A acusação feita por Barack Obama nesta semana sobre Vladimir Putin não é insignificante. O presidente americano acusou o russo de ignorar um tratado histórico feito entre Mikhail Gorbachev e Ronald Reagan em 1987, concordando com a remoção de parte de seu arsenal nuclear.
A tensão entre os Estados Unidos e a Rússia, por conta da crise na Ucrânia e da queda do voo MH17 da Malaysia Airlines, se intensificou com o relatório anual sobre o cumprimento do controle de armas em que a Obama acusa Moscou de violar o tratado de Forças Nucleares Intermediárias (INF, na sigla em inglês).
Considerado o "começo do fim da Guerra Fria," o Tratado INF proibiu possuir, produzir e testar mísseis nucleares de distância intermediária (entre 500 e 5,5 mil km).
"Foi um acordo fundamental na Guerra Fria. Ele, essencialmente, eliminou uma controversa classe de armas nucleares. E, por essa razão, ainda tem repercussão", diz Nick Child, correspondente de assuntos internacionais da BBC.
Na época, o pacto foi um marco especialmente na segurança da Europa, uma vez que tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética possuíam arsenal desse tipo.
A Casa Branca não tornou públicos os detalhes de como consideraram que o tratado foi violado pela Rússia. Obama afirmou em uma carta a Putin, enquanto ministros das Relações Exteriores, John Kerry e Sergei Lavrov tiveram uma conversa telefônica.
Proibições
O Tratado INF entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1988 e previa que até 1991 fossem banidos os mísseis nucleares de distância intermediária dos Estados Unidos e da Rússia.
Tom Collina, da Associação de Controle de Armas, disse à BBC que o acordo "proibiu e eliminou todo lançamento de um míssil de alcance intermediário nos territórios americano e russo".
"Em qualquer lugar do mundo, mas na época eles estavam todos dentro e ao redor da Europa", acrescenta Hill. Collina acredita que o tratado em questão era de vital importância, uma vez que foi primeiro a eliminar as armas nucleares e representou uma mudança nas relações entre os EUA e a União Soviética.
"Foi realmente o começo do fim da Guerra Fria, foi o símbolo da melhoria das relações entre os dois países e uma mudança dramática na União Soviética, com a chegada de Mikhail Gorbachev ao poder", acrescenta Collina. Era a primeira vez em que os Estados Unidos e a União Soviética "se propuseram a reduzir e eliminar seus arsenais nucleares", disse o especialista.
"Foi um precedente muito importante para os pactos que foram feitos mais tarde sobre a redução e a eliminação das armas nucleares com rigoroso controle."
Rússia
Apesar da diplomacia dos Estados Unidos ter se manifestado oficialmente apenas na terça-feira, divulgando a queixa, em determinados círculos o assunto já era comentado há meses.
Em abril, em depoimento perante o Congresso, Anita Friedt, secretária-assistente de Política Nuclear e Estratégica, havia tratado da preocupação do Departamento de Estado sobre o assunto do Tratado INF.
"Nós comunicamos a Rússia e estamos pressionando para obter respostas claras, para resolver as nossas preocupações devido à importância do Tratado INF na segurança euro-atlântica", disse Friedt na ocasião.
Em janeiro, o jornal americano The New York Times relatou contatos de Washington com seus aliados da Otan para informar evidências de que um míssil russo levantou dúvidas sobre o cumprimento do tratado.
A Rússia tem falado pouco sobre o assunto. Para o correspondente da BBC Nick Childs, Moscou terá várias soluções possíveis. "Argumentar que os americanos estão simplesmente enganados e que seus mísseis estão abaixo da faixa de alcance proibida é uma delas", diz Childs.
"Outra possibilidade é argumentar que o tratado se tornou obsoleto, que outros países estão desenvolvendo mísseis semelhantes e que, afinal, os Estados Unidos abandonaram o tratado de mísseis balísticos quando foi conveniente."
Mas, acima de tudo, está uma das razões pelas quais a Rússia há muito tempo considera que o Tratado INF é injusto: enquanto os Estados Unidos não sofre nenhuma ameaça desses mísseis, a Rússia sofre, especialmente na China.