O presidente Jair Bolsonaro, familiares, ministros e aliados são alvo de investigações em curso, conduzidas pela Polícia Federal, Ministério Público Federal e Ministérios Públicos Estaduais por suspeitas de desvios e improbidade administrativa. O próprio Bolsonaro é alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita de interferência na Polícia Federal, investigação aberta após denúncia do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.
Apesar das declarações do presidente - como a dessa quarta-feira, 7, quando afirmou: "Acabei com a Lava Jato porque não tem mais corrupção no governo" -, suspeitas de práticas ilícitas já motivaram demissão, proposta de acordo judicial e denúncias oferecidas ao Supremo.
Relembre as investigações contra o representantes do governo Bolsonaro e aliados:
Jair Bolsonaro - Inquérito sobre interferência na PF
O Supremo Tribunal Federal (STF), provocado pelo procurador-geral da República, Augusto Aras, abriu inquérito para apurar as denúncias do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, sobre tentativas de interferência do presidente Jair Bolsonaro na Polícia Federal.
O inquérito tenta concluir se o presidente tentou, por meio de sua influência e de atos oficiais, acessar dados sigilosos da PF a fim de interferir em possíveis investigações contra familiares e aliados. Sob relatoria do ministro Celso de Mello, o inquérito levou ministros, delegados e parlamentares a prestarem depoimento, culminando na divulgação dos vídeos da reunião ministerial de 22 de abril.
Agora, com a aposentadoria iminente do decano, a dúvida é sobre quem herdará a presidência do inquérito. Bolsonaro nega publicamente ter tentado interferir na PF e, pouco depois da denúncia, afirmou não ter nenhum parente investigado pelo órgão.
Flávio Bolsonaro - 'Rachadinha' na Alerj
Filho mais velho do presidente, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) entrou na mira do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) em dezembro de 2018, após um relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) apontar movimentações atípicas na conta de Fabrício Queiroz, assessor de Flávio quando este era deputado estadual no Rio de Janeiro.
O Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (GAECC) do MP do Rio anunciou ter concluído a investigação no dia 31 de agosto. Os autos, que estão sob sigilo, foram remetidos à Subprocuradoria-Geral de Justiça de Assuntos Criminais e de Direitos Humanos do órgão, que faz os ajustes finais para apresentação da denúncia.
No inquérito, o filho do presidente foi investigado por peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Durante as investigações, o alcance dos fatos se expandiu, com o MP apontando ligações entre o senador, Queiroz, milicianos cariocas - como o ex-capitão da PM, Adriano da Nóbrega, morto em ação policial na Bahia e apontado como chefe do "escritório do crime" -, chegando a envolver até mesmo o nome da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, que recebeu 21 cheques de Queiroz, segundo consta em extratos bancários.
Em 23 de agosto, ao ser questionado por um repórter sobre os repasses de R$ 89 mil a Michelle, o presidente respondeu: "Vontade de encher tua boca de porrada". Enquanto isso, sobre o inquérito, Flávio nega irregularidades e questiona pontos da investigação que vão desde o foro de competência até o arrombamento de uma de suas lojas.
Onyx Lorenzoni - Confissão de caixa 2
Ex-deputado federal pelo Rio Grande do Sul (DEM), o ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, chegou a um acordo com a Procuradoria-Geral da República para pagar uma multa no valor de R$ 189,1 mil após confessar ter praticado caixa 2 nos anos de 2012 e 2014.
Em troca do arquivamento da investigação, Onyx se prontificou a pagar a multa e confessou à Procuradoria ter recebido caixa 2 de R$ 300 mil da J&F, controladora da JBS. No fim de setembro, o procurador-geral da República, Augusto Aras, recorreu ao STF para pedir à Corte que avalie o acordo fechado entre a PGR e o ministro.
O acordo de não-persecução penal foi o primeiro do tipo a ser fechado pela PGR no âmbito do pacote anticrime. Os termos, porém, não foram homologados devido a um recurso de Onyx sobre o juízo competente para investigá-lo.
Marcelo Álvaro Antônio - Candidaturas fraudulentas em Minas Gerais
O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, foi indiciado pela Polícia Federal, em outubro de 2019, por suposto desvio de recursos por meio de candidaturas femininas fraudulentas nas eleições de 2018. Na época, Marcelo Álvaro ocupava o posto de presidente do PSL, então partido do presidente Jair Bolsonaro, em Minas Gerais. Apesar das acusações, o presidente preferiu mantê-lo no cargo.
Segundo as investigações, o PSL utilizou candidatas em disputas de fachada para acessar recursos de fundo eleitoral exclusivo para mulheres. Os investigadores atribuem ao ministro o papel de articulador do esquema, imputando a ele a prática dos crimes de falsidade ideológica, associação criminosa e apropriação indébita. O ministro nega ter patrocinado qualquer esquema de candidaturas irregulares.
Também foram indiciados no caso as ex-candidatas Naftali de Oliveira Neres, Débora Gomes da Silveira, Camila Fernandes Rosa e Lilian Bernardino de Almeida - que, somadas, receberam 2.100 votos - e Mateus von Rondon, assessor especial do ministro.
Osmar Terra - contratos suspeitos no ministério
O deputado Osmar Terra (MDB-RS) foi demitido m fevereiro do Ministério da Cidadania em meio a críticas na condução do programa Bolsa Família, subordinado à pasta, e depois de reportagens do Estadão revelarem que o ministério, sob sua gestão, contratou uma empresa suspeita de ser usada como laranja para desviar R$ 50 milhões dos cofres públicos entre 2016 e 2018, durante a gestão de Michel Temer.
O ministério ignorou os alertas de fraude e firmou contrato com a empresa Business to Technology (B2T). Para atestar sua capacidade técnica, a B2T apresentou ações que teria desempenhado anos antes no Ministério do Trabalho, no entanto, o mesmo negócio foi alvo da Operação Gaveteiro, da Polícia Federal, que apontou que o serviço nunca foi prestado.
Antes de sua demissão, Terra publicou uma nota, afirmando que procurou a PF para investigar a contratação da empresa. "Todos os funcionários da linha de decisão e que estão envolvidos na contratação da empresa foram afastados num processo de aperfeiçoamento dos controles", afirmou. Ao contrário do que afirmou o deputado, no entanto, os envolvidos tinham sido apenas realocados.
Fábio Wajngarten - Verbas publicitárias sob suspeita
O chefe da Secretaria de Comunicação Social do governo, Fábio Wajngarten, foi indiciado pela Polícia Federal em mais de uma investigação. Os inquéritos que envolvem o secretário variam de suspeitas de peculato até o direcionamento de verbas a sites ideológicos.
Em fevereiro, a PF abriu inquérito para apurar suspeitas de peculato, corrupção passiva e advocacia administrativa contra o secretário pela sua participação na empresa FW Comunicação e Marketing, na qual é sócio. Já com Wajngarten como secretário, a empresa manteve contratos com ao menos cinco empresas que receberam recursos direcionados pela Secom, entre elas as redes de TV Band e Record. O secretário afirmou que os acordos comerciais foram feitos antes do seu ingresso na Secom - o da Band, por exemplo, há 16 anos. Esses contratos, segundo ele, "não sofreram qualquer reajuste ou ampliação" desde então.
Outra investigação foi aberta em setembro, para investigar se o governo direcionou verbas de publicidade para financiar páginas na internet dedicadas a promover manifestações contra a democracia. Um relatório parcial da PF, elaborado em julho, no âmbito do inquérito que apura a organização e financiamento de atos antidemocráticos, envolveu pela primeira vez o Palácio do Planalto diretamente no caso. Nesse caso, a Secom emitiu uma nota, na qual, entre outros pontos, citou que a "distribuição de verbas publicitárias é estritamente técnica e segue os critérios constitucionais" e que "a distribuição da publicidade digital oficial do governo federal é de responsabilidade do Google Ads".
Tarcísio de Freitas - Contratos no Dnit
Elogiado frequentemente pelo presidente pela quantidade de entregas, o ministro da Infraestrutura Tarcísio de Freitas entrou no radar da Polícia Federal por contratos assinados durante o governo Dilma Rousseff, quando chefiava o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit), com a mesma empresa contratada pela Cidadania, a Business To Technology (B2T). O ministro não é formalmente investigado, mas o nome dele é citado 17 vezes ao longo das 59 páginas do inquérito. Em nota oficial, a PF destacou que até a deflagração da Operação Circuito Fechado "não existiam elementos suficientes para qualquer conclusão acerca do envolvimento do ministro".
Tarcísio foi diretor da autarquia de 2012 a 2014, durante o governo de Dilma Rousseff. É ele quem assina parte dos contratos investigados na Operação Circuito Fechado, que no início de setembro apontou desvios de R$ 40 milhões dos cofres públicos por meio de uma empresa de tecnologia. A PF anexou às investigações ao todo nove documentos assinados (alguns à mão) pelo então diretor do Dnit. Em sete deles consta apenas o nome de Tarcísio como representante do órgão.
O primeiro contrato com a B2T para fornecer licenças de softwares (programas de computadores) para o Dnit foi assinado pelo atual ministro em 14 de agosto de 2012, no valor de R$ 11,7 milhões. Depois disso, mais dois aditivos, nos anos seguintes, tiveram o aval dele, elevando o negócio para R$ R$ 22,6 milhões. Segundo a PF, não há qualquer evidência de que o serviço foi efetivamente prestado e a suspeita é de que as contratações serviram de fachada para o dinheiro ser desviado.
Apoiadores do presidente na mira do STF
Grupos aliados que defendem o presidente também são alvo de inquéritos no Supremo Tribunal Federal (STF).
Os mais "famosos" entre os procedimentos são o inquérito das fake news, aberto pela Corte em 14 de março, para investigar "notícias fraudulentas (fake news), denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de animus caluniandi, diffamandi ou injuriandi, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares, extrapolando a liberdade de expressão".
Ao instaurar a investigação, o ministro Dias Toffoli citou artigo do regimento interno do STF segundo o qual "ocorrendo infração à lei penal na sede ou dependência do tribunal, o presidente instaurará inquérito, se envolver autoridade ou pessoa sujeita à sua jurisdição". O trecho serve como base para a investigação contra supostas ameaças contra a Corte.
Sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes, o inquérito motivou operações como a realizada no mês de maio, que mirou o chamado "gabinete do ódio", cumprindo mandados de busca e apreensão em endereços de sites e blogs bolsonaristas e de empresários que estariam financiando o grupo criminoso. A ação tirou do sério o presidente, que em declaração inflamada declarou que "acabou, p...".
Outro inquérito instaurado é o que investiga atos antidemocráticos. Em abril, Augusto Aras pediu a abertura de apuração de "fatos em tese delituosos envolvendo a organização de atos contra o regime da democracia participativa brasileira". O pedido do PGR foi acatado pelo ministro Alexandre de Moraes, sorteado como relator do caso.
A partir deste inquérito foram autorizadas as operações da Polícia Federal que resultaram na prisão da extremista bolsonarista Sara Giromini e na Operação Lume, que cumpriu 21 mandados de busca e apreensão em cinco Estados e do Distrito Federal. Entre os alvos, estavam o deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) , o blogueiro Allan dos Santos, o empresário e advogado Luís Felipe Belmonte, principal operador político do Aliança pelo Brasil. Tanto na operação Lume quanto na destinada à prisão de Sara, o pedido partiu do próprio MPF.