A cena é clássica em novelas ou filmes: (quase sempre) imitando a vida real, uma personagem pega o telefone para falar com outra. O problema ocorre quando a sequência digitada (ou, pior, até às vezes sonoramente pronunciada) não é imaginária.
À primeira vista, a situação pode parecer improvável, mas milhares de pessoas ─ com bastante tempo livre de sobra, ressalta-se ─ tentam ligar para números que veem em novelas, filmes ou seriados.
Em 2010, o STJ (Supremo Tribunal de Justiça) condenou a TV Globo a pagar uma indenização de R$ 19 mil a uma mulher que teve o número de celular divulgado em uma novela da emissora. O caso havia ocorrido em 2003.
No processo, a dona do aparelho conta que passou a receber chamadas de pessoas "a qualquer hora do dia e da noite" para saber se o número realmente existia e se era o da atriz que interpretava a personagem.
Para evitar aborrecimentos desse tipo, vários países implantaram "medidas" em seus sistemas de comunicação.
Estados Unidos e Reino Unido, por exemplo, são dois que mantêm milhares de número telefônicos fora do alcance dos usuários: seu uso está reservado exclusivamente para a ficção.
Números famosos
Em 1982, a canção 867-5309/Jenny, interpretada pela banda de pop rock Tommy Tutone, causou furor. E muitos descobriram que efetivamente o número funcionava em diferentes regiões dos Estados Unidos. A piada na ocasião era sempre a mesma: o usuário digitava a sequência e pedia para falar com Jenny.
No Reino Unido, qualquer fã da série Doctor Who sabe de cor o número direto do doutor: 07700900461. A sequência foi mencionada pela primeira vez em um episódio veiculado em 2008. Mas quem quiser "falar" com o personagem, não terá êxito. "O número que você ligou não existe", diz uma mensagem automática.
Como essa combinação, existem mais de 20 mil que a autoridade reguladora das comunicações do Reino Unido, a Ofcom (a Anatel britânica), mantém fora de uso.
Uso exclusivo
Em 2000, quando os números de telefone no Reino Unido foram reorganizados, a Ofcom deixou 20 mil sequências reservadas para o uso no cinema, rádio e televisão. Entre eles há milhares que pertencem a regiões geográficas como Londres, Bristol ou Irlanda do Norte, enquanto outros são números de celular. Há também aqueles que parecem números de chamadas a cobrar.
"Trata-se de dar maior realismo às produções", diz Joe Smithies, porta-voz da Ofcom, à BBC.
"A ideia é apresentar um número que a audiência pode reconhecer como relevante no contexto histórico. Pode ser um número para uma área local específica, por exemplo, 020 para a série Eastenders, baseada em um bairro do leste de Londres, ou 07 para um número de celular", explica Smithies.
Também há milhares de números reservados que começam com a sequência 01632, pensados para séries ou filmes que não querem se associar a uma zona geográfica específica.
Nos Estados Unidos, por exemplo, normalmente produções cinematográficas usam a combinação tradicional 555 para retratar números de telefone.