A Comissão Europeia ativou nesta quarta-feira (20/01) o artigo 7 do Tratado de Lisboa contra a Polônia, um processo legal inédito que pode retirar de Varsóvia seu direito de voto no bloco e marca o ápice de uma disputa que se estende por dois anos.
A medida foi acionada devido às polêmicas reformas do sistema judicial polonês, que Bruxelas considera contrárias ao Estado de Direito. Caberá agora aos Estados-membros decidir se a Polônia está violando os valores europeus.
No momento, parece improvável que o procedimento acabe levando à punição máxima, a suspensão dos direitos de voto da Polônia. Para que se chegue a esse extremo, os outros 27 membros do bloco teriam que estar de acordo, e a Hungria, uma aliada, já acenou com veto.
Mas o caso volta a testar a coesão do bloco - recentemente abalada pela decisão britânica de deixar o mercado comum e pela crise migratória - e coloca o governo polonês sob pressão para mudar seu curso. Na visão de Bruxelas, Varsóvia está pondo em risco a divisão de Poderes.
"A Comissão concluiu hoje que há um claro risco de uma ruptura séria do Estado de Direito na Polônia", disse Bruxelas em comunicado. "A Comissão propõe ao Conselho que adote uma decisão no marco do artigo 7 do Tratado da União Europeia."
O vice-presidente da Comissão, Frans Timmermans, lembrou os pedidos de diálogo que Bruxelas fez durante os últimos dois anos e afirmou que as decisões adotadas pelo governo polonês "põem em xeque a separação de poderes e a independência judicial" no país.
O caso agora passa ao Parlamento Europeu e depois os membros da UE têm que decidir por unanimidade se a Polônia constitui "um claro risco de grave violação" dos valores fundamentais do bloco. A Hungria, entretanto, já avisou que vai se opor a sanções contra a Polônia.
O vice-presidente da Comissão Europeia ressaltou que o órgão lamenta ter de tomar a decisão, mas que não há outra opção. "Não se trata aqui só da Polônia, mas de toda a União Europeia", disse, sublinhando que a Comissão está aberta ao diálogo.
Timmermans aconselhou Varsóvia a cooperar a fim de resolver a disputa, afirmando que, se o governo polonês atuar nos próximos três meses, a Comissão voltará a analisar o caso.
Anos de disputa
Bruxelas e Varsóvia se enfrentam desde anos, em razão das controversas reformas impulsionadas pelo nacionalista-conservador Partido Lei e Justiça (PiS), sobretudo a que afeta a Justiça.
A disputa se acirrou com duas leis que, segundo críticos, politizam a Suprema Corte polonesa e o Conselho Nacional do Judiciário (KRS), um órgão de supervisão de juízes. Estas normas colocam em perigo a separação de poderes e o Estado de Direito, na opinião da Comissão.
Os textos, que aumentam a influência do governo sobre o Judiciário, foram aprovados pelo Parlamento, mas ainda não foram sancionados pelo presidente polonês, Andrzej Duda.
Uma das propostas reserva ao Parlamento a prerrogativa de nomear os 25 membros do Conselho Nacional do Judiciário (KRS, na sigla em polonês), um órgão de supervisão ética encarregado de proteger a independência dos tribunais poloneses e de aprovar a indicação de juízes regionais na Polônia.
O outro projeto de lei prevê a dissolução da atual formação da Suprema Corte polonesa. Leis do pacote de reformas já aprovadas e em vigor dão ao ministro da Justiça o poder de demitir qualquer juiz e escolher seu substituto e também para modificar procedimentos para nomeação de juízes e promotores. Com mais de 80 juízes, a corte é a instância máxima da Justiça do país e responsável por validar os resultados eleitorais.
Uma das maiores preocupações da UE diz respeito ao Tribunal Constitucional polonês. Após as eleições de outubro de 2015, o Parlamento alterou leis relacionadas ao Tribunal Constitucional, a fim de anular a nomeações de juízes pelo governo anterior e nomeando outros juízes no lugar deles. A alteração também reduziu o mandato do presidente do tribunal e do vice-presidente de nove a três anos.
Ao tribunal, foi solicitado decidir se as mudanças eram constitucionais, e a corte se pronunciou contra o governo: afirmou que a legislatura anterior tinha o direito de nomear juízes para a assentos desocupados durante sua gestão e determinou que três candidatos a juízes fossem nomeados sem demora. Mas os juízes escolhidos pela nova legislatura já tinham assumido o cargo. A disputa continua sem solução.
"Golpe de Estado"
Uma lei pertencente ao pacote de reformas judiciárias, esta já aprovada e sancionada pelo presidente Duda, estabelece que o ministro da Justiça, que também é o procurador-geral do país, tem o poder de nomear os presidentes de cortes regionais, que antes eram eleitos pelos seus próprios pares.
Enquanto o PiS defende a importância de se reciclar o sistema judicial, uma vez que, segundo o partido, nem todos os juízes cumprem os padrões profissionais e éticos, os críticos apontam que as reformas são o último passo para extinguir totalmente a independência dos juízes no país e equivale a um "golpe de Estado". Desde o ano passado, o PiS, partido aliado de Duda, já vem aprovando outras legislações para mudar a natureza e autonomia de diferentes tribunais.
Controversas reformas visando aumentar o controle do governo sobre Judiciário, mídia e outras instituições têm provocado frequentes protestos na Polônia desde a chegada ao poder, em outubro de 2015, do eurocético e nacionalista PiS, partido presidido pelo antigo chefe de governo Jaroslaw Kaczynski. Mudanças legais foram duramente criticadas tanto dentro quanto fora da Polônia.