Chefe de gangue ordenou morte de praticantes de vodu após acusá-los de lançar feitiços contra seu filho. Total de mortos pela violência em todo o país em 2024 já é de mais de 5.000, diz ONU.Quase 200 pessoas foram assassinadas neste fim de semana em uma favela na capital do Haiti, Porto Príncipe. As suspeitas indicam que o líder de uma gangue tinha como alvo membros de uma religião local a quem ele acusa de terem causado por meio de bruxaria a doença que levou seu filho à morte, segundo informações divulgadas nesta segunda-feira (09/11) organização de direitos civis Comitê pela Paz e Desenvolvimento (CPD).
"Ele decidiu punir cruelmente todos os idosos e praticantes de vodu que, em sua imaginação, seriam capazes de lançar um feitiço contra seu filho", disse uma declaração do grupo, com sede no Haiti. "Os soldados da gangue foram encarregados de identificar as vítimas em suas casas e levá-las ao território do chefe para serem executadas", acrescentou.
A Rede Nacional de Defesa dos Direitos Humanos (RNDDH), com sede em Porto Príncipe, relatou que o líder de gangue Monel "Mikano" Felix ordenou os assassinatos depois que um sacerdote vodu lhe disse que idosos em Wharf Jeremie, um distrito de Cité Soleil, haviam amaldiçoado seu filho. A maioria das vítimas eram seriam adeptos do vodu com mais de 60 anos.
O comissário de direitos humanos da ONU, Volker Turk, disse no fim de semana que "pelo menos 184 pessoas foram mortas na violência orquestrada pelo líder de uma poderosa gangue na capital haitiana".
Favela se torna palco de massacre
O CPD e a ONU afirmam que o massacre ocorreu na favela Cité Soleil, na capital. O comitê relatou que a maioria das vítimas dos atos de violência na sexta-feira e no sábado tinham mais de 60 anos, mas que alguns jovens que tentaram resgatar outras pessoas também estavam entre as vítimas.
"Fontes confiáveis dentro da comunidade relatam que mais de cem pessoas foram massacradas, seus corpos mutilados e queimados na rua", disse o CPD em comunicado.
A Cité Soleil é uma favela densamente povoada na área portuária da capital haitiana classificada como uma das regiões mais pobres e violentas do país caribenho. Entre 2006 e 2007, a região chegou a ser ocupada e patrupalhada por tropas brasileiras como parte de uma missão das Nações Unidas. Hoje em dia, a favela é controlada com mão de ferro pelas gangues, que restringem até o uso de telefones celulares, o que limita drasticamente a comunicação entre os moradores.
Gangues controlam 80% da capital
Após décadas de décadas de instabilidade, a situação no Haiti se agravou em fevereiro, quando grupos armados lançaram ataques coordenados em Porto Príncipe para derrubar o então primeiro-ministro Ariel Henry, que renunciou ao cargo em julho.
As gangues controlam 80% da capital apesar de uma missão de apoio policial liderada pelo Quênia, com o suporte dos Estados Unidos e da ONU, a violência continua a aumentar.
Mais de 700.000 pessoas estão deslocadas internamente no Haiti, metade delas crianças, de acordo com dados de outubro da Organização Internacional para as Migrações da ONU.
Religião afro-haitiana
O vodu, que tem raízes na África Ocidental e existe entre as comunidades afro-haitianas desde o final do século 18, é oficialmente reconhecido como uma religião, assim como as outras que são praticadas no país. Os seguidores locais a chamam de vaudou haitien.
Trazido ao Haiti por escravos africanos, é considerado um dos pilares da cultura do país. A religião era proibida durante o domínio colonial francês e só foi reconhecida oficialmente pelo governo em 2003.
Embora incorpore elementos de outras crenças religiosas, incluindo o catolicismo, o vodu tem sido historicamente atacado por outras religiões.
rc (Reuters, AFP, DPA)