O que vira motivo de demissão no governo Bolsonaro?

Leniente com acusados de corrupção, presidente exonerou quem discutiu com os filhos, questionou Olavo e trabalhou com o PT

17 jan 2020 - 17h37
(atualizado em 20/1/2020 às 11h40)
O que vira motivo de demissão no governo Bolsonaro?
O que vira motivo de demissão no governo Bolsonaro?
Foto: Guilherme Dionízio / Estadão Conteúdo

O presidente Jair Bolsonaro não tolerou o discurso do secretário de Cultura, Roberto Alvim, que remeteu à uma fala do ideólogo nazista Joseph Goebbels, e oficializou a exoneração do dramaturgo horas após a polêmica. Considerado por parte de sua base aliada leniente com servidores acusados de corrupção após prometer "tolerância zero", o presidente já demitiu vários funcionários do alto escalão do governo, incluindo três ministros. 

Acusado de comandar um esquema de candidaturas-laranja em Minas Gerais, o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, teve o cargo garantido publicamente pelo presidente em diversas oportunidade. O mesmo acontece com o chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência, Fabio Wajngarten, que recebe, através de sua empresa, de emissoras de televisão e agências de publicidade que são contratadas pelo governo.

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Bolsonaro, no entanto, não deu demonstrações de paciência em casos de servidores que discutiram com os filhos do presidente, questionaram Olavo de Carvalho, considerado o guru ideológico do governo, ou trabalharam com políticos de outros partidos, em especial o PT. Relembre agora algumas das mais emblemáticas demissões do governo Bolsonaro e seus motivos.

Presidente do Inep disse que "governo não ia mandar no Enem"

Maria Inês Fini
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil / Estadão Conteúdo

Maria Inês Fini foi uma das primeiras exoneradas da gestão do Bolsonaro, ainda em janeiro. Então presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacionais (Inep), ela entrou na mira do presidente ao dizer que o "governo não iria mandar no Enem". A educadora já havia causado a ira do capitão da reserva por, na edição anterior do exame, colocar perguntar consideradas "ideológicas" por Bolsonaro e sua equipe.

Bebianno desmentiu presidente e entrou em rota de colisão com Carlos

Gustavo Bebianno era considerado homem de confiança de Bolsonaro
Foto: Reuters

Primeiro ministro a cair no governo Bolsonaro, o então homem de confiança do presidente, Gustavo Bebianno, que era secretário-geral da Presidência da República, caiu enquanto o capitão da reserva estava internado para a retirada de uma bolsa de colostomia no mês de fevereiro. Pressionado pela imprensa por conta de acusações de liderar um esquema de candidaturas-laranja, o então ministro afirmou que não havia crise no governo e que já havia falado com o presidente três vezes naquele dia.

Após Bolsonaro negar as conversas, Bebianno manteve e posição, desmentindo o presidente publicamente. A atitude revoltou o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), segundo filho mais velho do presidente. Poucos dias depois, a demissão de Bebianno foi oficializada pelo porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros. O motivo da decisão teria sido de "foro íntimo do presidente".

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Desde sua saída do governo, Bebianno se tornou crítico do presidente e chegou a afirmar que Bolsonaro "atira em seus aliados pelas costas".

Vélez Rodríguez não resistiu após caos interno no MEC

Ricardo Vélez Rodríguez
Foto: RENATO COSTA /FRAMEPHOTO / Estadão Conteúdo

Seguidor de Olavo de Carvalho, Ricardo Vélez Rodríguez foi uma das escolhas mais polêmicas de Bolsonaro para ocupar um ministério. Algumas decisões como a de permitir que livros didáticos não passassem por revisão e a de encorajar diretores de escolas a enviar vídeos dos alunos cantando o hino nacional dentro das escolas viraram motivo de críticas da oposição, que chegou a convocar o colombiano para uma sabatina no Congresso. No entanto, foi a briga interna dentro da pasta que derrubou o educador.

Após ter escolhas criticadas por Olavo de Carvalho, Vélez voltou atrás e exonerou uma série de servidores, substituindo-os por alunos do filósofo. "Inimigos" do ideólogo dentro do governo, os militares entraram na briga e emplacaram algumas nomeações. Por não conseguir manter o controle do ministério, o colombiano acabou sendo descartado por Bolsonaro, que no mesmo dia anunciou Abraham Weintraub para o cargo.

Joaquim Levy e o processo de "despetização"

Joaquim Levy.
Foto: Adriano Machado / Reuters

Ex-ministro da Fazenda do governo Dilma Rousseff, Joaquim Levy foi escolhido por Paulo Guedes para comandar o BNDES, ainda que a contragosto de Bolsonaro. No entanto, o economista acabou entrando na mira do presidente após a nomeação de Marcos Barbosa Pinto para o cargo de diretor de Mercado de Capitais do banco. Pinto já havia trabalhado no BNDES durante o governo Lula. 

Desde que foi eleito, Bolsonaro prometeu um processo de "despetização" nos órgãos públicos.

"Eu já estou por aqui com o Levy. Falei para ele: 'Demita esse cara na segunda-feira ou demito você sem passar pelo Paulo Guedes'", disse Bolsonaro, que ainda afirmou que o economista estava com a "cabeça a prêmio". Diferente de outros nomes dessa lista, no entanto, Joaquim Levy se antecipou ao presidente e acabou enviando uma carta de demissão para Paulo Guedes antes de ser exonerado.

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Santos Cruz e a debandada militar

General Santos Cruz
Foto: Aloisio Mauricio/Fotoarena / Estadão Conteúdo

Considerada a ala mais rebelde e, curiosamente, mais progressista do governo Bolsonaro, os militares entraram em rota de colisão com a chamada "ala ideológica", liderada por Olavo de Carvalho e os filhos do presidente, desde o início do governo. Em junho de 2019, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz foi exonerado da Secretaria Geral da Presidência da República. Ele foi o terceiro ministro demitido pelo presidente e, assim como nos casos de Bebianno e Vélez, a saída também teve relação com a ala ideológica.

Crítico ferrenho de Olavo de Carvalho, Santos Cruz trocou farpas com o filósofo através da imprensa e das redes sociais. O militar também se indispôs com Carlos e Eduardo Bolsonaro, filhos do presidente. A exoneração de Santos Cruz nunca teve um motivo oficializado pela base do governo, mas o general já reclamou publicamente do modo como saída foi conduzida.

No mesmo mês da saida do ex-ministro, dois outros militares foram exonerados de agências importantes do governo: Franklimberg Freitas deixou a Funai, enquanto Juarez de Paula Cunha foi demitido dos Correios.

Ricardo Galvão caiu após divulgar dados sobre desmatamento

O físico Ricardo Galvão, 71 anos, é membro da Academia Brasileira de Ciências
Foto: Ricardo Galvão / Arquivo pessoal / BBC News Brasil

Então presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) o cientista Ricardo Galvão teve uma das demissões mais emblemáticas do governo Bolsonaro. Após o instituto divulgar dados sobre alta no desmatamento na Amazônia e ter o método questionado pelo presidente, que chegou a chamar o instituto de "mentiroso" Galvão garantiu a autenticidade dos dados e divulgou detalhes da metodologia do Inpe. 

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Apesar da boa relação com o ministro Marcos Pontes, a situação de Galvão ficou insustentável e o cientista, que meses depois foi considerado uma das dez personalidades da ciência do ano pela revista Nature, acabou deixando o cargo. Ele trabalhava no Inpe desde os anos 70.

Sem poder exonerar, Bolsonaro "se demite" do PSL

Joice Hasselmann entrou em rota de colisão com Bolsonaro
Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agencia Brasil / Estadão Conteúdo

Além das demissões de membros do governo, Bolsonaro também queimou pontes com vários ex-aliados. Após se afastar dos governadores João Doria, de São Paulo e Wilson Witzel, do Rio de Janeiro, o presidente rachou sua base ao meio ao declarar guerra ao presidente do PSL, Luciano Bivar. Ex-líder do governo no Congresso, a deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) foi uma das que acabou rompendo com o governo, perdendo o cargo no processo. 

Após a ebulição da crise, Bolsonaro, acompanhado pelo filho mais velho, Flávio, optou por deixar a legenda para fundar a sua própria sigla, que vai se chamar Aliança pelo Brasil. É esperado que pelo menos 30 parlamentares do PSL e de outros partidos da base aliada acompanhem o presidente. O PSL sozinho emplacou 52 deputados na Câmara Federal nas últimas eleições.

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Fonte: Redação Terra
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