"De repente, em questão de segundos, tornei-me uma pena no ar", diz Suheil Saba, sobrevivente de um ataque aéreo israelense à Igreja de São Porfírio, na Cidade de Gaza.
"Fui jogado de um lugar para outro. O concreto caía no chão, as pessoas tropeçavam em mim e eu podia ouvir os gritos de crianças e mulheres."
Saba é o secretário do Conselho da Igreja Ortodoxa Árabe.
Ele sofreu ferimentos na cabeça, nas costas e nas pernas depois que "um míssil caiu diretamente sobre o prédio da sede do conselho, matando instantaneamente nove membros de uma única família", conta à BBC.
"O bombardeio foi intenso, como um terremoto."
O restante da Igreja de São Porfírio ainda está intacto e funcionando, mas Saba decidiu buscar abrigo nas proximidades, na Igreja Católica da Sagrada Família.
Ele está entre as centenas de membros da comunidade cristã que estão abrigados nas duas únicas igrejas cristãs da Faixa de Gaza.
Os moradores do norte de Gaza abandonaram as suas casas em resposta aos avisos de evacuação das forças militares de Israel.
Eles foram aconselhados a se deslocarem ao sul do território, mas a área também tem sido alvo de ataques aéreos de Israel.
Ataque aéreo
Em 19 de outubro, um míssil atingiu um prédio dentro do complexo da Igreja de São Porfírio. Segundo membros da igreja e testemunhas oculares, 17 pessoas morreram e dezenas ficaram feridas, incluindo crianças.
Israel negou ter como alvo a igreja. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores de Israel, Lior Hayat, disse à BBC que houve "danos colaterais" depois que suas forças lançaram um ataque à infraestrutura do grupo palestino Hamas nas proximidades.
"Tudo aconteceu tão rápido", diz Mona, que prefere não revelar seu nome verdadeiro.
"Foi um ataque com míssil sem aviso prévio. Em seguida, uma poeira espessa se espalhou. Ninguém conseguiu ver nada."
O vídeo obtido pela BBC mostra moradores e agentes da Defesa Civil rastejando sobre os escombros e arrastando os destroços com as próprias mãos, quase na escuridão, em busca de pessoas presas.
Imagens do que parecia ser uma sessão de fotos de um bebê recém-nascido dormindo calmamente foram encontradas em meio aos escombros, mas a BBC não conseguiu verificar se ele estava entre os sobreviventes.
Pais também vêm correndo para batizar seus filhos por medo do que pode acontecer com eles.
Munther Isaac, um cristão palestino que vive na Cisjordânia, disse à BBC que "os cristãos na Faixa de Gaza estão se preparando para os piores cenários".
Cristãos abrigados em igrejas
Cerca de 900 cristãos estão abrigados na Igreja de São Porfírio, afiliada à comunidade ortodoxa grega, e na Igreja Católica da Sagrada Família.
Apenas 1.100 pessoas pertencem aos grupos ortodoxos gregos e católicos de Gaza, representando menos de 0,05% da população do território. A maioria é de ortodoxos gregos, espalhados por Gaza.
Segundo um membro da Igreja Ortodoxa Grega, que preferiu permanecer anônimo, alguns desses cristãos chegaram a Gaza depois da "Nakba" de 1948 - a palavra árabe para "Catástrofe", como é conhecido o êxodo forçado de mais de 700 mil palestinos durante a guerra árabe-israelense.
Outros são descendentes dos primeiros habitantes da região, que "vivem nesta terra desde 402 d.C., depois de se converterem do paganismo ao cristianismo", acrescenta.
Elias Jarada, membro do Conselho da Igreja Árabe Ortodoxa, destaca que as raízes dos cristãos de Gaza remontam a antes de 400 d.C., sendo a maior parte dos atuais moradores descendentes da população antiga.
Bloqueio
Desde 2007, Israel e o Egito impõem um bloqueio a Gaza, controlando o que entra e sai.
Por causa disso, moradores de Gaza só estão autorizados a sair com permissões oficiais solicitadas antecipadamente.
Reem Jarada, mãe de três filhos que mora na cidade de Gaza com a família, viu a irmã pela última vez, que mora na Cisjordânia, há cinco anos. Ela mudou-se para lá há mais de 25 anos.
Tanto Gaza quanto a Cisjordânia (incluindo Jerusalém Oriental) são ocupadas por Israel desde 1967. Os territórios formam a Palestina, que busca reconhecimento internacional como Estado.
No entanto, Reem diz que as autorizações de viagem israelenses são "sempre concedidas a alguns membros da família ou apenas às crianças". Ela acrescenta: "Meu marido nunca recebeu uma".
"As filhas (da minha irmã) são casadas e o filho dela se formou na universidade, mas não podíamos compartilhar sua alegria", diz. "Tentamos nos comunicar pela internet, mas nem sempre está disponível".
'Nossas celebrações são modestas'
"Praticamos todos os nossos rituais religiosos, mas é diferente para os cristãos na Cisjordânia e em Belém. As nossas celebrações são modestas devido à situação em Gaza", disse à BBC um membro da Igreja Ortodoxa Grega que não quis revelar seu nome.
Segundo Elias Jarada, membro do Conselho da Igreja Árabe Ortodoxa, "somos poucos em Gaza. Queremos que os nossos filhos se abram à comunidade cristã e conheçam as suas famílias e levem uma vida normal", diz.
"Os limites (da vida) aqui são muito rígidos", em alusão ao ataque de 19 de outubro que resultou na perda de "quase 2% da comunidade cristã, incluindo uma família que foi dizimada. É terrível".
'Sem opções para a vida; apenas opções para a morte'
Segundo o padre Joseph Assad, vice-presidente do Patriarcado Latino da comunidade católica em Gaza, há aproximadamente 550 refugiados na igreja, incluindo 60 com necessidades especiais e crianças de apenas cinco anos.
"Estamos no prédio da escola do Patriarcado Latino, que não tem quartos, banheiros nem coberturas".
Quando a igreja de São Porfírio foi bombardeada, a situação piorou porque cerca de 100 pessoas que estavam refugiadas ali ficaram desabrigadas, segundo um membro da Igreja Ortodoxa Grega.
Ataque do Hamas em 7 de outubro
Israel afirma que sua ofensiva militar é uma resposta aos ataques do Hamas perpetrados em 7 de outubro, quando homens armados atacaram comunidades do sul de Israel, matando mais de 1.400 pessoas e fazendo 239 reféns.
Na quarta-feira (1/11), o Ministério da Saúde de Gaza, administrado pelo Hamas, informou que 8.796 pessoas, das quais 3.648 crianças, foram mortas como resultado da ofensiva militar israelense.
Elias Jildeh, que está abrigado na paróquia latina, resume como se sente.
"Sentimos raiva e injustiça, e não há proteção, como se estivéssemos em uma selva."
Reem se pergunta o que acontecerá com Gaza.
"Seremos deslocados? Penso nos meus filhos; gostaria que eles pudessem sair daqui e trabalhar no exterior. Nos acostumamos com esta vida, mas por que eles deveriam sofrer conosco?"