Novo estudo sobre supernovas dispensa existência da energia escura e pode revolucionar Cosmologia

Um novo estudo sobre explosões de estrelas fornece primeira evidência de um modelo alternativo para explicar a observada expansão acelerada do Universo, denominado 'Timescape'

10 jan 2025 - 08h23
Ilustração da 'morte' de uma estrela maciça em uma explosão de supernova: análise de catálogo destes eventos cósmicos aponta para uma possível explicação alternativa para a observada aceleração na expansão do Universo NASA/Goddard Space Flight Center/Dana Berry
Ilustração da 'morte' de uma estrela maciça em uma explosão de supernova: análise de catálogo destes eventos cósmicos aponta para uma possível explicação alternativa para a observada aceleração na expansão do Universo NASA/Goddard Space Flight Center/Dana Berry
Foto: The Conversation

Observando a luz da explosão de estrelas distantes, chamadas supernovas, em 1998 astrônomos descobriram que o Universo não está apenas se expandindo - sua expansão está acelerando. Mas o que estaria por trás dessa aceleração?

A energia escura. Ela é uma das peças do quebra-cabeça mais debatidas e intrigantes da física moderna - uma forma misteriosa de energia que se acredita permear uniformemente todo o espaço. No atual modelo mais aceito da Cosmologia moderna, a energia escura é o que impulsiona a expansão acelerada do Universo.

Publicidade

Mas e se houver outra explicação que não envolva a energia escura? Um estudo recente usando dados de supernovas sugere que pode haver de fato uma explicação alternativa, e ela é chamada de "modelo Timescape".

Essa descoberta pode desafiar profundamente nossa compreensão do Cosmos. Portanto, vamos nos aprofundar no assunto.

O que é energia escura?

A espinha dorsal da Cosmologia moderna é o modelo Lambda-Cold Dark Matter (Matéria Escura Fria-Lambda, ou Lambda-CDM, na sigla em inglês). Ele descreve um Universo em que a energia escura - denotada por Λ, a letra grega Lambda - é o mecanismo que impulsiona a expansão acelerada do universo.

De acordo com esse modelo, as galáxias estão dançando juntas sob o efeito de uma rede invisível de matéria escura feita de partículas pesadas que não interagem com nada. Os efeitos dessa matéria escura fria só podem ser observados por meio da gravidade.

Publicidade
Foto: The Conversation
Uma linha do tempo do Universo, de acordo com o modelo Lambda-CDM.NASA/LAMBDA Archive/WMAP Science Team

A energia escura é responsável por quase 70% do total de energia no Universo, mas sua natureza exata continua sendo um dos maiores mistérios da física.

Algumas interpretações sugerem que a energia escura poderia estar ligada à energia do vácuo, enquanto outros estudos tentaram descrevê-la como um novo campo de energia em evolução espalhado pelo espaço.

E um estudo recente da colaboração internacional DESI que rastreia a expansão do Universo deu a entender que a energia escura pode estar enfraquecendo com o passar do tempo.

Também é possível que nossa atual teoria da gravidade (a Teoria da Relatividade Geral de Einstein) esteja incompleta. Talvez seja necessária uma extensão para descrever a interação gravitacional em escalas cosmológicas - distâncias da ordem de milhões a bilhões de anos-luz.

Publicidade

O que é o modelo Timescape?

A matéria - matéria escura, gás, galáxias, aglomerados de estrelas e superaglomerados - não está uniformemente espalhada pelo Cosmos.

Mas para o modelo Lambda-CDM, presumimos que o Universo é homogêneo e isotrópico. Isso significa que, em escalas cósmicas, a distribuição da matéria parece suave e uniforme. Quaisquer aglomerados e lacunas que possamos encontrar podem ser considerados insignificantes devido à grande escala do todo.

Por outro lado, o modelo Timescape leva em conta a distribuição desigual da matéria. Ele sugere que nossa intrincada rede cósmica - composta de galáxias, aglomerados, filamentos e vastos vazios cósmicos - afeta diretamente a forma como interpretamos a expansão do Universo.

Isso significaria que o Universo não está se expandindo uniformemente.

De acordo com o modelo Timescape, a taxa de expansão do Universo varia entre as diferentes regiões, dependendo de quão densas elas são.

Publicidade

O principal parâmetro do modelo Timescape é a "fração de vazio": ele quantifica a proporção do espaço ocupado por vazios em expansão.

A gravidade determina que os vazios se expandam mais rapidamente do que as regiões mais densas - eles têm menos matéria para retê-los, permitindo que o espaço se estenda mais livremente. Isso cria um efeito médio que pode imitar a expansão acelerada atribuída à energia escura no Lambda-CDM.

Em resumo, o modelo Timescape sugere que, para nós, pode parecer que a expansão do Universo está se acelerando. A velocidade de expansão depende de onde você está no Universo.

O que o estudo descobriu?

Os autores do novo estudo analisaram uma das maiores coleções de supernovas Tipo Ia, chamada de "conjunto de dados Pantheon+". Essas supernovas são um padrão confiável usado para testar modelos cosmológicos.

A equipe comparou dois modelos principais: o Lambda-CDM padrão (nossa receita "básica" do Universo) e o modelo Timescape.

Publicidade

Ao observar supernovas brilhantes próximas, o modelo Timescape explicou melhor as coisas do que o nosso modelo padrão. No entanto, isso foi apenas estatístico, com a análise estatística mostrando uma preferência "muito forte".

Mesmo quando eles examinaram supernovas mais distantes, onde as coisas deveriam estar mais uniformemente distribuídas, o Timescape ainda se manteve ligeiramente melhor do que o modelo usual.

A conclusão? O modelo Timescape, que se concentra em como os "aglomerados e vazios" cósmicos mudam a forma como vemos o Universo crescendo, pode ser melhor para capturar a verdadeira natureza da expansão do nosso Universo. Isso seria especialmente verdadeiro para o Universo próximo - temos muitos vazios e filamentos perto de nós, o que afetaria a forma como vemos a expansão.

Quão fortes são as evidências, então?

Há ressalvas importantes. A análise não leva em conta as velocidades peculiares - movimentos pequenos e aleatórios de galáxias que podem afetar as medições de supernovas. Eles também não levam em conta o viés de Malmquist, quando supernovas mais brilhantes têm maior probabilidade de serem incluídas nos dados simplesmente porque são mais fáceis de detectar.

Publicidade

Essas possíveis fontes de erro poderiam afetar gravemente seus resultados. Além disso, o estudo não utilizou o mais recente conjunto de dados de supernovas DES5yr. Ele é mais consistente e uniforme em sua coleta de dados do que o Pantheon+, o que pode torná-lo mais confiável para comparação.

Há outros aspectos além das supernovas que atualmente sustentam o modelo Lambda-CDM, principalmente oscilações acústicas de bárions e lentes gravitacionais. Trabalhos futuros precisariam integrá-los ao modelo Timescape.

Mas com esse novo estudo, o modelo Timescape oferece uma alternativa intrigante ao Lambda-CDM. O resultado final é que a aceleração do nosso Universo é uma ilusão devido à distribuição desigual da matéria, com grandes vazios cósmicos se expandindo mais rapidamente do que as regiões mais densas.

Se confirmado, isso representaria uma mudança revolucionária de paradigma na Cosmologia.

The Conversation
Foto: The Conversation

Rossana Ruggeri recebeu o prêmio Discovery Early Career Researcher Award (DECRA) do Australian Research Council (ARC), que apoia seu projeto de pesquisa independente intitulado "Probing Dark Energy with the Largest 3D Map of the Universe".

Publicidade
Este artigo foi publicado no The Conversation Brasil e reproduzido aqui sob a licença Creative Commons
Curtiu? Fique por dentro das principais notícias através do nosso ZAP
Inscreva-se