O presidente americano Donald Trump e o primeiro-ministro britânico Boris Johnson têm muito em comum — estilos de cabelo peculiares, personalidades extravagantes e o hábito de criar polêmica.
E agora eles compartilham a experiência indesejada de serem líderes mundiais que já foram internados no hospital por estarem contaminados com covid-19.
O presidente dos EUA está atualmente sendo tratado para a doença, seis meses depois do primeiro-ministro do Reino Unido ter sido vítima do mesmo vírus.
Mas como se comparam suas experiências — e o que, se houver algo, os EUA podem aprender com a experiência do Reino Unido?
Diagnósticos
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi diagnosticado com covid-19 na semana passada, a poucas semanas da eleição presidencial no país.
O diagnóstico veio logo depois de um acalorado debate eleitoral onde chamaram a atenção a a atitude do presidente de interromper seu adversário sem parar e o fato de ele não ter ido ao local usando máscaras, o que era uma exigência do evento.
Nas eleições, Trump enfrentará o democrata Joe Biden. O próprio Biden e sua esposa Jill testaram negativo na sexta-feira.
"Espero que isso sirva como um lembrete", Biden tuitou após a notícia do diagnóstico de Trump. "Use uma máscara, mantenha distância social e lave as mãos."
O presidente anunciou nesta segunda que deve deixar, no fim do dia, o hospital militar Walter Reed, para onde foi levado na sexta.
I will be leaving the great Walter Reed Medical Center today at 6:30 P.M. Feeling really good! Don't be afraid of Covid. Don't let it dominate your life. We have developed, under the Trump Administration, some really great drugs & knowledge. I feel better than I did 20 years ago!
— Donald J. Trump (@realDonaldTrump) October 5, 2020
Aos 74 anos e tecnicamente obeso, o presidente é considerado grupo de risco para a doença.
Já o primeiro-ministro do Reino Unido teve a doença bem antes: ele anunciou que foi diagnosticado com covid-19 em 27 de março.
Não foi algo tão surpreendente na época, já que o vírus havia espalhado pelos altos escalões do governo do Reino Unido, infectando ministros e outros figurões.
Em um vídeo no Twitter, Johnson disse que experimentou "sintomas leves", mas insistiu que — "graças à magia da tecnologia moderna" — ainda liderava a resposta do governo, apesar do auto-isolamento.
Uma semana depois, ele anunciou que uma febre persistente significava que ele teria que continuar a se isolar. Dois dias depois Johnson foi internado no hospital — embora o governo tenha enfatizado que foi "uma medida de precaução".
Vinte e quatro horas depois, chegou a notícia chocante de que seu estado havia "piorado" e que o primeiro-ministro havia sido transferido para a unidade de terapia intensiva. Ele saiu do hospital em abril.
Paralelos
Existem diversos paralelos entre a experiência de Johnson e Trump. Assim como o premiÊ britânico, Trump fez questão de enfatizar que ainda está trabalhando, postando fotos suas em uma mesa com documentos.
Ambas as idas ao hospital foram descritas como preventivas — a equipe de Trump disse que foi motivada por uma "abundância de cautela".
E ambos os líderes — sendo do sexo masculino, com mais de 50 anos e com sobrepeso — estão em uma categoria de risco.
No entanto, também existem diferenças. Atualizações sobre a condição de Johnson vieram exclusivamente do porta-voz do governo, e não do hospital ou de seu médico. Já nos Estados Unidos os médicos do presidente deram entrevistas coletivas.
De certa forma, isso causou confusão — principalmente quando o relato do médico Sean Conley entrou em conflito com as instruções da equipe da Casa Branca.
Mas, ao contrário do Reino Unido, os jornalistas americanos puderam questionar a equipe médica. E, como resultado disso, os americanos tiveram uma visão mais ampla do estado de saúde de seu líder.
Isso mostra uma diferença maior entre os dois países. Nos Estados Unidos, toda uma unidade médica com sede na Casa Branca é dedicada aos cuidados do presidente; e os candidatos à presidência agora devem divulgar registros médicos.
Não existe tal configuração no Reino Unido, e se você pesquisar na internet os registros médicos de Jeremy Corbyn (o ex-líder da oposição), por exemplo, terá mais chances de conseguir histórias sobre o NHS (serviço público de saúde do país) do que qualquer informação pessoal.
Popularidade e empatia
Assim que o primeiro-ministro foi admitido na terapia intensiva, seu ministro das Relações Exteriores, Dominic Raab, foi convidado a substituí-lo "quando necessário".
Nos Estados Unidos, a 25ª Emenda da Constituição estabelece as condições para um vice-presidente assumir o poder de seu chefe, mas no Reino Unido, com sua constituição não escrita e entusiasmo por precedentes sobre regras codificadas, não há poder formal que permita tal transferência de responsabilidade.
O país sabia pouco sobre a extensão exata da autoridade de Raab — e o líder da oposição, Sir Keir Starmer, sugeriu que Raab estava "relutante" em tomar decisões, deixando o governo em uma espécie de limbo enquanto o primeiro-ministro se recuperava.
"A falta de um plano para quem pode assumir quando o primeiro-ministro está incapacitado parece absurda para muitos no Reino Unido e no exterior", afirmou na época Catherine Haddon, especialista em direito constitucional britânica.
Johnson saiu do hospital em 12 de abril e voltou ao trabalho após um intervalo de duas semanas.
Ainda assim, seis meses depois, tem havido alguma especulação sobre se o primeiro-ministro está totalmente recuperado. No entanto, quando questionado se ainda está sofrendo com sequelas da doença, Johnson insistiu que estava "tão forte quanto vários rottweilers".
Sua passagem pelo hospital provocou pelo menos uma mudança em seu comportamento. Primeiro-ministro afirmou que estava "muito gordo" quando pegou o vírus e contratou um personal trainer para colocá-lo em forma.
Quando políticos se veem em situações de doença ou acidentes, é comum que sua popularidade melhore por um efeito empatia que a condição de fragilidade indesejada provoca no público e nos eleitores.
Desde sua internação no hospital, tem havido especulação sobre como as avaliações de Trump serão afetadas — principalmente com a eleição presidencial daqui a um mês.
Os analistas políticos ouvidos pela BBC News Brasil acreditam que Trump pode receber esse benefício diante da enfermidade, mas que, em seu caso, a atuação do presidente diante do coronavírus dificulta que os efeitos sejam significativos a ponto de fazê-lo virar a disputa ou duradouros até o dia da eleição.
"No curto prazo, ele se beneficiará dos votos de boa sorte e da simpatia bipartidários dos americanos. Esse tipo de diagnóstico de saúde geralmente produz essa reação, mas o fato de o presidente Trump minimizar a doença e as medidas de prevenção para mitigá-la dificulta que isso se torne uma vantagem política relevante", afirma Aaron Kall, diretor de debates da Universidade de Michigan co-autor do livro Debating The Donald.
Olhando para o exemplo do Reino Unido, o que se sabe é que os índices de aprovação pessoal de Boris Johnson subiram — chegando a 50% ou mais — quando o governo introduziu medidas para combater o coronavírus, afirma Peter Barnes, analista político da BBC.
A alta aprovação continuou ao longo do período em que o primeiro-ministro esteve doente e durou até maio, quando começou a cair.
Nos EUA, o governo de Trump tem sido duramente criticado por ter minimizado propositalmente a gravidade do vírus para a população no início da pandemia e por causa do elevado número de mortes no país.
Trump foi apontado, inclusive, como o principal propagador de desinformação em inglês sobre coronavírus. Um estudo da Universidade Cornell, nos EUA, indicou que o presidente americano foi responsável por quase 40% das informações erradas que circularam em 38 milhões de artigos publicados de janeiro a maio de 2020.
Os especialistas também acham improvável que Trump adote alguma autocrítica sobre sua atuação após a enfermidade ou mude o rumo da gestão sanitária a essa altura, o que poderia alterar mais significativamente sua imagem diante do público.
"Ele pode despertar alguma simpatia, mas no longo prazo as pessoas perceberão que foi sua falta de consideração pela saúde pública que colocou ele e o país nessa situação", diz Thomas Whalen, cientista político da Universidade de Boston.