É consenso que uma eventual decisão britânica de sair da União Europeia - a ser tomada em plebiscito nesta quinta-feira - abalaria os corredores do poder em capitais como Paris, Berlim e Bruxelas.
A União Europeia já está imersa em dilemas graves - fragilidades na Grécia, vulnerabilidade do euro e desavenças expostas na crise dos refugiados, por exemplo.
A isso, teria de se acrescentar uma separação que, muitos temem, poderia ser a primeira queda de um castelo de cartas no bloco.
A decisão britânica de sair deixaria outros países europeus diante de um dilema: 1) estender a mão e apressar um acordo de livre comércio com o Reino Unido para evitar choques econômicos no futuro; ou 2) punir o membro rebelde para evitar que outros países insatisfeitos sigam o mesmo caminho.
Os partidários da saída argumentam que o baque econômico levaria os europeus à primeira opção. Apoiando-se no raciocínio de que a economia do Reino Unido é importante demais para ser ignorada, estes falam até em assinar tal acordo até as próximas eleições, em 2020.
Porém, à medida que se aproxima o plebiscito em que os britânicos vão decidir sobre o tema, as reações apontam mais para a ansiedade, o ressentimento e, crucialmente, o desejo de retaliação contra o Reino Unido.
'Fora é fora'
O coro contra a separação foi puxado pelo ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schauble, que, em entrevista à revista Der Spiege l, disse que a saída britânica da UE seria "uma grande perda para a Europa".
O ministro disse que a hipótese de o Reino Unido sair da União Europeia e querer continuar se beneficiando do mercado comum "não funciona".
"Seria necessário que o país obedecesse às regras de um clube do qual quer se retirar", disse Schauble. "Se a maioria no Reino Unido optar pela saída, seria uma decisão contra o mercado comum. Dentro é dentro. Fora é fora. Precisamos respeitar a soberania do povo britânico."
No sábado, o ministro francês da Economia, Emmanuel Macron, disse que, na hipótese de saída, o Conselho Europeu - entidade que reúne os chefes de Estado europeu - deveria enviar "uma mensagem e um calendário muito firmes sobre as consequências de um voto negativo".
"Não podemos, no interesse da UE, deixar qualquer ambiguidade ou deixar o tempo passar", afirmou, em entrevista ao jornal Le Monde. "Ou se está dentro ou se está fora."
Como Schauble, Macron indicou que se o Reino Unido quiser manter seu acesso ao mercado comum europeu, precisará contribuir para o orçamento europeu, como fazem hoje Noruega e Suíça. "Se Londres não quiser isso, então deverá ser uma saída total", enfatizou o ministro.
Já o líder do governo espanhol, Mariano Rajoy, advertiu que se o Reino Unido abandonar a UE, os quase 800 mil britânicos que residem na Espanha - 283 mil deles em caráter permanente - perderiam o direito a viver, trabalhar, fazer negócios e realizar consultas médicas gratuitas no país.
'Destruição da UE'
Na segunda-feira, o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, reforçou a posição dos países europeus apelando aos britânicos para ficar no bloco.
"Quero fazer um apelo a todos os cidadãos britânicos - fiquem conosco", disse Tusk. "Sem vocês, não só a Europa, mas toda comunidade ocidental, se enfraquecerá. Juntos, podemos lidar melhor com os desafios do futuro."
Dias antes, em entrevista ao tabloide alemão Bild, o ex-premiê e historiador polonês disse que as consequências da saída britânica seriam também geopolíticas e poderiam representar "o início do processo de destruição da UE".
"Em termos econômicos, seria uma desvantagem para todos na União Europeia, mas em primeiro lugar para o Reino Unido. Politicamente, seria incentivar todos os antieuropeus radicais de diversos países membros", disse Tusk.
O temor se deve à ascensão de partidos populistas-nacionalistas em vários países europeus, como o Partido da Liberdade de Geert Wilders, na Holanda, e a Frente Nacional de Marine Le Pen, na França.
Ambos países realizam eleições em 2017 e uma eventual saída britânica da UE serviria às campanhas, tanto de Wilders como de Le Pen, que defendem a realização de plebiscitos similares em seus próprios países.
Na semana passada, partidos nacionalistas de oito países europeus - Áustria, República Tcheca, Itália, Bélgica, Romênia, Alemanha, França e Reino Unido - se reuniram em Viena para apoiar a campanha pela saída britânica da UE em um evento anunciado como "a Primavera dos Patriotas".
"Estaríamos pecando se não ajudássemos a UE a se suicidar. Não queremos o centralismo de Bruxelas. Não queremos ser os Estados Unidos da Europa", disse o anfitrião do evento, Heinz Christian Strache, líder do FPÖ austríaco, o partido de extrema-direita que perdeu as eleições presidenciais de 24 de maio por apenas pouco mais de 30 mil votos.
Crise de identidade
O projeto europeu já enfrenta uma crise de rejeição sem precedente. Segundo uma pesquisa publicada pelo instituto americano Pew Research em 8 de junho, 47% dos cidadãos europeus têm uma visão desfavorável da UE e 70% acredita que a saída do Reino Unido seria ruim para o bloco.
Seja qual for o resultado do plebiscito britânico, o presidente da Comissão Europeia (braço Executivo da UE), Jean-Claude Juncker, já avisou que será preciso "tirar lições" dessa experiência.
Escrevendo no Twitter, Donald Tusk foi na mesma linha: "Qualquer que seja o voto do Reino Unido, precisamos examinar com cuidado para o futuro da União. Seria uma tolice ignorar esse sinal de alarme".