Por que Bolsonaro demora a escolher sucessor na PGR?

Presidente tem dito a aliados que não há prazo para decisão; o subprocurador-geral Alcides Martins assumirá o cargo interinamente

29 ago 2019 - 13h14
(atualizado às 13h27)
Foto: Danilo M. Yoshioka / Futura Press

Vista no Palácio do Planalto como a indicação mais importante para o governo em todo o mandato presidencial, a sucessão na Procuradoria-Geral da República se arrasta como uma novela com reviravoltas, muitas dúvidas e poucas certezas. O presidente Jair Bolsonaro planejava anunciar o nome até 17 de agosto, um mês antes do fim do mandato da procuradora-geral, Raquel Dodge, mas ainda não tomou a decisão. A aliados tem dito que não há prazo para a escolha. O principal motivo: nenhum candidato mostrou até agora que se encaixa no perfil pretendido. 

O PGR ideal, para o presidente, é um nome que traga estabilidade para a atuação do governo e ao mesmo tempo não perca tempo com questões vistas por Bolsonaro como "menores" - a defesa de direitos humanos, minorias e meio ambiente. Na busca por "alinhamento", o presidente relegou ao segundo plano a lista tríplice com os nomes mais votados pela carreira do Ministério Público Federal ­- Mário Bonsaglia, Luiza Frischeisen, e Blau Dalloul.

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Com a caneta na mão e o apoio dos presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF) e da Câmara dos Deputados, Raquel Dodge seria naturalmente a favorita à indicação para mais um mandato. No entanto, ela é vista com desconfiança no entorno do presidente por seu histórico de atuação em defesa de causas ambientais e de minorias - temas colocados como prioridade de sua gestão há dois anos, quando apontada ao cargo pelo então presidente Michel Temer.

Um dos interlocutores mais próximos do presidente diz que a atual procuradora-geral representa um dilema para o Palácio do Planalto. Seu perfil apaziguador é considerado trunfo para um presidente que "só quer paz para governar e mais nada", afirma, em caráter reservado. "Se não for ela, tem que ser um perfil como a Raquel Dodge", disse.

Por outro lado, as pautas que ela defende geram dúvidas no entorno de Bolsonaro. Há um temor sobre como seria a condução dela na parte ambiental - um dos pontos fracos do governo pela pressão que tem sofrido em relação ao tema, principalmente internacional. Esse aliado leal ao presidente diz que esses temas precisam ser conversados e frisa que Bolsonaro já esteve algumas vezes com Raquel Dodge, que não é carta fora do baralho. Mesmo as denúncias apresentadas pela procuradora-geral em relação ao então deputado Bolsonaro são tratadas pelo presidente como "águas passadas".

O mesmo argumento de não olhar para trás é o que mantém as esperanças do agora ex-favorito Augusto Aras. Apresentando-se como conservador, favorável a destravar a área da infraestrutura e a pauta ambiental, o subprocurador-geral saiu na frente no processo de sucessão ao reputar como corporativista a lista tríplice organizada pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que teve votação de 82% dos integrantes do Ministério Público Federal. Decidiu não se candidatar e defendeu a prerrogativa do presidente de escolher livremente o procurador-geral na categoria. Ganhou pontos.

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No entanto, Aras foi "alvejado" com notícias sobre declarações do passado e sua relação com políticos de esquerda, mas o que pesa mesmo para que não seja o escolhido é a falta de apoio dentro da categoria e da cúpula dos Três Poderes, que destaca, em conversas reservadas, o fato de ele não ter sido testado.

As dúvidas de Bolsonaro foram resumidas em um jantar com ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) e do governo, na semana passada. "Não adianta ser nota 10 em uma coisa e nota 4 na outra. Tem que ser nota 7 em tudo", disse, segundo pessoas presentes. No encontro voltou a dizer que não nomeará um "xiita ambiental".

Diferentemente do discurso de que está aberto a receber e conversar com todos os candidatos, Bolsonaro não se reuniu com a subprocuradora-geral Luiza Frischeisen, segundo lugar na lista tríplice, apesar de uma solicitação ter sido feita pela candidata. A postulante é vista no entorno presidencial como esquerdista.

Um parlamentar do PSL bastante próximo a Bolsonaro afirma, reservadamente, que é "hipocrisia" afirmar que o presidente deve indicar um PGR independente. "Tem que ter um mínimo entendimento em comum".

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Para um candidato que já se considera com poucas chances de ser indicado, Bolsonaro pensou que poderia fazer uma escolha com critérios pessoais, a partir de sua prerrogativa constitucional. Mas, com o tempo, percebeu que era preciso articulação política e com a própria categoria. Defensores da lista tríplice afirmam que o presidente trouxe mais dificuldade para si no processo de escolha, porque abriu espaço para nomes que, no fim, não seriam os melhores representantes para a categoria.

Um aliado do presidente comenta que, quando surge um nome especulado como cotado, a imprensa termina fazendo um papel "útil", ao levantar informações de longa data. Um candidato que sofreu com isso é o subprocurador-geral Antônio Carlos Soares, que já foi alvo de um processo por delitos contra a fé pública -falsificação de documento - na década de 1990.

Bolsonaro já disse que não fará o anúncio do PGR até 7 de setembro, mas não há um prazo definido. Como é necessário aprovação do Senado após sabatina, o atual vice-presidente do Conselho Superior do Ministério Público Federal, o subprocurador-geral Alcides Martins, assumirá o cargo interinamente.

O nome não é considerado um líder dentro da PGR, e foi eleito para o posto por critério de antiguidade, após empate em votação com o subprocurador-geral Nicolau Dino, aliado de Rodrigo Janot. Uma das primeiras análises feitas por gente próxima a Bolsonaro é que Alcides é um nome apaziguador e que sua interinidade deve servir como teste. Se ele tem chances de ser nomeado, é outra incógnita.

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