A região Sul do Brasil lidera as denúncias de assédio eleitoral — quando empregadores ameaçam ou prometem benefícios para que os funcionários votem ou deixem de votar em determinado candidato —, com 144 registros, segundo dados do Ministério Público do Trabalho (MPT).
O Paraná aparece em primeiro lugar nessa lista com 50 registros até o início da noite desta sexta-feira, 14, seguido por Santa Catarina (48) e Rio Grande do Sul (46).
Em todo o país já foram feitas 324 denúncias de assédio eleitoral até o momento. De acordo com o MPT, os registros da prática ilegal têm aumentado desde o início do segundo turno.
Em todo o pleito de 2018, segundo o MPT, foram registrados 212 casos de assédio eleitoral em 98 empresas em todo o país. Neste ano, conforme o órgão, os registros feitos até o momento envolvem cerca de 300 empresas.
Procuradores do MPT acreditam que, a pouco mais de duas semanas do fim do pleito, as denúncias devem subir ainda mais.
Entre os casos noticiados recentemente pela imprensa estão os de uma fabricante de máquinas e implementos agrícolas e uma prestadora de serviços de manutenção em máquinas da indústria de transformação do plástico, ambas no interior do Rio Grande do Sul.
As empresas, cujos donos defendem a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL), enviaram cartas aos seus fornecedores nas quais informaram possíveis cortes nos orçamentos e nas atividades a partir de 2023 caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vença.
Essas empresas foram alvos do MPT do Rio Grande do Sul, que investigou os casos e ajuizou ações civis públicas contra elas na Justiça do Trabalho.
"Tivemos um aumento significativo de denúncias, principalmente desde a semana passada, após o primeiro turno. Não que isso não existisse antes, porque tivemos casos em eleições passadas. Mas isso praticamente dobrou ou triplicou nas últimas semanas", diz o procurador-chefe do MPT do Rio Grande do Sul, Rafael Foresti Pego.
'Uma prática criminosa'
O aumento dessas denúncias em todo o país chama a atenção de autoridades e causa preocupação.
Presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Alexandre de Moraes convocou uma reunião com representantes do Ministério Público Eleitoral e do MPT para debater sobre um combate mais efetivo a esse tipo de crime.
"Lamentavelmente, no século 21, retornamos a uma prática criminosa que é o assédio eleitoral", declarou Moraes, na quinta-feira (13/10).
"Não é possível que ainda se pretenda coagir o empregado em relação ao seu voto", acrescentou o ministro, que classificou a prática como "nefasta".
Constrangimento e humilhação
Nas redes sociais, circulam vídeos de empresários de diversas regiões do Brasil dizendo que seus funcionários deveriam votar em Bolsonaro.
Em muitos desses registros, eles afirmam que as empresas devem enfrentar problemas econômicos em caso de vitória do candidato petista.
O MPT afirma que todos os vídeos que foram encaminhados para o órgão ou ganharam notoriedade nas redes são alvos de investigações.
O assédio eleitoral se trata de um caso de constrangimento ou humilhação a um funcionário em seu ambiente de trabalho.
"É uma forma de manipular o voto no ambiente de trabalho. É uma intimidação, uma ameaça no ambiente de trabalho para que o empregado vote em determinado candidato. Isso não pode ocorrer. Essa violência no trabalho precisa ser combatida", declara o procurador-geral do Trabalho do MPT José de Lima Ramos Pereira.
Uma fala ou uma mensagem que cause constrangimento ao trabalhador por seu posicionamento político é um caso de assédio eleitoral, explica o procurador.
Isso pode ocorrer por meio de declarações feitas pessoalmente ao empregado ou por meio de mensagens.
"Dentro da relação de trabalho há uma subordinação. Quando o empregador faz isso com falas de convencimento com oferta de dinheiro, pode até configurar como crime eleitoral de compra de voto", explica Adriane Reis de Araújo, procuradora regional do Trabalho.
"Isso também pode ocorrer fora do ambiente de trabalho, mas desde que vinculado ao trabalho, como em via pública por meio de convocação do empregador ou de seus representantes", explica.Adriane, que acompanha as denúncias em todo o país por ser coordenadora nacional da Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho (Coordigualdade) do MPT.
As principais ameaças, segundo os procuradores, são as de desemprego. "Dizem que se determinado candidato não for eleito pode haver redução de pessoal ou até de fechamento da empresa. Há também ameaça de dispensar determinados trabalhadores que apoiam candidatos oponentes, o que é uma clara discriminação política", diz Adriane.
A reportagem apurou que há casos de ameaças de cortes de benefícios dados aos trabalhadores, como o de cestas básicas, ou até mesmo de corte do 13° salário.
Os procuradores afirmam que não comentam sobre casos específicos e não detalham sobre a quais candidatos se referem as denúncias que têm recebido.
As denúncias pelo país
O MPT orienta que o trabalhador junte provas, como mensagens de texto, áudios ou fotos que comprovem o assédio eleitoral para colaborar com as investigações. Esses casos podem ser denunciados por meio do site do Ministério Público do Trabalho.
A segunda região com mais denúncias até o momento é o Sudeste (91), com Minas Gerais na primeira posição com 53 denúncias. Em seguida aparecem Campinas e região (15), São Paulo e Rio de Janeiro (ambas com 8) e Espírito Santo (7).
Depois aparece o Nordeste, com 51 registros até o momento: Piauí (9), Alagoas e Pernambuco (8), Sergipe e Rio Grande do Norte (6), Ceará (5), Maranhão (4), Paraíba (3) e Bahia (2)
No Centro-Oeste foram 20 registros: Mato Grosso (9), Distrito Federal (7), Mato Grosso do Sul (3) e Goiás (1).
Já na região Norte foram 18 até o momento: Rondônia (7), Pará (5), Tocantins (4), Acre (1) e Amazonas (1). Não houve registros, até o momento, no Amapá e em Roraima.
Os procuradores ouvidos pela BBC News Brasil afirmam desconhecer o real motivo para que a região Sul lidere esse tipo de denúncia.
Um dos motivos para que as denúncias tenham aumentado de modo geral neste ano, avaliam os procuradores, é o intenso esclarecimento sobre o assédio eleitoral por meio de campanhas de divulgação e até mesmo alguns Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) assinados por empresários que fizeram esse tipo de pressão e precisaram se retratar em vídeos nas redes sociais.
"Em parte, esse número (de 2022) ocorre em razão da conscientização da ilegalidade dessa prática em 2018, quando havia casos de procedimento padrão entre várias empresas com materiais em apoio a determinados candidatos", diz a procuradora Adriane Reis.
"É importante conscientizar as pessoas de que o voto é secreto e é um direito fundamental do cidadão. Cada eleitor tem o direito de tomar decisões com base simplesmente em suas convicções, sem ameaças", declara o procurador Rafael Foresti.