'Tenso como um parto': brasileiros contam como foi a passagem do furacão Irma pela Flórida

Fenômeno foi o mais forte na região na última década e causou inundações, matando ao menos quatro pessoas; seis milhões de residências estão sem energia, enquanto, nas ilhas ao sul, autoridades alertam para 'crise humanitária'.

11 set 2017 - 18h09
Tempestade em Weston
Tempestade em Weston
Foto: BBC News Brasil

Ao acordar nesta segunda-feira e se deparar com um dia bonito e ensolarado, a professora brasileira Fernanda Cima, de 37 anos, não parecia estar no mesmo lugar onde apenas algumas horas antes havia vivido momentos de apreensão com sua família, sob a chuva torrencial e os ventos fortes trazidos pela chegada do furacão Irma à Flórida.

Há um ano e meio morando em um condomínio de Weston, nos arredores de Miami, ela preferiu ficar em casa e se preparar para enfrentar o ciclone tropical, em vez de deixar a região, como fizeram muitos de seus vizinhos.

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Não foi uma decisão fácil. Ela e o marido têm três filhos pequenos, mas se convenceram de que sua casa, preparada para enfrentar situações assim, seria um local seguro durante a tempestade. "O domingo foi um dia tenso como um parto. A chuva ia e voltava, como as contrações, até atingir o auge", diz Fernanda.

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"Tentamos manter a tranquilidade e entreter as crianças para que permanecessem calmas."

O momento mais crítico foi no meio da tarde, quando, olhando pela brecha de uma das placas de aço que cobriam as janelas e portas, pensava que a tempestade pioraria ainda mais. "Mas, graças a Deus, melhorou a partir dali. O pior é essa tensão por não saber o que vai acontecer e ter de ficar acompanhando o progresso do furacão", diz.

"Isso deixou as pessoas nos grupos de WhatsApp um pouco apavoradas. Teve momentos em que precisei me desligar um pouco e racionalizar que ainda estava tudo sob controle."

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Árvore caída
Foto: BBC News Brasil

O furacão Irma foi o mais forte registrado na Flórida na última década e atingiu o Estado no domingo como um furacão de categoria 4, depois de causar destruição como um ciclone tropical de categoria 5 no Caribe, onde deixou ao menos 37 mortos.

Ao chegar aos Estados Unidos, continuou a perder força ao subir pela costa oeste do Estado e foi rebaixado para tempestade tropical. Ainda assim, as regiões metropolitanas de Miami e de outras cidades da região tiveram inundações e pelo menos quatro mortos, além de outros prejuízos.

Seis milhões de residências - 62% do Estado - ficaram sem energia, enquanto, nas ilhas de Florida Keys, região mais ao sul, autoridades alertaram para uma "crise humanitária".

Fernanda diz que, a não ser por galhos de árvores caídos e alguns momentos sem luz, sua família não sofreu grandes danos. Mas conta que ladrões se aproveitaram do fato de que os portões de seu condomínio foram mantidos abertos e várias casas estavam vazias para roubar alguns de seus vizinhos.

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"O ser humano pode ser horrível e se aproveitar de uma oportunidade mesmo em uma situação assim", diz.

Ansiedade

A jornalista Patrícia Maldonado, de 42 anos, conta ter passado uma semana sob o dilema de ficar ou partir. O Irma poderia - ou não - passar por Windermere, cidade próxima a Orlando, onde a brasileira mora há dois anos e meio com o marido e as duas filhas.

Casa destruída na Flórida
Foto: BBC News Brasil

"As coisas mudavam o tempo todo. Numa hora, diziam que ia passar aqui. Noutra, diziam que não", conta ela.

"Uns amigos decidiram fugir. Outros optaram permanecer. Não tinha nem como seguir o senso comum coletivo."

Quando os prognósticos pioraram, eles decidiram ficar na região, mas sair de casa e se abrigar em um local mais seguro. Foram para um hotel da rede Disney, que havia decidido aceitar animais de estimação - a família tem duas cadelas.

"Só iríamos aonde elas pudessem ir com a gente. Você convive há anos com um animal e, nessa hora, vai deixá-lo para trás? Não tinha como. E viajar de avião seria complicado, porque não é toda companhia que aceita um cachorro de 50 kg."

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Eles conseguiram uma reserva em um quarto, mas o estabelecimento também abrigou pessoas que não tinham para onde ir - elas dormiram na área da recepção.

Após a tempestade passar, Patrícia falava com a reportagem enquanto fazia o check-out do hotel nesta segunda-feira, ainda sem ter notícias de casa.

"A ansiedade é grande, porque todo mundo da minha rua saiu de casa, então não temos como saber se vai ter luz, se o nosso telhado ainda vai estar lá..."

Condomínio próximo a Miami
Foto: BBC News Brasil

'Tarde demais'

Assim como Fernanda e Patrícia, a executiva Marília Maya, de 52 anos, também demorou a tomar uma decisão. Ela e sua família haviam se preparado no ano passado para a chegada do furacão Matthew, que acabou desviando de última hora.

Desta vez, o casal chegou a acordar na madrugada de sexta-feira para preparar tudo para partir com o filho, além do gato e do cachorro da família. Estavam ainda com uma amiga e seus dois filhos, que haviam buscado abrigo em sua casa em South Miami. Mas, já com tudo pronto, mudaram de ideia no último minuto.

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"Era tarde demais. Íamos ficar parados na estrada. Foi a melhor decisão."

A família garantiu que a casa estava bem protegida e decidiu manter todos reunidos em um dos quartos durante a tempestade, por ser o mais protegido da chuva e do vento.

Antes e depois
Foto: BBC News Brasil

"Tivemos muita sorte, porque o Irma desviou e pegamos só o que eles chamam de 'sujeira' do furacão", conta Marília.

"Mas, de qualquer forma, você fica tenso, com medo de a água não parar de cair e inundar sua casa."

Ela diz que a experiência foi um "susto" e serviu como "aprendizado". "Pela primeira vez nos quatro anos em que vivemos aqui estivemos perto de uma catástrofe em potencial", diz.

"Na próxima, não vou pensar muito. Fecho minha casa e pego o primeiro voo para bem longe."

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'Fomos poupados'

Já a brasileira Daniela Seabra Oliveira começou a se preparar com dias de antecedência para o pior. Ela e o marido Márcio estocaram comida e abasteceram os carros caso precisassem sair às pressas com a filha Brooke, de 8 anos, e o pastor alemão Wagner, o quarto integrante da família.

Daniela Seabra e sua família
Foto: BBC News Brasil

Também deixaram os equipamentos eletrônicos carregados e escolheram cômodos sem janela para dormir enquanto o Irma passasse por Gainesville, localidade do centro-norte da Flórida onde a família mora há quatro anos.

"Tinha receio de os vidros quebrarem e machucarem a gente", conta Daniela, que é professora da Universidade da Flórida.

Ela e o marido chegaram à conclusão que fugir não era uma boa opção. "Se saíssemos, teríamos de enfrentar uma estrada que mais se parecia com um estacionamento. Uma viagem a Atlanta, que demora cinco horas, estava levando 12 horas. Depois do furacão, todo mundo vai querer voltar na mesma hora. Além disso, a gasolina poderia acabar na estrada", diz.

"Estávamos calmos, mas monitorando, pois um furacão como Irma não se via havia vários anos."

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Por sorte, a cidade acabou sendo pouco afetada pela tempestade, que atingiu a região na madrugada de segunda-feira. A professora e sua família ficaram sem acesso à internet, e a energia de algumas áreas da região foi cortada. A previsão é que a vida só volte ao normal no meio desta semana.

Agora, predomina o sentimento era de alívio: "Quando acordamos, o pior já tinha passado. Gainesville foi poupada".

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