WASHINGTON - Nicole Silva é americana e filha de portugueses. Durante a faculdade de medicina, se envolveu em projetos voluntários com imigrantes brasileiros. Quando a crise do coronavírus começou, ela sabia exatamente do que as pessoas precisavam: ajuda em português para identificar a gravidade dos sintomas.
"Aqui nos EUA não tem SUS, os imigrantes sem documentos não têm seguro de saúde. As pessoas têm medo de ir ao hospital, de ligar para o médico sem falar inglês. Estamos aqui para ajudá-las", afirma Nicole.
Com mais quatro estudantes de medicina e enfermagem, ela passa por telefone orientações básicas sobre procedimentos em casos de suspeita de covid-19. Os pacientes são monitorados com ligações diárias.
Se elas identificam que os sintomas estão se agravando, fazem a intermediação com um hospital e pedem a ambulância. O grupo começou os atendimentos telefônicos em 23 de março. Até quinta-feira, já tinham 50 nomes na lista - pelo menos quatro novos pacientes adicionados todos os dias.
A dificuldade de comunicação nos hospitais não é exclusiva dos brasileiros. Um aplicativo criado na época da crise da Síria para ajudar refugiados tem sido usado em Nova York para que pacientes infectados consigam ser tratados. O Tarjimly conecta voluntários dispostos a fazer uma tradução simultânea aos pacientes.
Andrea Eboli, também coordenadora do Grupo Mulheres do Brasil NY, se inscreveu como voluntária no aplicativo, que já tem 20 mil cadastrados ao redor do mundo. "Sabemos que a questão do imigrante não saber a língua local é um problema grande", afirma Andrea.
Na semana passada, seu telefone tocou duas vezes. Na primeira, uma brasileira precisava fazer o cadastro de entrada no hospital, mas não entendia a ficha. Andrea conseguiu ajudar com uma ligação por vídeo.
Na segunda, um paciente que falava espanhol tentava dizer ao médico o que estava sentindo e pediu ajuda por mensagem de texto. "É bem simples, bem rápido. Tenho certeza que ajudei pessoas. É uma revolução para o atendimento do imigrante."
Michelly Carvalho, é de Vila Velha (ES) e mudou-se para os EUA aos 18 anos para trabalhar e fazer faculdade. Formada em ciências biológicas e estudante de enfermagem, ela faz parte do grupo coordenado pela portuguesa Nicole para atender brasileiros. Segundo Michelly, o passo inicial foi passar aos brasileiros as informações locais.
"Muitas pessoas na nossa comunidade não falam inglês e acabavam pegando as informações do Brasil. Queríamos ter a certeza de que todos aqui recebiam todas as informações passadas nos EUA, que são diferentes. Quando o governador dá alguma ordem executiva, por exemplo, traduzimos e postamos no Instagram", afirma.
Renato mora em Newark há três anos. Carpinteiro, ele começou a se sentir mal quando suspeitou estar contaminado pelo coronavírus e procurou o pastor da igreja que frequenta para pedir ajuda. "Eu não falo bem o inglês e acho que nada substitui Deus. Ninguém melhor do que meu pastor para me orientar", disse. Foi o pastor que colocou Renato em contato com o grupo de Nicole, que chamou uma ambulância para levá-lo ao hospital.
Agora, ele espera a fatura do atendimento. "Eu ainda nem olhei a caixinha dos correios. Acho que a conta já está lá. Médico aqui é muito caro. É diferente do Brasil. No Brasil, você fica doente e o SUS te atende. Aqui, se você for para um hospital, pode esperar que conta chega."
Curado da covid-19, Renato acha que pode voltar à oficina de carpintaria nesta semana, apesar de os governos de New Jersey e Nova York não darem sinais de que a quarentena acabe nos próximos dias. Há 25 dias sem trabalhar, ele diz que está sobrevivendo graças a uma reserva financeira, que está prestes a acabar.
Hoje, Renato se apega ao fato de o governo de New Jersey ter incluído no pacote emergencial uma lei que impede o despejo de quem não paga aluguel. "Aqui, a lei funciona", diz o brasileiro, que está há três anos nos EUA.
A fragilidade dos imigrantes ilegais diante do Estado, no entanto, faz com que organizações de apoio temam que, na prática, os que estão no país de forma irregular sofram ameaças de despejo - mesmo ao arrepio da legislação. "Muitas vezes, o locador usa do fato de o imigrante não ter documento para coagi-lo. Ele tem tanto medo de ser denunciado que não se apoia na lei", afirma Alejandra Merklen, do grupo Mulheres do Brasil NY.