Enquanto tenta vender uma imagem de "moderação" para ganhar o aval da comunidade internacional, o Talibã já dá sinais de que vai endurecer a repressão contra opositores.
Ao menos quatro pessoas morreram em Asadabad, no leste do Afeganistão, após extremistas terem disparado contra uma multidão que celebrava a independência do país, comemorada nesta quinta-feira (19), com bandeiras nacionais.
Ainda não se sabe, no entanto, se as mortes foram provocadas pelos tiros ou pelo tumulto criado após os disparos dos talibãs.
Na última quarta (18), milicianos já haviam assassinado três pessoas que protestavam contra a substituição da bandeira afegã pelo estandarte do grupo em uma praça de Jalalabad.
A cidade, que também fica no Afeganistão Oriental, voltou a ser palco de tensões nesta quinta, durante manifestações pela independência nacional. Segundo a Al Jazeera, os talibãs abriram fogo contra pessoas que exibiam a bandeira do país, deixando dois feridos.
Na capital Cabul, o grupo montou bloqueios viários para impedir que afegãos cheguem até o aeroporto, onde estão concentradas as operações de evacuação de estrangeiros e refugiados. Cerca de 4,5 mil soldados americanos controlam o aeroporto, mas todas as estradas que levam ao terminal estão sob comando do Talibã.
Fontes da Otan disseram à emissora britânica Sky News que pelo menos 12 pessoas morreram no aeroporto de Cabul desde o último domingo (15), quando os extremistas tomaram a capital. Entre as vítimas estão indivíduos que se penduraram em aviões e caíram durante a decolagem.
Sequestros de crianças
Uma ONG italiana chamada Cospe, que atuou até 2018 em projetos pelos direitos humanos em todas as províncias do Afeganistão, denunciou que os talibãs estão invadindo casas para sequestrar meninas e dá-las em casamento para combatentes.
O relato foi feito por uma ativista afegã da província de Takhar, no nordeste do Afeganistão, que agora está escondida para não ser capturada pelo Talibã.
"Ela nos contou há alguns dias que, durante o avanço em sua província, os talibãs sequestravam meninas, espancando e até matando familiares que se opusessem. Não houve tempo de salvar as meninas, tudo foi muito rápido. Ela fugiu para a capital esperando poder escapar do país, mas está em grande perigo", disse uma dirigente da ONG italiana, Silvia Ricchieri.
Além disso, milhares de afegãos estão apagando perfis nas redes sociais e tentando cancelar suas identidades digitais para evitar reconhecimentos biométricos. O antigo governo havia feito um grande esforço para digitalizar dados dos habitantes, inclusive com documentos de identidade eletrônicos, mas agora essas informações estão sob poder do Talibã.
"Isso implica em dispor de impressões digitais e escaneamentos da íris e pode incluir até reconhecimento facial", alertou a ONG Human Rights First.
O Talibã retomou o poder no Afeganistão 20 anos depois de ter sido derrubado pela invasão americana e graças à retirada das tropas dos Estados Unidos e da Otan. Conhecido por sua interpretação radical da Sharia, a lei islâmica, o grupo tenta agora se vender como moderado e disposto ao diálogo, com pequenas aberturas em relação às mulheres.
Se no antigo governo talibã elas tinham de sair na rua de burca, vestimenta que cobre todo o corpo, agora elas precisarão usar apenas o hijab, véu que deixa o rosto à mostra. Além disso, o grupo promete respeitar os direitos das mulheres, mas "à luz da lei islâmica".
Essa suposta versão moderada do Talibã é vista com desconfiança pela maior parte da comunidade internacional, mas alguns países, especialmente China e Rússia, já se movimentam para legitimar o grupo. "Os talibãs estão mais sóbrios e racionais", disse a porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Hua Chunying.
"Ainda não está totalmente claro, mas acredito que os talibãs não repetirão a história do passado", acrescentou. Já o presidente dos EUA, Joe Biden, declarou à rede ABC que o próprio grupo deve decidir se quer ser reconhecido pela comunidade internacional.
"Acredito que eles estejam atravessando uma espécie de crise existencial", ressaltou o mandatário, acrescentando que vai usar instrumentos econômicos e diplomáticos para pressionar o Talibã, mas não militares.