Capital francesa segue exemplo de outras cidades do país e não terá fanzones para torcedores assistirem ao Mundial, por considerar uma afronta aos direitos humanos e ao meio ambiente a realização do evento no Catar.A prefeitura de Paris anunciou que não haverá fanzones com telões para transmissões dos jogos da Copa do Mundo do Catar este ano na capital francesa.
A decisão é uma forma de protesto contra as violações de direitos trabalhistas de migrantes que atuaram nas obras de infraestrutura do evento e o impacto ambiental de realizar um torneio de futebol dessa magnitude no meio do deserto. O anúncio é ainda mais emblemático, pois a França é a atual campeã da Copa do Mundo.
Em entrevista à rádio France Blue Paris, o vice-prefeito da capital francesa, Pierre Rabadan, disse que "estádios com ar condicionado" e as "condições em que essas instalações foram construídas" devem ser questionados. Ele também ponderou que a realização do evento em novembro e dezembro, época de baixas temperaturas na França, também dificulta a montagem das estruturas para exibir os jogos.
Rabadan enfatizou que, com a atitude, Paris não está boicotando o torneio de futebol. No entanto, segundo ele, o modelo do Catar de sediar grandes eventos "vai contra" o que Paris, sede dos Jogos Olímpicos de 2024, quer organizar.
A decisão do governo parisiense ocorre apesar do famoso clube de futebol da cidade, o Paris Saint-Germain, ser de propriedade da Qatar Sports Investments.
"Temos relações muito construtivas com o clube e sua comitiva, mas isso não nos impede de dizer quando discordamos", disse Rabadan.
Tendência na França
Recentemente, outras cidades francesas já haviam feito anúncios semelhantes. Segundo o jornal francês Le Monde, Marselha, Bordéus e Nanci estão entre as mais recentes a aderir à iniciativa, depois de Estrasburgo, Lille e Reims.
De acordo com o Le Monde, a cidade de Marselha considera que o torneio se transformou em "uma catástrofe humana e ambiental incompatível com os valores que queremos ver transmitidos através do esporte e do futebol em particular".
A prefeita de Estrasburgo, sede do Parlamento Europeu e do Tribunal Europeu de Direitos Humanos, citou alegações de abusos e exploração de trabalhadores migrantes no Catar como o motivo do cancelamento das transmissões na cidade.
"É impossível para nós ignorar as muitas advertências de abuso e exploração de trabalhadores migrantes feitas por organizações não governamentais", disse Jeanne Barseghian. "Não podemos tolerar esses abusos, não podemos fechar os olhos quando os direitos humanos são violados", acrescentou.
A prefeita também criticou os impactos do evento para o meio ambiente. "Quando a mudança climática é uma realidade palpável, com incêndios, secas e outros desastres, organizar um torneio de futebol no deserto desafia o senso comum e equivale a um desastre ecológico", ressaltou Barseghian.
O vice-prefeito de Lille, Arnaud Deslandes, afirmou que, ao cancelar a exibição pública dos jogos, a cidade quer enviar uma mensagem à Fifa sobre os danos irreparáveis do torneio no Catar ao meio ambiente.
"Queremos mostrar à Fifa que dinheiro não é tudo", disse. "Ainda não encontrei uma pessoa em Lille que tenha ficado desapontada com nossa decisão", complementou.
Economia de energia
Dadas as temperaturas muitas vezes abrasadoras no Catar, será a primeira vez que a Copa do Mundo será realizada no inverno no Hemisfério Norte, quando as condições climáticas para a exibição comunitária ao ar livre podem estar longe das ideias na Europa.
Soma-se a isso o fato de, neste ano, o continente estar na iminência de uma crise energética, dada a diminuição do fornecimento de combustíveis pela Rússia desde o começo da guerra na Ucrânia.
Ativistas ambientais em toda a França apoiaram o cancelamento das transmissões, uma vez que elas usariam a energia que o país vem armazenando para aquecer as casas e estabelecimentos no inverno.
Na cidade de Bordeaux, as autoridades citaram preocupações com o custo de energia associado às transmissões em meio ao frio. O governo francês vem pedindo uma redução de 10% no uso de energia do país para evitar o risco de cortes e racionamento.
"Estamos nos esforçando para economizar energia", disse o prefeito de Bordeaux, Pierre Hurmic. "Não faz sentido estender o tapete vermelho para um evento tão caro em termos de energia e impacto ambiental", ponderou.
Mais protestos
Os organizadores da Copa do Catar devem se preparar para muitos outros protestos e críticas a políticas da monarquia semiconstitucional.
A Dinamarca, por exemplo, lançou recentemente seus novos uniformes. Uma das camisas da seleção dinamarquesa é preta, em homenagem aos trabalhadores migrantes que morreram durante as obras.
Além disso, várias federações europeias de futebol querem que seus capitães usem uma braçadeira com um desenho de coração nas cores do arco-íris, em uma campanha contra a discriminação de pessoas LGBTQ.
O emirado, rico em gás, foi duramente criticado na última década por seu péssimo tratamento a trabalhadores migrantes, principalmente vindos do sul da Ásia. A mão de obra estrangeira é necessária para construir dezenas de bilhões de dólares em estádios, linhas de metrô, estradas e hotéis.
O Catar nega as acusações de abusos dos direitos humanos e também se diz atento às preocupações ambientais. O país se comprometeu a compensar algumas das emissões de carbono dos eventos da Copa do Mundo por meio da criação de novos espaços verdes irrigados com água reciclada e da construção de projetos de energia alternativa.
le (AP, ots)