BRASÍLIA - O Orçamento apertado de 2020 vai obrigar o governo a negociar com deputados e senadores para fechar as contas. As emendas parlamentares passaram a responder por uma parcela maior do dinheiro disponível, já que houve um achatamento nas verbas direcionadas paras despesas com o custeio da máquina pública e investimentos.
O valor previsto para emendas individuais e de bancada crescerá dos atuais R$ 10,7 bilhões, no Orçamento de 2019, para R$ 16,2 bilhões, segundo o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2020. Por outro lado, a quantia reservada para custeio e investimento (as chamadas verbas discricionárias, cujo gasto não é obrigatório) vai cair de R$ 102 bilhões para R$ 89 bilhões. Com isso, no ano que vem, os valores para emendas equivalerão a 18,1% das verbas discricionárias - bem mais do que os 13,4% de 2019.
Emendas parlamentares são dispositivos pelos quais deputados e senadores podem alocar recursos do Orçamento em projetos de sua escolha. Geralmente, as indicações são feitas para obras em seus redutos eleitorais. Atualmente, o pagamento é obrigatório apenas para as emendas individuais dos congressistas. Mas o Congresso aprovou neste ano também a obrigatoriedade no pagamento das chamadas emendas de bancada.
Com isso, o caminho do dinheiro se inverteu em Brasília. Se antes os congressistas buscavam o governo para pedir investimentos em suas regiões e recursos para suas principais "bandeiras", agora é o Executivo que terá de procurá-los para negociar a alocação das emendas.
O drama da falta de recursos já está sendo avaliado por parlamentares que integram a comissão mista de Orçamento do Congresso. "É uma questão de utilizar recursos muito escassos nas áreas mais delicadas", disse o deputado Vicentinho Júnior (PL-TO). "Saneamento é uma delas, questão da segurança, incentivo à tecnologia."
O secretário-executivo do Ministério da Saúde, João Gabbardo dos Reis, afirmou ter "esperanças" de que mais recursos cheguem à pasta por meio das emendas parlamentares. A ideia é a de que a verba seja destinada para o pagamento de ações na atenção primária de saúde e também para as de média e alta complexidade.
Integrante do partido do presidente Jair Bolsonaro e também membro da comissão de orçamento, o deputado Filipe Barros (PSL-PR) contou que já teve conversas sobre o assunto nos ministérios da Educação e da Saúde. O pagamento de bolsas do CNPq, por exemplo, dependerá de reforço orçamentário que pode vir pelas emendas. "O Ministério da Educação sabidamente precisa de mais recursos", disse Barros. "Estive também com o ministro (da Saúde, Luiz Henrique) Mandetta nesta semana, que também me fez esse pedido, de que o ministério precisa de mais orçamento."
O aperto também chegou ao Censo Demográfico 2020, o maior levantamento estatístico do País. O governo pretende buscar R$ 300 milhões em emendas parlamentares para complementar o orçamento do censo, que tem até agora apenas R$ 2 bilhões reservados para levar a pesquisa a campo em todos os lares brasileiros. Relator da proposta orçamentária, Domingos Neto (PSD-CE) já se reuniu com a presidente do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Susana Cordeiro Guerra, para tratar do assunto.
Da oposição, Beto Faro (PT-PA) pontuou que o reforço aos ministérios "depende muito" da característica da base de cada parlamentar. O cuidado para que o destino escolhido não fique em segundo plano pelo governo também é pesado na conta. "Nós vamos dialogar muito com governo e ministérios sobre a aplicação desses recursos, porque não dá para fazer e depois só liberar para quem é da base", disse Beto, também da comissão de Orçamento.
Achatamento
De acordo com o diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, Felipe Salto, o nível dos investimentos do governo federal em 2020 será o menor da história. Pela proposta orçamentária, a União terá apenas R$ 19,36 bilhões para investir, já que os R$ 69,8 bilhões restantes para despesas discricionárias servirão para o custeio da máquina pública. Enquanto isso, só as emendas têm R$ 16,2 bilhões. "Com o crescimento das despesas obrigatórias, o grau de liberdade para a alocação do gasto discricionário tem diminuído."
Um dos motivos para o aumento do volume das emendas parlamentares para 2020 foi a aprovação, neste ano, da PEC do Orçamento impositivo. Desde 2017, as emendas de bancada correspondiam a 0,6% da Receita Corrente Líquida (RCL) prevista para o ano, mas esse porcentual subirá para 0,8% em 2020 e 1% a partir de 2021.
Destino de verbas será influenciado pelas eleições
O analista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, avalia que as eleições municipais de 2020 devem ter peso significativo na escolha do destino dos recursos de emendas de deputados e senadores. "Anos eleitorais sempre levam à focalização dos esforços dos parlamentares para que as emendas sejam concentradas em suas regiões de origem, mas isso também depende da existência de projetos e políticas que, muitas vezes, são definidos pelo próprio governo", diz.
Para Cortez, o aumento do poder das emendas parlamentares reforça o protagonismo que o Congresso passou a ter no governo Bolsonaro. "O desgaste político criado pelo governo com as reiteradas críticas à chamada 'velha política' acabou reduzindo o poder institucional do Executivo. O Parlamento aumentou bastante o seu poder de agenda e agora terá ainda mais poder na alocação dos recursos."
A Constituição já obriga que pelo menos a metade do valor das emendas parlamentares seja destinada à Saúde, mas a visibilidade política dos investimentos na área faz com que, tradicionalmente, a destinação supere esse porcentual. A Saúde ficou com 52,11% dos R$ 13,723 bilhões originalmente previstos para as emendas parlamentares neste ano. Ministérios com atuações mais "genéricas", sem contato direto com a população dos grandes centros, acabam preteridos.