Trump x Biden: por que resultado da eleição nos EUA pode demorar a sair

Com candidatos se dizendo dispostos a questionar resultados suspeitos, muitos americanos temem que contestações e eventuais conflitos atrasem contagem de votos.

2 nov 2020 - 13h05
Crianças participam de comício eleitoral em Delaware
Crianças participam de comício eleitoral em Delaware
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Imagine a hipótese: 3 de novembro de 2020, dia da eleição americana, votação encerrada. Boa parte do planeta oscila entre a televisão e as redes sociais em busca de notícias sobre o resultado das urnas. Mas nem o presidente republicano, Donald Trump, nem o candidato democrata, Joe Biden, concedem a derrota. É quando um dos piores pesadelos dos Estados Unidos começa: uma eleição contestada.

A recontagem dos votos começa, uma enxurrada de ações judiciais mira os votos anulados ou justamente anular votos, e conflitos nas ruas começam a se espalhar pelo país. Logo a disputa chega à Suprema Corte dos EUA a fim de determinar quem é o presidente.

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No entanto, muito desse cenário hipotético (e provável) poderia ser evitado se os americanos estivessem dispostos a esperar pelo resultado. Mas esperar por quanto tempo? Essa é a pergunta de um milhão de dólares.

Por que toda essa demora?

Votos por correspondência.

Nas eleições de 2016 nos EUA, 33 milhões de americanos votaram pelo correio. Neste ano, por causa da pandemia do coronavírus, 82 milhões de pessoas pediram para votar pelo correio. E, a apenas um dia da votação, muitos Estados ainda estão lutando para derrubar décadas de leis que determinam quando um voto por correspondência pode ser aberto, processado e contado.

Trabalhando em duplas bipartidárias, funcionárias processam votos pelo correio no Estado de Maryland, o primeiro a começar a processar os votos remotos no país
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Por exemplo, em Michigan, um Estado decisivo para o resultado final, estima-se que 3 milhões de pessoas votem pelo correio. No entanto, visto que as autoridades não podem começar a contar os votos por correspondência até as 7h do dia da eleição, pode levar dias para que Michigan declare um resultado. Isso considerando que não haja uma recontagem.

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Além de problemas nas entregas causados pela pandemia de coronavírus e pelas eleições, o presidente Trump também barrou verbas emergenciais para o serviço postal americano após afirmar que o voto por correio estava atrapalhando sua campanha.

Dados de eleições anteriores sugerem que democratas são muito mais propensos a votar pelo correio, e republicanos, a ir às urnas no dia da votação.

Funcionária do serviço postal carrega caixa lotada de votos no Estado do Oregon
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O segundo problema passa pela guerra judicial.

Quando o resultado está muito apertado para ser decretado, muitas pessoas temem que os Estados enfrentem disputas legais sobre os votos rejeitados, atrasando ainda mais o resultado.

A razão mais comum para uma cédula de voto ser rejeitada é ela chegar pelo correio tarde demais para ser contabilizada. Outros motivos incluem uma assinatura ilegível ou um segundo envelope de sigilo ausente (para votar pelo correio, o eleitor recebe em casa dois envelopes e uma cédula; ele tem que marcar o voto, colocar a cédula no envelope de sigilo e este no outro envelope, que, fechado, deve ser depositado em uma caixa de correio).

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Dado o grande número de votos que serão enviados pelo correio nesta eleição em comparação com as anteriores, o número de cédulas atrasadas e potencialmente rejeitadas deve aumentar também.

Na eleição de 2016, o presidente Trump venceu Michigan por menos de 11 mil votos.

É uma pequena margem quando você tem em mente que, em agosto, durante as eleições primárias de Michigan (quando os eleitores podem escolher os candidatos de cada partido para as eleições de 3 de novembro), mais de 10 mil cédulas foram rejeitadas, principalmente porque chegaram tarde demais para serem consideradas válidas.

Se na noite da eleição a votação parecer apertada demais, em muitos Estados indecisos o número de cédulas rejeitadas pode se tornar outra questão altamente controversa.

É possível decretar o resultado final na noite de 3/11?

Sim. Apesar dos atrasos nos correios, com base nas recentes pesquisas de intenção de votos, ainda é numericamente possível vencer na noite da eleição. Mas para qualquer um dos candidatos, será preciso uma vitória esmagadora para isso.

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Biden faz comício com distanciamento social em Michigan
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Para ganhar o tíquete dourado para a Casa Branca, Joe Biden ou Donald Trump têm de ultrapassar a margem de 270 votos eleitorais dentre 538.

Isso porque o presidente não é escolhido diretamente pelos eleitores, mas pelo chamado colégio eleitoral.

O número de votos nesse sistema é dado a cada Estado americano mais ou menos com base no tamanho de sua população.

Até a véspera da votação, 69,5 milhões de americanos já tinham enviado suas cédulas ou votaram pessoalmente em urnas antecipadas. Um grande aumento na votação antecipada significa que mais da metade de todos os votos contados durante a eleição de 2016 já foram depositados.

Em 2016, Donald Trump comemorou a vitória por volta das 02:30 EST (4h30 no horário de Brasília), depois que o Estado de Wisconsin o colocou na linha de chegada com 270 votos no colégio eleitoral.

No entanto, dado o aumento no número de votos por correspondência, muitos dos Estados em disputa (aqueles que poderiam ser vencidos por qualquer um dos candidatos) provavelmente não declararão vencedor durante a noite.

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Michigan, Pensilvânia e Wisconsin são Estados decisivos que só começam a processar e contar os votos por correspondência no dia da eleição. Eles também são vulneráveis a todas as importantes recontagens e ações judiciais possíveis, caso o resultado acabe apertado demais.

No entanto, há um lugar que pode apontar, mais cedo, o rumo da eleição: a Flórida.

Trump discursa em comício lotado na Pensilvânia
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Dos chamados Estados-pêndulo, a Flórida é o que indica o maior número de delegados ao colégio eleitoral, 29, e seu resultado será decisivo para indicar as chances de cada candidato vencer na noite.

A Flórida começa a processar e verificar as cédulas postais até 40 dias antes da eleição. Com mais de 2,4 milhões de votos postais recebidos, eles ainda têm uma pequena montanha de envelopes para analisar, mas a chance de declarar na noite é maior do que na maioria dos outros Estados indecisos.

Se Biden, que atualmente lidera as pesquisas, perder a Flórida, será um sinal de que ser improvável que ele vença na própria noite da eleição.

Candidato presidencial democrata, Joe Biden, fala com a imprensa na Carolina do Norte
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Ele ainda poderia cruzar a linha de 270 votos eleitorais através de uma combinação de Carolina do Norte, Arizona, Iowa e Ohio, mas todos os caminhos para Biden conseguir vencer já na noite da votação envolvem a conquista da Flórida.

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Com Trump atualmente atrás nas pesquisas de intenção de votos, mesmo se o presidente conquistar a Flórida, ele ainda terá dificuldade em obter a vitória na noite da eleição, devido ao grande número de Estados com resultado apertado que dificilmente declararão vencedores na noite da eleição.

A menos, é claro, que as pesquisas estejam erradas.

E a história recente provou, incluindo a vitória de Trump em 2016, que esses levantamentos podem errar bastante.

As emissoras de TV ainda tentarão projetar o vencedor na noite da eleição?

O poder da mídia americana na noite da eleição é alarmante.

Em eleições passadas, a maioria das emissoras de TV dos EUA "decretou" o resultado horas antes de os votos serem totalmente contabilizados.

Junto a empresas de pesquisa de boca de urna, que entrevistam eleitores nas urnas e por telefone, as principais redes de TV correm para vencer a concorrência sendo as primeiras a declarar o vencedor das eleições.

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Uma vez "decretado" pela mídia, o candidato "perdedor" deve ceder rapidamente, de preferência antes de todos irem para a cama, para que o vencedor possa se proclamar vitorioso naquela noite nas mesmas redes.

É uma ótima maneira de garantir noticiários dramáticos na TV, mas em 2020, com milhões de votos por correspondência esperando para serem contados, muito também dependerá do rigor e da paciência da mídia americana na noite de 3/11.

Muitos temem que este ano possa ser uma repetição do caos que se seguiu em 2000 durante a disputa pela Casa Branca entre George W. Bush e Al Gore.

Vinte anos atrás, na noite da eleição, apesar de muitas pesquisas afirmarem que estava apertado demais para decretar o vencedor, várias redes de TV deram o Estado decisivo da Flórida para Gore, antes de, mais tarde, mudarem para Bush.

Gore então admitiu a derrota, mas como ficou aparente que a corrida na Flórida estava muito mais apertada do que originalmente se acreditava, Gore acabou revogando sua concessão de derrota.

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Trinta e seis dias e um processo na Suprema Corte depois, os americanos souberam que Gore havia vencido o voto popular nacional, mas que Bush havia vencido o voto do colégio eleitoral e, portanto, a Presidência.

George W Bush celebra na Flórida sua vitória na eleição presidencial em 2000
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Os Estados Unidos, que em 2020 já foram duramente atingidos pela pandemia do coronavírus e divididos pela questão do Black Lives Matter, agora terão de lidar com a tensão de aguardar para saber quem será o próximo presidente.

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