Shinzo Abe: o que é a Igreja da Unificação, do reverendo Moon, citada por assassino de ex-premiê do Japão para cometer crime

Considerado seita na década de 1970, grupo religioso, famoso por capacidade de arrecadar fundos e organizar casamentos coletivos, esteve envolvido em diversas polêmicas.

15 jul 2022 - 10h06
(atualizado às 12h57)
Igreja da Unificação é conhecida por organizar casamentos coletivos
Igreja da Unificação é conhecida por organizar casamentos coletivos
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Controvérsia e escândalo assombram há décadas a Igreja da Unificação, um grupo religioso com negócios milionários fundado pelo reverendo Sun Myung Moon que agora está sendo ligado ao assassinato do ex-primeiro-ministro japonês Shinzo Abe, na última sexta-feira (08/07).

Segundo a imprensa japonesa, Tetsuya Yamagami, o assassino confesso de Abe, disse à polícia que agiu movido pelo rancor contra uma organização religiosa que havia pressionado sua mãe a doar grandes quantias de dinheiro, arruinando assim sua família.

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Ele acreditava que Abe havia favorecido esta instituição religiosa no Japão.

Embora a polícia não tenha revelado o nome da organização religiosa, a Federação das Famílias para a Paz Mundial e Unificação (nome usado atualmente pela Igreja da Unificação) confirmou que a mãe de Yamagami era membro da mesma.

Tomihiro Tanaka, responsável pela organização no Japão, confirmou que ela ingressou em 1998, depois saiu e retornou neste ano.

Segundo a imprensa japonesa, a mãe de Yamagami vendeu sua casa e terrenos há mais de duas décadas para fazer uma doação de cerca de US$ 700 mil (R$ 3,8 milhões).

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A Igreja da Unificação afirma que todas as doações são voluntárias.

Embora as razões pelas quais Yamagami considerasse que Abe favorecia a Igreja da Unificação não sejam totalmente claras, sabe-se que o falecido ex-premiê chegou a participar como palestrante pago em um dos muitos eventos organizados por esse grupo religioso.

Tetsuya Yamagami, assassino confesso de Abe, disse que agiu movido pelo rancor contra uma organização religiosa
Foto: Reuters / BBC News Brasil

Além disso, em junho passado, Akihiko Kurokawa, líder do partido NHK do Japão, chamou a Igreja da Unificação de "culto antijaponês" e culpou o avô materno de Abe, o ex-primeiro-ministro Nobusuke Kishi, por ter permitido a chegada dessa organização ao país em 1958.

Mas qual é a origem desta instituição e por que ela causa polêmica?

Da Coreia para o mundo

A Igreja da Unificação foi criada em 1954 na Coreia do Sul por Sun Myung Moon.

É uma variação da teologia cristã baseada na ideia de que, ao pecar, Adão e Eva falharam no plano divino — e que o mundo precisa de um novo messias que seria o próprio Moon.

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Segundo suas crenças, a perda da graça divina se deveu ao fato de Eva ter tido relações sexuais ilícitas com o diabo no plano espiritual, o que levou à posterior queda de Adão, e toda a humanidade acabou replicando a linhagem do demônio.

A Igreja da Unificação considera a família como a pedra fundamental da sociedade e do desenvolvimento espiritual, razão pela qual atribui grande importância ao matrimônio — e, de fato, é conhecida mundialmente por organizar grandes casamentos coletivos.

Da Coreia do Sul, esta instituição passou para o Japão e, no final da década de 1950, começou a se deslocar para o Ocidente, onde por décadas foi tachada como uma "seita".

Conseguiu se estabelecer nos Estados Unidos, onde Moon morou na década de 1970, e desde os anos 1980 está presente em vários países da América Latina, especialmente no Brasil.

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Moon visitou a Argentina várias vezes, onde se encontrou com políticos proeminentes, incluindo o ex-presidente Carlos Menem.

Fé e negócios

A Igreja da Unificação é conhecida por sua capacidade de captar recursos financeiros, tarefa na qual tem sido muito bem-sucedida no Japão, onde, segundo especialistas, originam-se cerca de 70% dos fundos que administra, estimados em centenas de milhões de dólares.

Na verdade, um ex-membro do alto escalão da instituição chegou a dizer ao jornal americano The Washington Post que, entre as décadas de 1970 e 1980, Moon levou cerca de US$ 800 milhões do Japão para os Estados Unidos.

Parte desses recursos seriam provenientes da venda de objetos religiosos com supostos poderes espirituais fabricados por empresas que pertenciam à família Moon, mas sobretudo das chamadas "vendas espirituais".

Por meio deste mecanismo, pediam-se aos fiéis doações financeiras para "ajudar a elevar o espírito" de seus entes queridos falecidos.

O reverendo Moon e a esposa oficializando um casamento coletivo em Seul em 2000
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Segundo pessoas que pertenciam à organização, seus membros no Japão revisam os obituários e depois visitam as casas dos enlutados para dizer a eles que a pessoa falecida entrou em contato com a Igreja e pediu à família que pegasse dinheiro no banco para doar, no intuito de alcançar assim sua elevação espiritual.

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Esse mecanismo de arrecadação de fundos gerou vários processos no Japão, nos quais centenas de pessoas afetadas foram recompensadas nos tribunais.

Elgen Strait, ex-membro desta organização, falou ao jornal britânico The Telegraph sobre a pressão que existe para fazer doações.

"Há uma ideia presente em toda a organização de que sua posição espiritual é diretamente afetada pela quantidade de dinheiro que você dá. Nos Estados Unidos, espera-se que você doe 10% da sua renda bruta a cada mês. No Japão, é 30%. Mas isso é só para começar", declarou.

Moon, que em 1982 foi preso nos EUA por evasão fiscal, também se tornou um homem de negócios que, segundo estimativas, tinha uma fortuna de cerca de US$ 900 milhões quando faleceu em 2012, aos 92 anos.

Na época, ele possuía investimentos em um time de futebol, uma fábrica de automóveis, uma fábrica de armas e no jornal The Washington Times, entre outros negócios.

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No Brasil, Moon era dono de grandes extensões de terra na fronteira com o Paraguai. Pela localização estratégica, o Exército brasileiro chegou a manifestar preocupação em 2002, segundo reportagem publicada na época pela revista Istoé.

Poder que atrai

Durante décadas, Moon e a Igreja da Unificação procuraram se relacionar com políticos e figuras conhecidas, e os convidavam como palestrantes pagos nos vários eventos que organizavam.

Segundo especialistas, isso fazia parte de uma estratégia para obter maior credibilidade, por meio da associação com figuras conhecidas.

Ex-primeiro-ministro japonês Shinzo Abe participou como palestrante em um evento ligado à Igreja da Unificação
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Assim, por exemplo, na mesma conferência de 2021 da qual Abe participou, chamada "Rally of Hope", também estiveram presentes o ex-presidente americano Donald Trump e o ex-premiê canadense Stephen Harper.

Ex-presidentes dos EUA, como Gerald Ford e George H.W. Bush, participaram das conferências dessa organização em meados da década de 1990, assim como o ex-líder soviético Mikhail Gorbachev e o humorista Bill Cosby.

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Como o investigador Larry Zilliox, que passou anos investigando Moon, disse ao jornal americano The Washington Post, essa iniciativa tem um objetivo claro.

"Eles vão pagar a quem der a eles legitimidade. Os grandes nomes atraem os nomes menores, que são as pessoas que podem ajudá-los com suas iniciativas locais", afirmou.

Desde a morte de Moon, sua viúva, Hak Ja Han Moon, está à frente da Igreja da Unificação, enquanto dois de seus filhos estão no comando de organizações menores.

Embora em 2012, a organização tenha dito que contava com cerca de 3 milhões de fiéis em todo o mundo, especialistas acreditam que esse número é superestimado.

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O número real varia entre 50 mil e 600 mil membros, segundo diferentes estimativas.

- Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-62176238

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