A prisão de Michel Temer, dois de seus ex-ministros e o amigo João Batista Lima Filho, o notório Coronel Lima, ocorre num dos momentos mais críticos para a Operação Lava Jato em seus cinco anos de existência. À parte a consistência ou não das revelações do dono da Engevix, José Antunes Sobrinho, o fato é que elas são conhecidas pelo menos desde outubro do ano passado, quando sua delação premiada foi homologada.
Já estava no horizonte da política e dos meios judiciais que Temer poderia ser preso. O próprio emedebista tinha essa preocupação no radar: despachava diariamente com assessores e advogados no escritório que mantém há muitos anos no Itaim, em São Paulo. Evitava entrevistas, dedicava horas a esmiuçar os vários inquéritos e a tentar rebatê-los juridicamente. Mas o caso Engevix não estava entre suas principais preocupações. Antes dele figuravam o chamado inquérito dos portos, a delação dos executivos da J&F - que ensejou a primeira denúncia contra ele, ainda em 2017 - e a acusação de recebimento de recursos da Odebrecht, negociados em jantar no Palácio do Jaburu em 2014.
A prisão preventiva coincide com um momento de intensa disputa de poder entre várias instituições e entre agentes públicos e políticos. Estão no tabuleiro as iniciativas do Supremo Tribunal Federal para ao mesmo tempo conter o "lavajatismo" e reagir a críticas, ataques e investigações contra a corte e seus integrantes; a necessidade de a própria Lava Jato reagir a sucessivos reveses que atingem a força-tarefa; as agruras do ex-juiz e ex-símbolo da Lava Jato Sérgio Moro se adaptar à sua nova condição de ministro e, portanto, ator da política; a dificuldade do governo de articular uma base de apoio no Congresso e votar a reforma da Previdência, e a maneira como o Congresso e, por conseguinte, a classe política tentam se recuperar do processo no qual foram dizimados pela Lava Jato e perderam força de negociação com o governo.
Todos esses episódios, de forma combinada ou específica, contribuem ou sofrem as consequências da escalada quase diária dessa disputa institucional por poder e prerrogativas, da qual a prisão do segundo ex-presidente em um ano é um dos capítulos mais dramáticos.
Ao ordenar as prisões, o juiz Marcelo Bretas, que tem sido muito vocal nas manifestações políticas nas redes sociais e se notabilizou graças à Lava Jato e na esteira da popularidade alcançada por Moro, testa a extensão de decisão do STF da semana passada, de que crimes relacionados a outros eleitorais devem ser julgados pela Justiça Eleitoral. Na delação, o dono da Engevix diz ter repassado R$ 1 milhão para a empresa do coronel Lima como fachada para esconder uma contribuição ao PMDB - que reverteria em benefícios em contratos já existentes para Angra 3 e concessões aeroportuárias.
Se fosse levada ao pé da letra, a ponto de representar o "fim da Lava Jato", como preconizaram procuradores que atuam na operação, a delação e as investigações dela decorrentes poderiam ir para a Justiça Eleitoral. Bretas decidiu ignorando essa interpretação. A defesa dos presos já se movimenta para contestar as prisões tendo a decisão do STF como parâmetro. E caberá à corte, mais uma vez, dirimir a controvérsia.
Veja o momento da prisão de Michel Temer
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Uma análise imediata das prisões de Temer permitiria tirar a conclusão de que elas são uma boa notícia para Bolsonaro, por atingirem um grupo político que foi apeado do poder com sua eleição e por vir num momento em que sua popularidade cai. Será? O tumulto político atingindo o sogro do presidente da Câmara - Moreira Franco, preso nesta quinta, é casado com a sogra de Rodrigo Maia - e um partido que detém 30 votos coloca em xeque a já conturbada negociação da reforma da Previdência. Mais: se já era latente o conflito entre os políticos e Moro antes dessa nova investida da Lava Jato, agora as condições para que o ministro da Justiça tenha êxito em sua negociação para a aprovação do pacote anticrime se deterioram ainda mais.
A prisão de Temer e dos demais aliados deve acentuar um movimento que já vinha ocorrendo: uma união tácita entre STF e Congresso para tentar conter o que ministros chamam de "perenização" da Lava Jato. É entendimento comum a políticos e ministros da corte que a Lava Jato deixou de ser uma operação - algo circunscrito a um objeto definido - e uma força-tarefa (por definição algo provisório) há muito tempo. Em cinco anos, a Lava Jato foi de uma ação contra doleiros de Brasília ao petrolão e, de lá, ao infinito e além. A ponto de hoje ter tentáculos em setores como elétrico e de transportes (em vários modais), atingir múltiplos partidos e se espraiar para governos dos Estados.
O discurso de que deve haver um fim da Lava Jato, cinco anos depois, já não é apenas entoado nos bastidores: ele começa a ser expressado publicamente. Resta saber nessa equação como vai se portar Bolsonaro, eleito em parte como consequência da "lavajatização" da política e tendo em seu ministério o símbolo máximo da operação, mas ao mesmo tempo premido pela necessidade de destravar a economia, tarefa para a qual precisa contar com o Congresso.