunhando um fuzil, mascarado, oferecendo ajuda a brasileiros que queiram deixar a Ucrânia. Segundo ele, sua unidade teria condições de ajudar na evacuação de quem queira deixar a área próxima a Kiev.
"Eu não escolhi participar dessa guerra. Eu vivia com minha família, aqui, tranquilamente. Eu, minha mulher e meus cachorros. Mas com essa invasão, não tem como ficar quieto assistindo tudo. Por isso me juntei aos voluntários", disse Silva à BBC News Brasil.
Ele afirma que tem sido procurado por brasileiros querendo saber como participar dos combates.
"Eu recebi, sim, várias mensagens de gente querendo vir pra cá. Mas eu não estou aliciando ninguém. Tem gente empolgada, que claramente não aguentaria cinco minutos na linha de frente. Mas também tem muitos ex-militares que já têm experiência com armas e treinamento e que querem ajudar", explicou.
Aparentando cansaço, Silva alertou os interessados em participar dos combates que a situação é grave e as condições são perigosas.
"Isso aqui não é videogame, não. A gente nunca sabe quando vai cair um míssil e matar todo mundo. Quem quiser ajudar, não precisa fazer isso só vindo aqui. As pessoas podem fazer doações de roupas, alimentos, dinheiro", explicou.
O perfil de brasileiros que dizem querer lutar contra os russos, descrito por Silva, é semelhante ao visto por Jonas (nome fictício).
Ele mantém um perfil no Facebook e, há algumas semanas, fornece informações a brasileiros que querem combater ao lado dos ucranianos.
Jonas diz morar na Bélgica há quase 10 anos, mas afirma ter carinho pelo povo ucraniano. Por isso, ele redireciona usuários em busca de informações sobre o combate para outros perfis ou grupos que tratam especificamente do assunto.
"Nos últimos meses, a procura aumentou. Tem gente de todo perfil. A maioria é homem que tem afinidade com assuntos militares. Alguns estão em busca de uma aventura, outros estão buscando dinheiro ou a possibilidade de continuar na Europa após tudo isso acabar", disse.
Esta, no entanto, não é a primeira vez que as batalhas entre ucranianos e forças pró-Rússia atraem brasileiros. Em 2018, Rafael Marques Lusvarghi foi preso na capital Kiev sob a acusação de terrorismo.
Entre 2014 e 2015, ele lutou ao lado de separatistas pró-Rússia. Lusvarghi deu várias entrevistas defendendo os separatistas na época.
Em 2019, ele foi liberado pelas autoridades ucranianas durante uma troca de prisioneiros com forças separatistas. À época, ele teria decidido permanecer na Rússia, para onde ele foi enviado.
De volta ao Brasil, Lusvarghi foi preso por suspeita de tráfico de drogas em Presidente Prudente, no interior de São Paulo.
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