“Sou da direita democrática, não direita burra”, diz Boris

Jornalista chama ‘cancelamento’ de “nojento”, critica regulação da mídia proposta por Lula e se diz ‘Roberto Marinho de si mesmo’

4 jun 2021 - 14h15
(atualizado às 14h15)

Boris Casoy faz bem ao telejornalismo. Suas análises e opiniões nas manhãs da TV Gazeta de SP tiram o telespectador da letargia.

De sua casa, o veterano comanda o ‘Jornal do Boris’ todas as manhãs na TV Gazeta
De sua casa, o veterano comanda o ‘Jornal do Boris’ todas as manhãs na TV Gazeta
Foto: TV Gazeta/Divulgação

Ao invés de receber as notícias passivamente, o público de casa é instigado a refletir e se posicionar. A televisão brasileira precisa de mais âncoras nesse papel relevante.

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Walter Cronkite, a maior lenda entre os apresentadores de telejornal nos Estados Unidos, dizia que o jornalista na bancada tem o direito de dizer o que pensa.

Atacado desde sempre por se posicionar diante das câmeras e ser rotulado de direitista conservador, Boris manteve a credibilidade entre os altos e baixos nas passagens por SBT, Record, TVJB, Band e RedeTV!

Sem temor de desagradar, o âncora relembra nesta entrevista o polêmico debate presidencial entre Lula e Collor mediado por ele, comenta seu pensamento político e fala da liberdade absoluta no ‘Jornal do Boris’.

Em dezembro de 1989, o senhor foi um dos mediadores dos debates com Collor e Lula, realizados por um pool de emissoras. Quais lembranças têm daqueles eventos importantes? 

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Naquela eleição, a campanha eleitoral foi caracterizada por um nível baixíssimo. No segundo turno as coisas pioraram muito, com acusações pessoais que chegaram ao patamar da sordidez. E isso acabou se refletindo nos debates. Eu fui sorteado para abrir os dois debates do segundo turno. O ambiente era muito pesado, inclusive entre os assessores dos candidatos. Havia o compromisso de ambas as assessorias que, se não me engano, no segundo debate, Lula e Collor se cumprimentariam diante das câmeras. Na hora, Lula não se moveu, negando o cumprimento ao adversário. Quem vê a gravação pode notar a minha surpresa revelada por uma longa e disfarçada pausa em que manuseei papéis. Então abri o debate. Lula me pareceu mais nervoso. Antes do início da transmissão, fui até as bancadas e, num gesto formal, cumprimentei os candidatos. Lembro do silêncio; era absoluto.

Houve polêmica em relação à edição de uma matéria exibida no ‘Jornal Nacional’, na qual Collor foi apresentado como vencedor do segundo debate. Anos depois, o próprio Boni, então vice-presidente do canal, admitiu ter havido um movimento para beneficiar o candidato preferido de Roberto Marinho. O senhor acompanhou aquele episódio?

A manipulação foi visível, embora Fernando Collor tenha ganhado o debate. Lula estava mal naquela noite. Depois das eleições, os próprios petistas reconheceram a vitória de Collor no debate. Mais recentemente, Boni admitiu a manipulação. Eu estava preocupado com a edição do ‘Telejornal Brasil’. Afinal, o SBT era a segunda rede nacional. O jornalista Paulino Senra foi designado para editar o debate. Permaneci com ele o tempo todo na cabine de edição. O jornalista Dácio Nitrini também. Não foi fácil, mas conseguimos um resultado equilibrado, refletindo o que foi o debate.

Em 1989, Boris mediou o controverso debate entre Collor e Lula; na época, ele comandava o prestigiado ‘TJ Brasil’ no SBT
Foto: Divulgação/SBT e Divulgação/Pool de emissoras

A televisão sempre exerceu imensurável influência nos processos eleitorais. Acredita que o veículo tem o poder de eleger um candidato ou impedir sua eleição?

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A televisão continua sendo um instrumento importante para a eleição. Hoje, a internet divide esse papel com a TV. Ambas, bem trabalhadas, podem ser decisivas num pleito. Mas o ‘produto’, no caso, o candidato, precisa preencher os anseios da maioria dos eleitores naquele momento. TV e internet são fatores determinantes, mas não exclusivos. Outros mecanismos psicossociais estão envolvidos, inclusive o imponderável.

O presidente Jair Bolsonaro diz ter sido eleito graças às redes sociais, sem ter precisado da televisão. Acredita nessa teoria?

Na minha opinião, o presidente Bolsonaro foi eleito principalmente como uma resposta do eleitorado às gestões catastróficas do PT e pela descoberta do assalto aos cofres públicos calcado no partido que pregava a ética. Esses fatos bem explorados pelos bolsonaristas na internet foram importantes na eleição. Ainda não se pode cravar a internet como definitivamente decisiva, até porque ela ainda não alcança a massa, como a TV.

O senhor sempre foi associado à direita no espectro político. O que acha da presença mínima ou até completa ausência de comentaristas de política defensores do pensamento de direita em canais de TV?

No espectro europeu sou de direita, direita democrática. Não da direita burra, extremista, embora eu tenha sido injustamente acusado disso. Jornalistas, quaisquer que sejam suas posições políticas pessoais, têm a obrigação de agir profissionalmente, de maneira ética e com a verdade dos fatos. Os tais pensamentos chamados de esquerda e direita no Brasil, são na maioria dos casos de extrema-esquerda ou extrema-direita. As outras posições — centro-esquerda e centro-direita — se confundem entre si. Infelizmente, em nosso País, ainda há quem acredite no marxismo, o que o mundo moderno abandonou há muito tempo. Sobraram ditaduras como Cuba e Coreia do Norte. Um fato curioso é a negação por parte da extrema-esquerda de que as guerrilhas tentaram levar o Brasil a uma ditadura comunista. Há um esforço para reescrever a história, classificando os guerrilheiros brasileiros como defensores da democracia. Será que eles têm vergonha de dizer que lutaram pelo comunismo? Sobre as posições políticas dos jornalistas, com exceção daqueles que defendem posições por outros interesses, considero que se o comentarista é profissionalmente correto, a posição política dele é irrelevante. Pelo menos para mim.

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A ‘banana’ que Boris deu aos vereadores da cidade de São Paulo por aumentarem o próprio salário, em 2016
Foto: Reprodução/RedeTV!

Muito antes do termo ‘cancelamento’ se tornar popular, o senhor foi ‘cancelado’ pela declaração a respeito dos garis, em 2009 (“Que m...! Dois lixeiros desejando felicidades do alto das suas vassouras. O mais baixo na escala do trabalho.”). O que acha desse julgamento sumário de figuras públicas por declarações controversas?

A suposição de que eu fui cancelado não tem base na realidade. Pelo contrário, minha audiência cresceu depois do episódio dos garis. Acho essa coisa de cancelamento uma atitude antidemocrática, nojenta, inspirada no fascismo e comunismo. Além de tudo é uma burrice astronômica que explora uma espécie de “maria-vai-com-as-outras” de quem não tem convicções próprias. Pode ser chamada de efeito manada.

O ex-presidente e agora novamente presidenciável Lula defende projeto de regulação da mídia. Há quem ache que o objetivo seja desmantelar conglomerados de comunicação como o Grupo Globo. O senhor defende esse tipo de tentativa de impedir a concentração de poder econômico e poder de influência de empresas de mídia?

Não vamos confundir o projeto de regulação de mídia do ex-presidente Lula com algo bem-intencionado. Era um instrumento autoritário. Censura de fazer inveja a Hitler, Stalin e Mussolini. Foi repelido pela sociedade. Acho que uma excessiva concentração de poder em poucos grupos de comunicação não é o ideal para uma democracia. O modelo americano me agrada. Mas isso precisa ser feito com muito cuidado, olhando nossas peculiaridades, para não destruirmos núcleos de excelência que fazem dos jornais, revistas, rádios e redes de TV do Brasil, dos melhores do planeta. Entre esses núcleos de excelência incluo o Grupo Globo. É um assunto delicado que deve ser discutido pela sociedade e chancelado pelo Congresso com os devidos cuidados e sem cair na tentação da estatização.

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Hoje, o senhor tem total autonomia sobre o conteúdo que produz na internet? Já teve liberdade semelhante na TV?

Tenho a mais total e completa autonomia. Por isso, o Marcelo Tas (apresentador do ‘Provoca’, da TV Cultura) me chamou de “o Roberto Marinho de mim mesmo”. Tive essa liberdade na TV, inclusive constando de contrato. Sempre foi respeitada. Mas liberdade é diferente de licença. Se os donos da TV quisessem poderiam cassar essa prerrogativa a qualquer instante.

Voltaria a comandar um telejornal sob cobranças de audiência e faturamento, e sujeito a pressões políticas e interferências editoriais?

Poderia voltar à TV. Mas, com 80 anos, não tenho mais paciência para enchimento de saco.

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