Os Estados Unidos podem ter desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento da primeira vacina contra a covid-19, mas agora estão no meio de um grande dilema sobre seu uso. As pessoas devem ser obrigadas a tomá-la?
Desde ser impedido de frequentar restaurantes e eventos esportivos a perder seus empregos, os comprovantes de vacinação se tornaram um grande problema, especialmente nas últimas semanas em Nova York.
E o que acontece lá pode impactar o resto do mundo, à medida que as taxas de vacinação aumentam e os países se perguntam a melhor forma de continuar combatendo a pandemia.
Preocupações com vacinas
"Não sou contra a vacina em sua totalidade", diz Crisleidy Castillo.
"Só estou dizendo que não quero tomar agora porque estou amamentando."
A professora de educação especial, de 27 anos, trabalhava em uma escola na cidade de Nova York até algumas semanas atrás. Ela foi colocada em licença, por tempo indeterminado, junto com milhares de outros funcionários do Departamento de Educação que não tinham recebido ao menos uma dose de vacina contra a covid.
Desde então, essa ordem foi estendida a todos os funcionários municipais, que devem tomar as doses ou perder seus empregos.
"Só não acho que seja seguro porque não há pesquisas suficientes concluídas", acrescenta Crisleidy, embora as vacinas contra a covid aprovadas nos Estados Unidos tenham passado por testes médicos e também tenham sido aprovadas em dezenas de outros países.
Ela agora está sem salário e diz que, caso aceite uma oferta de emprego de uma escola particular (para que ela volte a trabalhar), ela terá um corte de 60% do salário e perderá o seguro saúde.
Crisleidy solicitou um pedido de exceção da vacina, mas a solicitação inicial e seu recurso foram rejeitados.
As isenções só são permitidas se forem listadas pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC). Ele recomenda que as mães que amamentam sejam vacinadas e diz que não há evidências médicas de que isso seja inseguro.
No entanto, Crisleidy ainda não quer tomar a vacina: "Estou basicamente sendo penalizada apenas por uma decisão pessoal que tomei. Não porque estou sendo egoísta, mas porque quero proteger minha filha."
O Departamento de Educação afirma: "as vacinas são nossa ferramenta mais forte na luta contra a covid-19. Essa decisão está no lado certo da lei e protegerá nossos alunos e funcionários."
Em um caso legal sobre o mandato da vacina, os advogados do Departamento de Educação estabeleceram a posição da cidade de que as pessoas não têm o direito de "ensinar as crianças sem estarem vacinadas contra uma doença infecciosa perigosa. O mandato de vacinação não é apenas uma medida racional de saúde pública, mas crucial".
Política efetiva?
Quase 10 mil trabalhadores em Nova York se encontram em uma situação semelhante à de Crisleidy. Mas as autoridades municipais dizem que houve um grande salto no número de trabalhadores vacinados, após a introdução dos mandatos.
O número de socorristas que tomaram vacina saltou de 74% para 87%, depois da mudança da regra, enquanto no Corpo de Bombeiros passou de 64% para 77%.
Apesar das advertências dos sindicatos de que poderia haver falta de trabalhadores, já que pessoas não vacinadas foram colocadas em licença por tempo indeterminado, o prefeito de Nova York, Bill de Blasio, disse que não houve interrupção dos serviços da cidade.
"Esta é a minha mensagem: cada prefeito da América, cada governador da América, cada CEO de uma empresa na América, implante um mandato de vacina e você tornará todos mais seguros e nos ajudará a acabar com a era da covid de uma vez por todas".
Objeção religiosa
Uma pessoa que não quer que isso aconteça é Douglas Kariman.
Ele foi afetado pelo mandato de vacina estabelecido pelas autoridades do Estado de Nova York para todos os trabalhadores da área da saúde.
"Não sou um desses antivaxxers, não sou contra todas as vacinas que existem", diz ele.
"Não sou uma dessas pessoas que dizem que o vírus é falso, eu já vi e tenho visto as mortes."
Douglas mora em Lancaster, no oeste do Estado de Nova York, e trabalha como enfermeiro em uma unidade de terapia intensiva local.
O trabalho dele está por um fio, enquanto os juízes consideram uma ação judicial movida por colegas médicos que solicitam que as autoridades considerem isenções religiosas para o mandato de vacinas em todo o Estado para médicos.
"Por mais que digam que estudaram as vacinas, e acredito neles, não há estudos de longo prazo sobre elas."
Além de se preocupar com o quão novas as vacinas são, Douglas, um cristão batista, também tem uma objeção religiosa aos imunizantes, com base no uso de células fetais em seu desenvolvimento.
As células foram derivadas de fetos abortados décadas atrás. No entanto, nenhuma célula fetal está presente em nenhuma das vacinas e muitos grandes grupos religiosos que se opõem ao aborto, como a Igreja Católica, ainda recomendam tomar a vacina.
Se o processo legal para obter uma isenção religiosa falhar, é provável que Douglas não consiga mais trabalhar no Estado de Nova York.
"Eu tenho uma esposa com deficiência. Ela não trabalha, então é tudo por minha conta."
"Se eu perder meu trabalho, eu posso perder tudo. É meu sustento, sabe."
A única opção dele seria viajar cerca de uma hora e meia para a vizinha Pensilvânia para trabalhar - um Estado que atualmente não tem um mandato de vacina para médicos.
"Na verdade, estou pensando em me mudar depois de tudo isso. Odeio dizer isso porque minha família e meus pais estão aqui, mas o que eu vou fazer?"
A governadora de Nova York, Kathy Hochul, manteve a política de mandato da vacina, dizendo: "Acreditamos que funcionou. Teve um efeito significativo em nossa capacidade de proteger as pessoas, especialmente os profissionais de saúde."
Os advogados do Estado se opuseram repetidamente às tentativas de haver quaisquer isenções religiosas adicionadas ao mandato.
Apoiando a política
Um profissional da área médica que pensa de maneira diferente, tanto sobre a vacina quanto sobre o mandato, é o Dr. Calvin Sun. Ele trabalha como médico assistente em medicina de emergência na cidade de Nova York.
Ele diz que, no auge da pandemia, viu coisas suficientes capazes de "causar pesadelos para o resto da vida".
E ele não acha que tomar a vacina possa colocá-lo em um risco maior do que contrair a covid.
"O risco não é superado pelos benefícios da vacina", diz ele.
"Todos os doentes graves que atendi (no trabalho) que tiveram covid não estavam vacinados."
Sun acredita que, por isso, as autoridades estavam certas em usar os mandatos de vacinas.
"Acho que é uma pena que tenhamos que chegar a um ponto em que precisaríamos de um mandato. Porque, do ponto de vista médico, sempre queremos orientar o paciente para uma escolha na qual eles optem fazer isso pelo bem de sua comunidade e seus entes queridos", diz ele.
Mas ele acredita que, assim como as pessoas precisam usar cintos de segurança e não devem enviar mensagens de texto enquanto dirigem, "temos que abrir mão de um pouco de liberdade pela segurança". E, no caso da pandemia da covid, isso significa "tomar vacinas para garantir que o sistema de saúde não fique sobrecarregado e que esses os espaços fiquem livres para pacientes vulneráveis ".
Ele também acha que outros Estados poderiam seguir o exemplo de Nova York: "Podemos mostrar ao mundo que (o mandato) não é tão ruim como as pessoas temem".
Muitos lugares ao redor do mundo também estão estabelecendo regras rígidas sobre a vacinação contra a covid.
Na Europa, a Letônia decidiu permitir que as empresas demitissem trabalhadores que não concordassem em ser vacinados ou trabalhar em casa.
Na Ásia, partes da Indonésia tornaram a vacinação obrigatória para todos os cidadãos. A Costa Rica se tornou um dos primeiros países latino-americanos a exigir que os funcionários públicos sejam imunizados.
À medida que dezenas de milhares de pessoas em todo o mundo continuam morrendo de covid-19 a cada semana, muitos outros países terão que lutar com decisões difíceis sobre como neutralizar a hesitação da vacina.
Mesmo que isso signifique assumir a postura: "sem vacina, sem emprego"
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