Ter conhecimento das oportunidades e das leis trabalhistas em Portugal são essenciais para quem pretende mudar para o país. Isto porque, em maio deste ano, entrou em vigor a reforma trabalhista portuguesa com mais de 70 alterações legislativas.
Com a implementação da Agenda do Trabalho Digno 2023 (ATD 2023), por meio da Lei nº 13/2013, de 3 de abril de 2023, a nova legislação alterou dispositivos da lei geral do trabalho portuguesa, da legislação processual, da Segurança Social (que, no Brasil, corresponde à Previdência Social), dentre outros dispositivos.
Mas, as alterações legislativas não param por aí. No entanto, o texto inicial da reforma trabalhista foi objeto de (i) retificação (Declaração de Retificação n.º 13/2023, de 29 de maio) e (ii) de regulamentação da proteção social (Decreto-lei nº 53/2023, de 5 de julho). E logo devem surgir mais novidades legislativas em relação à "ATD na Administração Pública" portuguesa.
Vale ressaltar que a ATD 2023 trouxe novidades em diversos aspectos, tais como: (i) novas medidas ou técnicas de combate à precariedade, (ii) trabalho em plataformas digitais, (iii) novidades ao nível de licenças, (iv) a criação de um estatuto laboral de "cuidador informal", (v) novo regime de contratos de trabalho a termo e contratos de trabalho temporário, (vi) igualdade e não discriminação, (vii) regras inovadoras ao nível da negociação coletiva, (viii) reforço da atividade inspetiva, entre outros.
No âmbito da regulamentação da ATD 2023, em relação ao nível do trabalho estrangeiro e à luz do (mais recente) Direito dos estrangeiros, para efeito, surgiram algumas novidades. No entanto, vale ressaltar que as mudanças poderiam ter ido mais longe, ou seja, avançado mais.
Como exemplo, destaca-se a questão do recrutamento internacional, do direito dos estrangeiros e trabalho à distância em Portugal. Com a introdução do chamado "visto de nômade digital" (artigo 61, B da Lei 23 Lei 23/2007, de 4 de julho), a demanda por este tipo de trabalho aumentou e sofreu alterações introduzidas pela Lei n.º 18/2022, de 25 de agosto.
Com isso, para requerer este tipo de visto de trabalho, basta que o cidadão estrangeiro possua (i) um contrato de prestação de serviços ou (ii) um contrato de trabalho, fazendo demonstração do vínculo, independentemente da sua natureza.
Refere, assim, a lei:
É concedido a trabalhadores subordinados e profissionais independentes visto de residência para o exercício de atividade profissional prestada, de forma remota, a pessoas singulares ou coletivas com domicílio ou sede fora do território nacional, devendo ser demonstrado o vínculo laboral ou a prestação de serviços, consoante o caso.
Este visto foi criado para situações de teletrabalho, "home office", trabalho remoto ou trabalho à distância. Nestes termos, cumpre relembrar que um nômade (pelo menos para efeitos laborais ou "trabalhistas") é aquele que exerce a sua atividade profissional sem um lugar fixo.
De acordo com informações veiculadas na imprensa portuguesa, este instrumento tem sido solicitado de forma positiva por cidadãos de nacionalidade brasileira, que se encontram envolvidos com este modo de trabalhar (ou mesmo de viver).
No entanto, faz-se necessário apontar algumas dúvidas. A lei portuguesa deixou, de fora, pelo menos de forma aparente, os regimes sobre promessas de trabalho (que são instrumentos negociais comuns, na obtenção de outros vistos até à data). Também deixou de fora uma oportunidade de melhor articular o regime de teletrabalho, previsto no Código do Trabalho Português, que se revela pouco flexível, com o regime de trabalhadores estrangeiros que tem sido progressivamente flexibilizado e mais facilitado.
Já em relação ao aditamento ao Código dos Regimes Contributivos (art. 33.º-A), no âmbito da ATD 2023, a nova lei determina que:
"Sempre que se verifique a comunicação pela entidade empregadora da admissão de trabalhador estrangeiro ou apátrida fora dos casos previstos no n.º 6 do artigo 5.º do Código do Trabalho, ou da cessação do correspondente contrato, são notificados os serviços de inspeção da Autoridade para as Condições do Trabalho".
A lei portuguesa obedece a critérios próprios sobre (i) como os contratos de trabalho com estrangeiros (fora do âmbito da União Europeia) são redigidos e (ii) a própria exposição dos deveres de informação.
Assim, já desde a "lei antiga", estes tipos de contratos são sempre sujeitos a uma forma escrita, obrigatoriamente, e obedecem a especificação própria dos documentos que autorizam o trabalhador estrangeiro a (i) residir, ou (ii) a laborar em Portugal (exemplo, título de residência, ou título de estudante estrangeiro autorizado a exercer uma atividade profissional em Portugal).
O reforço do poder de fiscalização da Administração laboral vem ganhar novos contornos diante do recrutamento internacional, em particular contra a contratação de trabalhadores que se encontram ilegalmente em Portugal.
Este objetivo é claro diante da nova lei, que manda notificar, obrigatoriamente, os serviços de fiscalização em caso de admissão (celebração do contrato de trabalho), assim como com a cessação do vínculo de trabalho, independentemente do motivo ou causa.
Num apontamento geral, a ATD 2023 procurou "agravar" o regime contraordenacional (regime administrativo punitivo) em caso de inobservância das regras laborais e de segurança social.
Assim, a admissão de trabalhadores estrangeiros, cada vez mais, obriga a que as empresas-empregadora reforcem os seus cuidados e a sua due dilligence ("DD") diante da nova lei.
No âmbito da regulamentação da ATD2023, ao nível de proteção social, clarificou-se e reforçou-se a posição do trabalhador estrangeiro.
A mais recente alteração legislativa - que veio regular a proteção social de trabalhadores no âmbito da ATD 2023 (artigo 28.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 53/2023, de 5 de julho) - dispõe, agora, sobre o aproveitamento ou não aproveitamento (cumulação ou contabilização/ não cumulação ou não compatibilização) de prestações sociais concedidas por sistemas de Segurança Social estrangeiras (por exemplo, a Previdência Social do Brasil).
Uma anotação que, no exercício de licenças de parentalidade e para efeitos de deferimento do respetivo subsídio, deve ser ponderada pelo cidadão estrangeiro. A lei faz uma ressalva para as regras de Tratados internacionais que possam estar em vigor com o Estado português. É o que acontece no caso do Brasil, com o Acordo sobre Segurança Social entre Portugal e Brasil.
Ainda mais, a lei refere agora expressamente (artigo 8.º do mesmo Diploma) que:
"Para efeitos do cumprimento do prazo de garantia são considerados, desde que não se sobreponham, os períodos de registo de remunerações ou de situação legalmente equiparada, em quaisquer regimes obrigatórios de proteção social, nacionais ou estrangeiros, que assegurem prestações pecuniárias de proteção na eventualidade maternidade, paternidade e adoção".
A concessão de apoios sociais em Portugal depende de um importante requisito apelidado de "prazo de garantia", isto é, um prazo de registo de remunerações e pagamento das contribuições sociais aos serviços de Segurança Social ou, em exemplo, de Previdência Social.
A nova lei vem permitir que se contabilize como prazo de garantia. Os cidadãos estrangeiros podem se beneficiar deste regime de proteção social português tendo por consideração o cumprimento de um prazo de garantia (considerado) em regime de proteção social estrangeiro, ainda que com os requisitos acima identificados.
Vale lembrar que, segundo o Governo português, a população legalizada de cidadãos oriundos do Brasil em Portugal passou para mais de 300 mil no primeiro semestre deste ano. Em dezembro de 2022, eram 233,1 mil.
Num apontamento final, relembramos que estes aspetos impactam não só a vida profissional dos trabalhadores, mas também a sua situação pessoal (singular ou familiar), enquanto cidadãos (estrangeiros) em Portugal.
Além disso, com o uso de novas tecnologias e novas formas de prestação de serviços, é de se esperar que mais mudanças trabalhistas ainda estejam por vir.
*David Carvalho Martins é advogado português, sócio do escritório Chiode Minicucci | Littler, mestre pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e doutorando pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e pela Facultad de Derecho da Universidad de Murcia (Espanha)