"Hoje começamos a primeira fase de testes da vacina contra o coronavírus", anunciou o presidente americano, Donald Trump, na tarde desta segunda-feira (16/03), para uma plateia esvaziada de jornalistas, que acompanhavam a coletiva de imprensa na Casa Branca.
Após passar semanas dizendo que o vírus era "propaganda política" dos adversários democratas, Trump mudou de postura e, desde a semana passada, tem feito pronunciamentos e postagens no Twitter para propagandear as ações de seu governo no combate ao vírus no país. Trump concorrerá à reeleição em novembro.
Uma de suas apostas é o desenvolvimento de uma vacina contra o covid-19.
Trump deixou isso claro há duas semanas, quando, em um encontro com companhias farmacêuticas e autoridades de saúde no salão oval da Casa Branca, foi informado de que a média de tempo para a produção de uma imunização é de 2 a 5 anos — e que, no caso do coronavírus, os cientistas pretendiam ter uma resposta em tempo recorde, que seria um ano e meio.
"Você está dizendo que nos próximos meses poderíamos ter uma vacina?", o presidente perguntou no encontro.
Alex Azar, secretário de Saúde, o corrigiu: "Em alguns meses teremos uma vacina pronta para ser testada". Ao que Trump emendou: "Então, teremos algo dentro de um ano?"
No comando do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas há seis governos diferentes, Anthony Fauci foi categórico.
"Uma vacina não pode ser implantada sem testes, o que leva pelo menos um ano. O processo leva de um ano a um ano e meio, não importa a rapidez com que você queira ir."
Ainda assim, Trump disse, um pouco mais tarde: "Pra ser sincero, gosto mais de ouvir (o prazo de) alguns meses".
Tecnologia de vacinas com Sars e Mers
Embora possa causar algum entusiasmo, o anúncio feito por Trump sobre o início dos testes com vacinas em humanos nesta segunda-feira não reduziu o prazo dado por Fauci para a chegada da vacina ao mercado.
Após 65 dias de desenvolvimento, o Instituto de Pesquisa em Saúde Kaiser Permanente Washington, em Seattle (EUA), aplicou a primeira dose do candidato a imunizante para covid-19 em 45 adultos saudáveis e voluntários, com idade entre 18 e 55 anos.
"Toda essa rapidez para inocular essa imunização nas pessoas só foi possível porque o laboratório aproveitou a tecnologia do estudos de vacina contra Sars e Mers, duas doenças também causadas por coronavírus, parecidas com o patógeno atual", afirmou à BBC News Brasil William Schaffner, professor de medicina preventiva e doenças infecciosas na Universidade de Medicina Vanderbilt.
Mas essa é apenas a primeira fase da pesquisa: essas 45 pessoas serão acompanhadas por pelo menos um ano — para verificar se não têm efeitos colaterais graves e se não contraem o próprio coronavírus, o que mostraria que a imunização foi ineficaz.
Só depois disso, e se todos os resultados forem positivos, a vacina poderá chegar ao mercado. Ou seja, não antes de um ano ou um ano e meio. Se, conforme afirmou Trump ainda nesta segunda-feira, a expectativa é que nos Estados Unidos a epidemia seja superada em agosto, a vacina não será, uma resposta à crise global de saúde — que já adoeceu 190 mil pessoas.
"O presidente gosta de andar sempre 'do lado ensolarado da rua', é um otimista, mas a verdade é que não sabemos se mesmo dentro de um ano e meio teremos uma vacina eficaz. Vacina não vai nos ajudar hoje, amanhã ou daqui três meses. Ela será útil nos próximos invernos, mas certamente não para combater a situação de pandemia atual", afirmou Schaffner.
Doses apenas para os americanos
Da reunião no salão Oval da Casa Branca com a indústria farmacêtica, há duas semanas, saiu um novo escândalo político para Trump.
Autoridades alemãs acusaram o presidente americano de oferecer altas quantias em dinheiro — que chegariam a US$ 1 bilhão de dólares, segundo relatos de agência Reuters e do jornal The New York Times —para que a empresa alemã Curevac, que participou do encontro, transferisse sua sede para os EUA e aceitasse desenvolver a vacina contra coronavírus exclusivamente para americanos.
A pandemia tem causado o derretimento de mercados de ação e popularidade de políticos ao redor do mundo.
A CureVac pretende colocar sua versão da vacina em testes em humanos em junho. Na manhã desta terça-feira, executivos da empresa negaram que Trump ou a Casa Branca tenha feito qualquer oferta em relação às pesquisas de imunização da empresa e qualificaram o assunto como "boato".
"Nós fomos convidados e ficamos muito honrados de nos sentar com outros grupos farmacêuticos na Casa Branca. Estamos lutando contra uma crise global e é um privilégio fazer parte disso. Mas não podemos confirmar e rejeitamos qualquer afirmação de que o presidente Trump ou qualquer pessoa da Casa Branca tenham oferecido qualquer coisa desse tipo", afirmou Franz-Werner Haas, vice-presidente executivo da empresa.
O então CEO da empresa, Daniel Menichella, que se sentou com Trump, deixou a direção da empresa assim que o caso veio à tona, sem se justificar. A empresa afirma que ele está com problemas de saúde e que sua saída não tem relação com o assunto.
A Casa Branca nega qualquer oferta à empresa alemã.
Coronavírus e seu dano político
Para Trump, o coronavírus é o maior desafio de administração de crise em quase quatro anos de governo. Embora, de 0 a 10, Trump qualifique suas próprias ações no caso como 10, é consenso entre os especialistas que os EUA falharam no combate à epidemia até a semana passada.
"Todo mundo concorda que os nossos números de caso estão subestimados e, para alguns, o governo começou a tomar medidas apenas duas semanas antes que chegássemos ao grau de severidade da epidemia da Itália. Ao menos agora, começamos a testar as pessoas", afirma Schaffer, da Vanderbilt.
O número de casos confirmados da doença nos EUA passou de 4,5 mil e há ao menos 86 mortes relacionadas ao vírus. Há 10 dias, eram apenas 200 casos. Essa semana, quase 1,5 milhão de testes chegaram ao serviço de saúde. Ainda na semana passada, Trump decretou emergência nacional por conta da epidemia.
A recomendação do governo federal é de evitar aglomerações de mais de 10 pessoas em um mesmo espaço, o que já levou ao cancelamento da votação de primárias em Ohio e pode postergar o processo eleitoral em outros Estados.
"Estamos preparados e vamos fazer tudo o que for necessário", afirmou Trump na segunda.
Os republicanos estão preocupados com a eleição de novembro diante da situação.
"Há muita gente apostando que o coronavírus vai causar danos eleitorais a ele (Trump). É certo que essa epidemia não vai ajudá-lo politicamente. Mas sua gestão até agora foi decente e nas pesquisas até agora a intenção de votos dele não caiu", afirmou à BBC News Brasil Michael Johns, analista político e um dos responsáveis por escrever os discursos do ex-presidente George H. W. Bush.
"O presidente sabe que o desenvolvimento de vacinas consome tempo e não é possível acelerar. Ele sabe que a vacina não é uma resposta para a epidemia agora, mas comenta o assunto justamente para mostrar para as pessoas que todas as opções estão na mesa e ele está fazendo tudo o que pode para resolver a sitação", completa Johns.
Para o republicano, é certo que não há o que Trump possa fazer para acelerar os procedimentos de desenvolvimento e aprovação de vacinas.
Alguns dos conselheiros de campanha de Trump, no entanto, discordam e tentam emplacar a narrativa de que, ao mencionar a vacina a todo momento, Trump está acelerando os processos para seu desenvolvimento.
"Se o presidente Trump seguisse o 'manual clássico', não veríamos uma vacina contra o coronavírus por anos. Em vez disso, ele está pressionando agressivamente os Centros de Controle de Doenças, nossos principais pesquisadores e até empresas privadas de medicamentos para fazer isso imediatamente ", disse Jason Miller, consultor sênior de comunicações da campanha de Trump em 2016 ao site Politico.
"E se, com suas hipérboles, o presidente Trump energizar as pessoas na busca de uma cura, haverá zero queixas", completou.