Segunda onda de coronavírus: qual é afinal a posição da OMS sobre o confinamento contra a covid-19?

Quando um alto funcionário da organização pediu para se parar de usar confinamentos como principal método de controle do coronavírus, muitos disseram que a organização havia recuado. Mas as coisas são um pouco mais complicadas.

18 out 2020 - 15h50
(atualizado às 15h57)
David Nabarro é enviado especial da OMS para covid-19
David Nabarro é enviado especial da OMS para covid-19
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Nós, da Organização Mundial de Saúde (OMS), não defendemos o confinamento como o principal meio de controle desse vírus."

Quando o enviado especial da OMS para covid-19, o britânico David Nabarro, se expressou dessa forma em uma entrevista para a revista The Spectator, ele certamente não imaginou a tempestade que suas palavras produziriam.

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"Os confinamentos têm uma consequência que não devemos nunca subestimar: eles tornam os pobres muito mais pobres", disse Nabarro.

Pouco depois, inúmeros meios de comunicação e personalidades começaram a noticiar que a OMS havia recuado em seu apoio aos confinamentos. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chegou a afirmar que a organização estava concordando com ele.

"A Organização Mundial da Saúde acaba de admitir que eu estava certo. Os confinamentos estão matando países em todo o mundo. A cura não pode ser pior do que o problema (...). Uma longa batalha, mas eles finalmente fizeram a coisa certa", disse Trump na segunda-feira por meio de sua conta no Twitter.

A posição do presidente americano é a mesma do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro (sem partido), que por diversas vezes criticou as medidas de isolamento social adotadas por Estados e cidades do país, alertando que os prejuízos à economia poderiam ser piores que os impactos da própria pandemia.

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Em um encontro com produtores rurais, em setembro, o presidente disse que as defesas da necessidade de isolamento, eram "conversinha mole". "Isso é para os fracos. O vírus, eu sempre disse, era uma realidade, e tínhamos que enfrentá-lo. Nada de se acovardar perante aquilo que nós não podemos fugir dele", afirmou Bolsonaro

Na maioria do Brasil, foram adotadas medidas de isolamento mais brandas, mas, em cidades de alguns Estados, foram aplicados períodos de confinamento por determinação da Justiça ou por decisão de prefeitos ou governadores.

Em reação a isso, o governo Bolsonaro editou uma medida provisória para concentrar no Executivo federal o poder de estabelecer normas sobre esse assunto. A questão foi parar no Supremo Tribunal Federal, que decidiu que Estados e municípios tinham autonomia para determinar medidas de isolamento.

'Mais uma arma do arsenal'

Em resposta ao comentário feito por Trump, Nabarro afirmou que o problema é usar os confinamentos como "principal meio de controle" do coronavírus. Uma porta-voz da OMS, Margaret Ann Harris, esclareceu que essa sempre foi a posição da organização, que nunca deixou de considerar o confinamento "mais uma arma do arsenal" de combate à pandemia.

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"O que sempre dissemos é que os confinamentos podem ajudar a ganhar algum tempo, especialmente se houver transmissão comunitária intensa", explicou Harris.

"Você pode se encontrar em uma situação em que a transmissão é intensa e, por diferentes motivos, não é possível identificar ou rastrear todos os infectados. Neste caso, talvez seja necessário frear a propagação do vírus com o uso do confinamento."

Vários países europeus ordenaram novos confinamentos em parte de seu território
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

"Mas gostaríamos de ver governos e comunidades aplicarem continuamente todas as outras coisas que podem ajudar a conter a transmissão do vírus", insistiu a porta-voz da OMS.

No nível individual, isso inclui a lavagem das mãos, o distanciamento físico, o uso de máscaras e evitar contatos próximos, aglomerações e espaços mal ventilados.

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"No nível governamental, gostaríamos de ver melhores sistemas de testagem e rastreamento, que garantam que todos os casos e todos os contatos de pessoas infectadas sejam realmente identificados e que garantam que todas essas pessoas se isolem durante o tempo necessário", disse Harris.

"Se tudo isso for feito, e há muitos países que fizeram muito bem, reduz-se a transmissão e pode-se manter a sociedade funcionando."

Para a OMS, um bom sistema de teste e rastreamento é a chave para conter o vírus
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

Todos esses pontos também foram levantados por Nabarro durante sua entrevista, na qual também reconheceu que os confinamentos poderiam ser justificados "para ganhar tempo, reorganizar, reagrupar, redistribuir recursos e proteger os trabalhadores do setor de saúde".

"Realmente pedimos aos líderes mundiais que parem de usar confinamentos como seu principal método de controle. Desenvolvam sistemas melhores para isso. Trabalhem juntos e aprendam uns com os outros", disse ele ao The Spectator.

Erro comum

Para Harris, esse último ponto é o mais importante. "Nabarro estava enfatizando que em alguns lugares os governos talvez não estejam se concentrando nas outras medidas e estejam pulando diretamente para os confinamentos e alertando que este não é o caminho", disse.

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"Para que nós possamos viver com segurança enquanto o vírus está circulando, temos que tomar todas as outras medidas de forma consistente."

O fato de um confinamento não ter sido ordenado não significa que as coisas possam voltar ao normal
Foto: EPA / BBC News Brasil

Para a porta-voz da OMS, muitas medidas e restrições devem continuar a ser implementadas mesmo após a disponibilização da vacina, para garantir a segurança de quem ainda não está protegido por ela.

E a porta-voz ressaltou ainda que, nas atuais circunstâncias, a falta de confinamento não deve ser interpretada como uma volta à normalidade.

"Isso tem sido um erro comum. Quando o confinamento é suspenso, as pessoas agem como se tivessem saído da prisão e dissessem: 'Agora vamos nos vingar'."

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