Estudo com dados de 116 países aponta relação entre níveis crescentes de poluição e aumento da resistência de bactérias a antibióticos. Melhorar a qualidade do ar poderia evitar mortes e economizar bilhões de dólares.Os níveis crescentes de poluição do ar podem estar aumentando a resistência de bactérias a antibióticos. É o que sugere uma pesquisa publicada na revista científica The Lancet Planetary, que analisou dados de 116 países entre 2000 e 2018.
O estudo mostrou que a resistência a antibióticos é mais alta no norte da África, Oriente Médio e sul da Ásia, enquanto é mais baixa na Europa e na América do Norte.
Ao todo, a análise incluiu dados de mais de 11,5 milhões de amostras, abrangendo nove patógenos bacterianos (bactérias capazes de causar doenças) e 43 tipos de antibióticos.
Os pesquisadores examinaram dados sobre uso de antibióticos, saneamento, economia, gastos com saúde, população, educação, clima e poluição do ar. Entre as fontes estão a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Agência Europeia do Ambiente (AEA) e o Banco Mundial.
Como se tornam mais resistentes
O fato de haver tantas bactérias resistentes a antibióticos em todo o mundo se deve, principalmente, ao uso excessivo e inadequado de antibióticos na agricultura e à falta de novos antibióticos.
As bactérias podem se tornar resistentes a antibióticos quando desenvolvem mutações genéticas que lhes dão uma vantagem de sobrevivência em relação ao medicamento. Essas mutações fazem com que os antibióticos percam a eficácia, e algumas doenças infecciosas não conseguem mais ser tratadas com eficiência.
Como os mecanismos de resistência podem evoluir e se adaptar constantemente, o desenvolvimento de novos antibióticos é cientificamente desafiador - e caro, já que geralmente requer muitos anos de pesquisa e testes clínicos. Devido à baixa lucratividade e ao alto risco envolvido no desenvolvimento, há pouco incentivo para que as empresas farmacêuticas invistam nessa área.
A disseminação
Hospitais, áreas agrícolas e estações de tratamento de esgoto estão entre as rotas mais comuns de transmissão de bactérias resistentes a antibióticos. Elas são disseminadas principalmente pelo ar: partículas são liberadas por pessoas ou animais infectados e, então, inaladas por outros.
Em partículas finas, como poeira ou gotículas, bactérias resistentes podem se espalhar por longas distâncias - num mundo globalizado, por meio até de remessas de carga, por exemplo.
Acredita-se que materiais particulados - partículas muito finas de sólidos ou líquidos suspensos no ar - do tipo PM2,5 - com diâmetro inferior a 2,5 micrômetros, ou cerca de 30 vezes menor que a largura de um fio de cabelo - desempenhem um papel fundamental na disseminação de bactérias resistentes a antibióticos.
O material particulado é produzido, por exemplo, em indústrias, pela queima de carvão e madeira em residências e pelo atrito entre pneus e asfalto.
Essas partículas minúsculas podem adentrar profundamente nas vias respiratórias e causar doenças respiratórias potencialmente graves, problemas cardiovasculares e câncer de pulmão. Populações vulneráveis, como crianças e idosos, estão particularmente em risco.
Níveis elevados de PM2,5 provavelmente terão maior impacto sobre o número de mortes prematuras por resistência a antibióticos na China e na Índia, devido às suas grandes populações.
Segundo o estudo, em 2018, quase meio milhão de mortes prematuras já estavam ligadas à resistência de bactérias a antibióticos devido à poluição do ar, com um custo econômico de 395 bilhões de dólares.
Como evitar mortes
O controle adequado da qualidade do ar em ambientes hospitalares e áreas agrícolas "não apenas reduziria os efeitos prejudiciais da má qualidade do ar, mas também poderia desempenhar um papel importante no combate ao aumento e à disseminação de bactérias resistentes a antibióticos", afirma a principal autora do estudo, Hong Chen, professora da Universidade de Zhejiang, na China.
A modelagem de possíveis cenários futuros mostrou que a resistência a antibióticos pode aumentar 17% em todo o mundo até 2050 se a poluição do ar não for combatida de forma eficaz.
O número de mortes prematuras anuais relacionadas à resistência a antibióticos também subiria para cerca de 840 mil, com o maior aumento na África Subsaariana.
Ao mesmo tempo, melhorias significativas na qualidade do ar poderiam salvar centenas de milhares de vidas e economizar enormes custos. Segundo o estudo, se as diretrizes de qualidade do ar da OMS fossem cumpridas, 23% das mortes prematuras relacionadas poderiam ser evitadas, e cerca de 640 bilhões de dólares por ano seriam economizados.
Escassez de dados
Apesar dos números impressionantes, a correlação descrita no estudo entre o aumento dos níveis de poluição do ar e uma maior resistência a antibióticos apenas indica uma possível ligação entre os dois fatores, mas não necessariamente prova que um está causando o outro.
Segundo os autores do estudo, há uma grande escassez de dados, especialmente de países de baixa e média renda, que são justamente os mais afetados pela resistência a antibióticos.
Devido à disponibilidade limitada de dados e às diferenças regionais, são necessárias mais pesquisas para compreender completamente as interações subjacentes e confirmar uma possível relação causal direta entre os dois fatores, afirmam.