Em meio a campanha maciça de marketing pró-exército, Moscou eleva número de recrutas convocados a cumprir serviço militar temporário obrigatório. Defensores dos direitos humanos temem que jovens sejam enviados à Ucrânia.O recrutamento militar anual de primavera da Rússiateve início em 1º de abril, depois de o presidente Vladimir Putin assinar um decreto ordenando a convocação de 147 mil recrutas com idades entre 18 e 27 anos para o ano obrigatório de serviço militar. O número é, em média, cerca de 8% maior que nos anos anteriores. Na primavera de 2022, por exemplo, foram 134,5 mil convocados.
Neste ano, o recrutamento de primavera é acompanhado por uma campanha de marketing maciça na esperança de conquistar mais jovens e convencê-los a servir nas Forças Armadas por meio de contrato. Segundo uma fonte da agência de notícias Bloomberg, o exército russo pretende reunir cerca de 400 mil soldados contratados para enviá-los à guerra na Ucrânia.
O Ministério da Defesa da Rússia, contudo, rejeitou os rumores e relatos de que o país esteja preparando outra mobilização.
"Nosso Estado-maior não está planejando uma segunda onda de mobilização. O número de pessoas que já foram convocadas e que se ofereceram para a operação especial é suficiente", insistiu Vladimir Tsimlyansky, chefe da diretoria de organização e mobilização do Estado-Maior das Forças Armadas russas - a Rússia usa o termo "operação militar especial" para se referir à invasão da Ucrânia.
Marketing militar
Serguei Chernyshov, diretor de um instituto de ensino superior em Novosibirsk, na Sibéria, revelou que a instituição foi solicitada a fazer campanha a favor da carreira militar entre seus alunos, com material promocional recebido de autoridades locais. Nas redes sociais, Chernyshov falou sobre um panfleto que promovia as vantagens que jovens teriam se servissem nas forças armadas russas.
O diretor não mediu palavras para condenar a campanha de recrutamento. "Na minha opinião, oficiais do governo escolheram o público-alvo errado para esta campanha de marketing, porque estudantes só precisam prestar serviço militar mais tarde. É uma loucura pedir-lhes que larguem [seus estudos] e mudem para o exército. Eles estão buscando completos idiotas? Além disso, está em completa contradição com nossos valores, que sustentam que política e educação devem ser separadas."
O portal Taiga.info informou que a cidade de Novosibirsk enviou panfletos semelhantes também a administradores de imóveis do município, solicitando que eles fossem dispostos "em quadros de avisos, portas de casas e escadas".
Kremlin pretende fortalecer exército
Em janeiro de 2023, o ministro da Defesa da Rússia, Serguei Shoigu, anunciou uma reforma no exército do país. A meta seria aumentar o efetivo das forças armadas em 350 mil soldados, passando de 1,15 milhão para 1,5 milhão - embora especialistas considerem irrealista recrutar tantos soldados em tão pouco tempo.
O Kremlin também propôs que a idade mínima para recrutamento, atualmente entre 18 e 27 anos, seja elevada para de 21 a 30 anos. Por enquanto, contudo, os deputados da Duma, câmara baixa do Parlamento do país, querem elevar apenas o limite máximo de idade. Isso expandiria o grupo de pessoas que podem ser convocadas no curto prazo, com o limite inferior definido para aumentar apenas gradualmente.
Mas essa reforma não tem nada a ver com o atual projeto de primavera, afirma Alexei Tabalov, ativista de direitos humanos e diretor de uma organização que auxilia recrutas russos. Ele acredita que o recrutamento para o serviço militar está sendo realizado "de acordo com as regras antigas".
Serguei Krivenko, diretor do grupo de direitos humanos Citizen Army Law, concorda. "Este é [provavelmente] o último ou o penúltimo recrutamento em que apenas os menores de 27 anos serão chamados", afirma.
Pouco antes do recrutamento de primavera, o Ministério da Defesa russo iniciou uma campanha instando os homens a se juntarem às forças militares como soldados contratados. Segundo defensores dos direitos humanos, materiais promovendo tal medida estão sendo enviados juntamente com os avisos de recrutamento.
Além de campanhas do governo no Telegram, materiais de marketing também estão sendo espalhados em várias páginas na internet locais, assim como em bibliotecas, repartições públicas e escolas de atletismo.
Os recrutas serão enviados para a Ucrânia?
Apesar das repetidas declarações feitas por oficiais russos alegando que soldados que cumprem o serviço militar temporário obrigatório não serão enviados para lutar na Ucrânia, relatos contrários de civis têm aparecido repetidamente na mídia. Parentes denunciam que seus familiares foram de fato destacados para a zona de combate, ou para muito perto dela.
Uma mulher que se identificou como Galina reclamou que seu filho recebeu ameaças de ser enviado de Novosibirsk, onde prestava serviço militar, para a região de Belgorod, a mais de 3,5 mil quilômetros de distância, já perto da fronteira com a Ucrânia. "Por que ele seria enviado para lá após apenas três meses de serviço militar? O presidente ordenou que nenhum recruta fosse enviado para a zona de combate", disse a mãe.
Alexei Tabalov confirma que recrutas estão sendo enviados para a área de conflito, apesar das declarações de Vladimir Putin garantirem o contrário. "Recebemos regularmente relatos sobre recrutas sendo enviados para áreas fronteiriças à Ucrânia para o serviço militar."
No início de março de 2022, logo após o início da guerra, Putin afirmara que nenhum recruta participaria do conflito na Ucrânia. Contudo, o Ministério da Defesa rapidamente reconheceu ter cometido erros e admitiu que recrutas estavam de fato sendo enviados para a zona de combate. Isso também foi confirmado por familiares de soldados russos mortos a bordo do Moskva, o navio de guerra que foi afundado por foguetes ucranianos no Mar Negro em abril de 2022.
Nos últimos meses, revelou-se que recrutas estão recebendo ordens de cavar trincheiras na fronteira com a Ucrânia. Muitas fotos publicadas na internet por membros das forças russas confirmam isso.
"O fato de o Ministério da Defesa da Rússia querer substituir a mobilização fazendo com que mais pessoas assinem contratos como soldados indica que os recrutas são provavelmente o grupo-alvo mais importante dessa campanha publicitária", afirma Tabalov.
Ele teme que, no futuro, haja ainda mais relatos de recrutas sendo obrigados a se juntar às forças russas.