Na Câmara, Moro defende alterações em PEC da prisão em segunda instância

Para o ex-juiz da Lava Jato, a execução antecipada da pena deveria priorizar a área criminal; audiência termina em confusão entre os deputados Gláuber Braga (PSOL-RJ) e Eder Mauro (PSD-PA)

12 fev 2020 - 12h40
(atualizado às 16h49)

BRASÍLIA - Em uma cruzada para restabelecer a prisão a partir da condenação em segunda instância, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, participou nesta quarta-feira, 12, de audiência na Câmara para debater a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) sobre o tema em discussão pelos deputados. O ex-juiz da Lava Jato defendeu que a execução antecipada da pena deveria priorizar a área criminal, e não incluir casos das esferas cíveis e tributárias, como prevê o texto da proposta.

A PEC que tramita na Câmara propõe mudanças nos artigos 102 e 105 da Constituição Federal. Na prática, faz com que processos judiciais terminem na segunda instância, evitando que um condenado fique em liberdade enquanto aguarda o julgamento de recursos em instâncias superiores. A prisão antecipada é uma das principais bandeiras da Lava Jato. Em janeiro, em entrevista ao Estado, Moro havia dito que "ajudaria" o Congresso a restabelecer a prisão após segunda instância. "No campo legislativo, por exemplo, queremos ajudar o Parlamento, no que for possível, a restabelecer a execução criminal a partir da condenação em segunda instância", disse, na ocasião.

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Ao iniciar sua apresentação nesta quarta na comissão especial que discute a PEC, Moro falou por mais de 30 minutos e pediu permissão aos deputados para "fazer críticas bastante respeitosas" à proposta, de autoria do deputado Alex Manente (Cidadania-SP). Uma delas, ponderou o ministro, diz respeito ao trecho que estabelece uma regra de transição para a nova regra. Alguns deputados defendem a possibilidade da prisão após condenação em segunda instância apenas para novos casos.

"Eu, particularmente, acho que essa regra de transição acaba negando justiça a casos em tramitação", disse Moro. Um dos casos que poderiam ser afetados caso a regra seja válida para ações já em andamento é o do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro na primeira instância por Moro no caso do triplex do Guarujá. Como a condenação já foi confirmada por instâncias superiores, Lula poderia retornar à prisão caso a PEC fosse aprovada nos termos defendidos pelo ministro.

Sobre restringir a PEC a casos criminais, Moro afirmou ser favorável a uma regra que "valha para todos", mas admitiu ser mais difícil de ser aprovada.

O ministro foi convidado da comissão especial da PEC da segunda instância, instalada na Câmara dos Deputados no fim do ano passado. Diante de um plenário lotado, Moro iniciou sua participação com elogios à atitude dos deputados de discutir e levar à frente a proposta da prisão antes do trânsito em julgado.

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Confusão

A reunião foi encerrada mais cedo após dois deputados quase partirem para a agressão física. Moro participava do debate com os parlamentares quando a confusão começou. Glauber Braga (PSOL-RJ) e Eder Mauro (PSD-PA) foram apartados por outros parlamentares. O clima começou a esquentar pouco depois de Braga referir-se a Moro como "capanga da milícia", "capanga da família Bolsonaro" e "mentiroso"

O ministro rebateu. "Quem protegeu milícia foi o seu partido", afirmou, em referência às críticas feitas pelo PSOL ao chamado pacote anticrime. Um dos pontos da proposta era deixar explícito que milícias são organizações criminosas. O partido, contudo, considerava que as medidas, na verdade, não afetariam esses grupos.

Moro também chamou o parlamentar de "desqualificado". O presidente da comissão especial, Marcelo Ramos (PL-AM), tomou a palavra para cobrar respeito de ambas as partes. Enquanto isso, fora dos microfones, Eder Mauro passou a atacar Glauber. Usou palavras de baixo calão e chegou a dizer que a mãe do deputado do PSOL era "bandida". Glauber também xingou Eder.

Em seguida, o deputado do Pará se levantou e partiu em direção a Glauber. Nesse momento, Ramos declarou a reunião encerrada. Deputados se colocaram entre os dois para evitar agressões físicas. Mesmo assim, a briga não cessou. Com o plenário já desmobilizado, os dois adversários se dirigiram quase ao mesmo tempo à mesa onde havia água e café à disposição dos deputados.

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Uma nova discussão foi iniciada. "A tua mãe é uma bandida", disparou Eder Mauro. "O teu problema é que tu é gargantudo aqui dentro. Quero ver tu ser gargantudo lá fora, otário". Glauber também atacou. "Você é miliciano. É por isso que você ficou mordido. Tem uma milícia no Pará, por isso que ficou mordido. Mas eu não tenho medo de miliciano, não".

Um segurança da Câmara permaneceu entre os dois para mais uma vez evitar possível pancadaria. Outros deputados e assessores também agiram para evitar agressões. O presidente da comissão classificou o episódio como incapacidade de alguns deputados conviverem em ambiente democrático. "A democracia é fruto de embate, de diálogo. Tem gente que consegue fazer isso com a palavra e tem gente que precisa agregar à palavra a ofensa e a ameaça de agressão física. Mas isso é muito menor do que a grandeza do resultado da audiência", comentou.

Supremo jogou a bola para o Congresso

Em novembro do ano passado, após a decisão em que o Supremo Tribunal Federal (STF) mudou de entendimento e derrubou a prisão após condenação em segunda instância, o presidente da Corte, Dias Toffoli, abriu caminho para que o Congresso alterasse a lei. "Deixei claro no meu voto que o Parlamento pode alterar esse dispositivo (do Código de Processo Penal). O Parlamento tem autonomia para dizer esse momento de eventual prisão em razão de condenação", afirmou Toffoli.

Aos deputados, Moro defendeu o Parlamento como local apropriado para estabelecer as regras para prisão após segunda instância, sem que sobre brechas para interpretações "vazias" e incerteza jurídica sobre o tema. Além disso, ressalta o ministro, "tem uma questão de simbolismo".

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"É o Congresso Nacional mandando uma mensagem à população. Se a gente for fazer qualquer pesquisa, a aprovação à prisão em segunda instância ultrapassa 80%. (A aprovação da PEC) Manda aquela mensagem de que a lei tem que funcionar, a impunidade tem que ser reduzida. E que a lei deve valer para todos. 60 mil homicídio é demais. Precisamos ter mensagens relevantes, fortes, duras nesse sentido".

Placar

Levantamento do Estado feito no ano passado com os 594 congressistas mostrou que a retomada da possibilidade de prisão após condenação em segunda instância tem apoio da maioria. Veja aqui o placar na Câmara ().

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