BRASÍLIA - O presidente Jair Bolsonaro ignorou todos os prazos de pedidos de explicações dados a ele pelos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Em 13, dos 150 processos contra o governo que tramitam na Corte, os ministros deram entre cinco e 15 dias para manifestação da defesa. Levantamento do Estadão mostra que, na maioria das vezes, Bolsonaro descumpriu o limite de tempo. Também há casos em que ele ignorou a Corte.
Desde o início do mandato, Bolsonaro mantém uma relação conflituosa com os magistrados, a quem acusa de ativismo judicial. O presidente já ameaçou inúmeras vezes descumprir decisões da Suprema Corte. No caso dos pedidos de explicações, ele não é obrigado a responder. Segundo juristas, porém, isso significa que as ações serão julgadas sem que o chefe do Executivo tenha apresentado seus esclarecimentos.
Das 13 solicitações, 11 foram respondidas fora do prazo e duas foram ignoradas. Um dos casos segue sem resposta há mais de um mês após o fim do limite de tempo determinado.
Na última sexta-feira, a ministra Cármen Lúcia fez mais um pedido de explicações ao presidente. Deu cinco dias para ele expor os motivos da mudança do desfile de 7 de Setembro do centro do Rio para Copacabana. Ação proposta pela Rede sustenta que a alteração no local da parada militar teria motivação política. O prazo de resposta começa a contar quando a Presidência da República for notificada.
Não é raro ministros estenderem "prazos irrevogáveis" para aguardar respostas de Bolsonaro. No dia 3 de dezembro do ano passado, a ministra Rosa Weber determinou que o presidente se manifestasse em até 15 dias sobre a acusação pela CPI da Covid do Senado de que praticou charlatanismo ao defender medicamentos sem eficácia para a covid-19.
Passados dois meses e 20 dias do prazo, o presidente não havia se manifestado. Em 23 de fevereiro deste ano, a ministra, então, estabeleceu novo "prazo improrrogável" para que Bolsonaro apresentasse sua versão. A resposta só veio, enfim, 19 dias depois do segundo limite de tempo.
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
Depois de ignorar a ministra, Bolsonaro respondeu que suas declarações públicas em defesa de tratamentos comprovadamente ineficazes para o tratamento da covid-19 foram feitas no "exercício da liberdade de expressão" e argumentou que "a opinião política eventualmente divergente não pode ser interpretada como fruto de ilícitos criminais". Com base na explicação, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Araújo, pediu, em julho, o arquivamento do caso.
Bolsonaro também ignorou questionamentos do Supremo mais de uma vez. No início de junho, o ministro Dias Toffoli deu cinco dias para que o governo explicasse a ordem de reajuste de 15,5% nos preços dos planos de saúde, anunciada pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). O presidente nunca respondeu.
A ANS, também questionada, apresentou uma explicação da sua parte oito dias depois do prazo. O processo foi encaminhado para a Procuradoria-Geral da República apresentar parecer e deve retornar ao gabinete de Toffoli, que terá de tomar a decisão sem as justificativas do presidente.
O presidente adotou o mesmo comportamento quando foi cobrado a explicar ataques a adversários políticos. Foi notificado por críticas ao então governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB). Só respondeu 17 dias após o prazo. Quando o alvo foi a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), Bolsonaro tinha 15 dias para se justificar. Manifestou-se seis dias após o prazo.
Além de não cumprir os prazos da Justiça, Bolsonaro, quando se manifestou, deu respostas evasivas na maioria dos casos. Em junho, o ministro André Mendonça estabeleceu prazo de dez dias para que o governo explicasse o sigilo imposto aos registros de visitantes do Palácio do Planalto e a outros atos do governo.
As respostas da Presidência chegaram cinco dias após o prazo determinado e repetiram dados veiculados pela imprensa, como o número de vezes em que os pastores Arilton Moura e Gilmar Santos estiveram na sede do governo.
Como revelou o Estadão, os dois foram os pivôs do gabinete paralelo montado no Ministério da Educação (MEC) na gestão do então ministro Milton Ribeiro. Segundo relatos de prefeitos, os pastores cobravam propina em troca da intermediação com o ministro de recursos para educação. O caso segue em aberto com investigações na Polícia Federal, mas o Executivo conseguiu contornar o STF.
Além dos 13 procedimentos em que houve solicitação de respostas, os demais processos no Supremo não avançaram e nem chegaram à fase de pedido de esclarecimentos ou mais informações.
O professor de Direito Constitucional Wallace Corbo, da Fundação Getulio Vargas (FGV-Rio), disse que o presidente pode ignorar os pedidos de explicação do Supremo, mas isso tem consequência: a Justiça terá de decidir sem saber o que o Executivo tem a dizer. Além de, segundo ele, expor a falta de deferência do presidente em relação à Corte.
Os pedidos de informação estão previstos em três leis diferentes que organizam a tramitação de algumas das principais ações que chegam ao Supremo. "Prazos curtos visam atender o contraditório, garantir o diálogo institucional entre os Poderes, evitar decisões monocráticas sem a escuta do outro Poder afetado por isso", afirmou.
PRERROGATIVA
Professor de Direito da USP, Renato Ribeiro disse que o pedido de informações está previsto na legislação e avalia que não há abuso da Corte. "O STF tem o poder de pedir explicação com base no sistema de freios e contrapesos, até porque essas explicações vêm por meio de processos e representações que partidos políticos têm feito contra atos de gestão do presidente. O STF tem, portanto, a prerrogativa de pedir informações e pode decidir sem elas, caso não sejam apresentadas pelo presidente", afirmou.
O levantamento do Estadão identificou que boa parte dos pedidos de explicação ocorreu durante a pandemia de covid-19. Em março do ano passado, Bolsonaro disse que "tiranos" estavam esticando a corda ao determinar medidas restritivas. Na ocasião, o presidente afirmou a apoiadores que poderiam "contar com as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade".
O caso chegou ao STF e ficou sob a relatoria do então ministro Marco Aurélio Mello. Ele pediu explicações, mas Bolsonaro solicitou que o caso fosse arquivado, sob o argumento de que as declarações tinham "cunho político, sem destinatário certo e específico". Foi atendido.