Musk apoia AfD com texto em jornal alemão e gera protestos

28 dez 2024 - 13h11

Bilionário diz que legenda de ultradireita seria a "última centelha de esperança" para a Alemanha. Publicação de comentário causa indignação entre funcionários do grupo editorial.Poucos dias após endossar o partido de ultradireita Alternativa para a Alemanha (AfD) e a menos dois meses da próxima eleição federal alemã, o bilionário Elon Musk voltou a defender a legenda em um artigo de opinião publicado neste sábado (28/12) no jornal alemão Welt am Sonntag.

No artigo, Musk alega que a legenda de ultradireita seria a "última centelha de esperança" para a Alemanha. "A Alemanha se acomodou na mediocridade. É hora de mudanças ousadas e a AfD é o único partido que abre esse caminho", escreveu.

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Musk já havia deixado claro suas simpatias pela AfD no passado, ao interagir com políticos da sigla na rede X e questionar a vigilância policial sobre o partido. Em novembro, Musk também já havia chamado o atual chanceler federal, o social-democrata Olaf Scholz, de "tolo". Há uma semana, ele endossou a legenda, que aparece com cerca de 19% das intenções de voto em pesquisas e com chances de formar a segunda maior bancada de deputados no Parlamento alemão (Bundestag).

No artigo publicado neste sábado, o bilionário afirma que a Alemanha estaria à beira "colapso econômico e cultural" e que, por ser um "importante investidor" no país, ele tem o direito de expressar a sua posição política. Em 2022, Musk inaugurou uma fábrica da Tesla no estado alemão de Brandemburgo, perto de Berlim. A construção do espaço foi marcada por polêmicas. A obra foi iniciada antes mesmo de sair o licenciamento ambiental.

A fábrica de Grünheide conta com cerca de 12 mil funcionários. A Tesla é a maior empregadora privada de Brandemburgo. A fábrica, no entanto, costuma ser alvo de controvérsias, como críticas de ambientalistas sobre a derrubada de árvores para a expansão da planta e o grande consumo de água, além de reportagens que abordam denúncias de assédio, desorganização e más condições de trabalho.

No artigo, Musk afirma que apoia a AfD devido às suas abordagens que buscam "reduzir regulamentações excessivas, diminuir impostos e desregular o mercado", princípios que, segundo ele, seriam a base do sucesso da Tesla e da SpaceX. "Antes motor da Europa, a economia alemã afunda em burocracia e regulamentações opressivas", escreveu.

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Musk alega que AfD não é extremista

O bilionário disse ainda que o partido de ultradireita defende supostamente "uma política de imigração controlada que prioriza a integração e preservação da cultura alemã". Na sua opinião, essa visão não seria xenófoba, apenas é voltada para evitar que a perda "da identidade" da Alemanha em "sua busca por globalização".

Musk vê ainda os partidos tradicionais como fracassados, cujas políticas levaram à "estagnação econômica, agitação social e erosão da identidade nacional". Ele ainda alegou que a AfD não é um partido extremista de direita, argumentando que a líder da legenda, Alice Weidel, tem uma parceira do Sri Lanka. "Isso soa como Hitler? Ah, por favor", escreveu.

Diferentemente do que prega Musk, a AfD é rotineiramente acusada de abrigar neonazistas, além de ter vários diretórios estaduais classificados como "extremistas de direita" por serviços de inteligência, que monitoram de perto as atividades de seus membros.

Em sua história recente, o partido se transformou numa força política radical, em luta acirrada contra o islã, a imigração e o asilo político; negando as mudanças climáticas; e difamando seus adversários com insultos e teorias de conspiração. Em janeiro, a revelação de planos de integrantes do partido para expulsar ou deportar alemães, caso sejam oriundos de famílias de imigrantes, foi o estopim de protestos pelo país.

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Indignação no jornal

Ao lado do artigo de Musk, o jornal publicou uma opinião do futuro editor-chefe do grupo Welt, Jan Philipp Burgard, intitulada Por que Musk apoia a AfD e por que ele está errado fazendo isso. "O diagnóstico de Musk está correto, mas sua abordagem terapêutica de que apenas a AfD poderia salvar a Alemanha é fatalmente errada", afirmou.

Burgard argumentou que Musk ignorou o contexto geopolítico no qual a AfD quer posicionar a Alemanha, como, por exemplo, a saída da União Europeia (UE) defendida pelo partido. "Isso seria uma catástrofe para a nação exportadora Alemanha", afirma.

O jornalista acrescenta que uma reaproximação como a Rússia e retorno da "dependência do gás russo", como a sigla deseja, não vai salvar a Alemanha. "A AfD é muito mais uma ameaça para nossos valores e nossa economia." Sobre Musk, Burgard escreve: "um gênio também pode se enganar".

A publicação do artigo de Musk gerou indignação entre os jornalistas do grupo editorial. A chefe da seção de opinião dos jornais Welt e Welt am Sonntag, Eva Marie Kogel, afirmou que o comentário não é aceitável e pediu demissão devido à publicação. Outros jornalistas do grupo também publicaram comentários nas redes sociais repudiando a decisão do jornal.

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Segundo reportagens da imprensa alemã, a publicação do artigo de Musk gerou uma grande controvérsia na redação já na véspera do Natal, com uma briga durante a reunião de pauta. A comissão editorial do grupo chegou a fazer um alerta sobre a decisão.

À agência de notícias alemã dpa, o editor-chefe do grupo Welt, Ulf Poschardt, e seu sucessor, Burgard, defenderam a publicação do artigo em um comunicado. "Democracia e jornalismo vivem de liberdade de opinião", afirmaram, acrescentando que isso incluiu confrontar-se com posições polarizadoras e classificá-las jornalisticamente.

Musk no mundo em 2024

O endosso de Musk à AfD se soma a outros episódios registrados em 2024 no qual o bilionário de origem sul-africana se envolveu em questões políticas. Nos EUA, ele declarou abertamente seu apoio à eleição do republicano Donald Trump, na esteira da tentativa de assassinato em julho.

Musk acabou direcionando milhões de dólares para a campanha, chegando a liderar esforços locais para conquistar votos, especialmente no estado da Pensilvânia. Alguns desses esforços chegaram a levantar acusações de compra de votos.

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O bilionário também se envolveu em disputar judiciais no Brasil, direcionando críticas ao Supremo Tribunal Federal. Também protagonizou embates como governo da Austrália, após as autoridades do país promoverem um projeto de lei para tentar coibir disseminação de desinformação em redes sociais.

Mais recentemente, Musk também voltou suas atenções ao Reino Unido, publicando críticas ao primeiro-ministro trabalhista Keir Starmer. O bilionário também abriu negociações para direcionar valores ao partido populista de direita Reform UK, liderado por Nigel Farage, que se opõe a Starmer. Farage e Musk se encontraram nesta semana numa das propriedades de Trump na Flórida. O anúncio das negociações provocou alarme entre políticos britânicos, temerosos de que uma doação vultuosa de Musk para o Reform UK possa desequilibrar o jogo partidário, marcado por campanhas enxutas e baratas.

cn (dpa, Reuters, ots)

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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