O Brasil é conhecido por sua diversidade étnica e cultural e pela longa história de escravização do seu povo. Carrega o fardo de profundas marcas do racismo em suas estruturas sociais. Longe de ser uma manifestação simples ou homogênea nesse território, o racismo se apresenta de maneira complexa, por vezes até camuflado, nas regiões e relações pelo país.
Ao longo de pouco mais de um século de sociedade livre ainda estamos identificando, nomeando e encontrando maneiras de reduzir seus danos e efeitos em vários aspectos da vida cotidiana. E é justamente sua heterogeneidade, as diversas formas onde e como se manifesta, que torna o racismo um grande desafio social no Brasil.
No entanto, não conhecer as suas várias faces ou negar a sua existência só atrasa o nosso processo de desenvolvimento socioeconômico, bem como a nossa necessidade melhoria na qualidade de vida para toda a população do país, independente da raça ou cor.
Vamos nomear alguns conceitos que mostram essas faces do racismo para conhecermos e conseguirmos combater seus efeitos.
Racismo Estrutural
Chamamos de racismo estrutural a perpetuação da desigualdade racial em decorrência das falhas e falta de políticas públicas na base socioeconômica onde o nosso país foi fundado, durante o regime escravista. Refere-se às formas de organização social que perpetuam a desigualdade racial, dentro das estruturas econômicas, políticas e culturais da sociedade. Silvio Almeida apresenta dados estatísticos e discute de que maneira ele se manifesta em nossas estruturas.
Racismo Interseccional
O racismo interseccional reconhece que a discriminação racial muitas vezes se entrelaça com outras formas de opressão, como classe social, gênero, sexualidade e identidade de gênero. Esta abordagem sociológica, popularizada por Kimberlé Crenshaw, destaca como os indivíduos podem enfrentar múltiplas formas de discriminação que se entrelaçam e se reforçam mutuamente. Ao interseccionar o quesito raça-cor com as outras diversidades obtermos dados e resultados ainda mais graves das condições de opressão e acesso à direitos básicos pra uma grande parcela da população.
Racismo Institucional
Se manifesta nas estruturas e práticas internas das instituições, como o governo, as escolas, o sistema de justiça, o sistema de saúde e o mercado de trabalho e suas organizações. As instituições podem reproduzir e perpetuar desigualdades com base na raça, mesmo que não haja intenção explícita de discriminação. Definido por Stokely Carmichael e Charles Hamilton em 1967, o racismo institucional é considerado por seus autores como “falha coletiva” de uma organização, de qualquer natureza, em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas em razão da sua cor, cultura ou origem étnica.
Racismo Simbólico
O racismo simbólico envolve representações culturais, estereótipos e discursos que desumanizam e marginalizam grupos raciais específicos. Essas representações muitas vezes perpetuam ideias preconceituosas e contribuem para a manutenção de hierarquias raciais. Autores como Frantz Fanon e Bell Hooks exploram as dimensões simbólicas do racismo e seu impacto na construção da identidade e da autoestima racial.
Racismo Internalizado
O racismo internalizado refere-se à internalização pelos próprios membros de grupos racializados das mensagens e estereótipos racistas presentes nas sociedades. Isso pode levar à autoestigmatização, a concordância com normas e valores que perpetuam a inferiorização do próprio grupo ou até mesmo no preconceito contra seu próprio lugar racial. Teóricos como Fanon e Patricia Hill Collins são relevantes para compreender como esse conceito se manifesta e quais as implicações psicossociais.
Racismo Cultural
O racismo cultural refere-se à hierarquização e desvalorização de manifestações culturais de grupos raciais específicos, em geral minorizados, perpetuando a ideia de superioridade de uma cultura sobre outras. Autores como Pierre Bourdieu e Michel Foucault contribuem para compreender como o poder simbólico e os discursos políticos são utilizados para marginalizar ou excluir grupos étnicos, seus valores, seus saberes e até suas histórias dentro de um quadro geral de Nação.
Racismo Ambiental
Quando falamos em racismo ambiental nos referimos à distribuição desigual de recursos ambientais dentro de uma sociedade. Sabemos que a poluição, e diversas manifestações do desequilíbrio ambiental, afeta de forma desproporcional comunidades mais pobres e racializadas. Essas reações da natureza, como desequilíbrios climáticos e socioambientais atingem de maneira desigual a população, já que só alguns têm recursos para combater ou sobreviver, deixando uma parcela maior em situações de vulnerabilidade e injustiça ambiental. Teóricos como Robert Bullard e Dorceta Taylor são referências na análise das interseções entre raça, classe e meio ambiente.
Racismo Linguístico
O racismo linguístico envolve a discriminação com base no modo de falar ou no sotaque de determinados grupos raciais, associando certas formas de expressão à inferioridade ou ignorância. Esse tipo de discriminação em geral tem como parâmetro o modo de fala ou língua dos colonizadores e ignora as diversidades culturais dos territórios. A riqueza de línguas e culturas que formaram as nações e a oralidade dos povos originários do nosso país. Estudiosos como Paulo Freire e Ana Maria Machado destacam como a linguagem é uma ferramenta de reprodução de hierarquias sociais.
Racismo Digital
O racismo digital diz respeito às formas de discriminação e preconceito que vemos diariamente no ambiente online. Nos deparamos todos os dias, nos perfis particulares ou públicos, bem como em campanhas publicitárias ou mesmo nos discursos de ódio nas redes sociais. Há também estudos recentes que trazem dados sobre “algoritmos discriminatórios” ou “exclusão digital” de grupos raciais. Autoras como Safiya Noble e Ruha Benjamin exploram as interseções entre raça, tecnologia e poder. Achamos também importante pontuar as questões de acesso aos recursos digitais deve ser considerada quando tratamos desse tema. Já que temos uma parcela mais pobre e racializadas da população brasileira completamente ou parcialmente excluída desse direito. E, estar excluído desse universo tecnológico, prejudica não apenas a comunicação e a sociabilidade, mas também a formação e às condições básicas de cidadania atuais.
Ainda há outros conceitos de racismo que poderíamos listar. Mas, vamos parar por aqui. Nosso objetivo com esse artigo é mostrar como o racismo na sociedade brasileira é multifacetado e complexo. E como essa complexidade requer uma análise crítica das estruturas sociais, das representações culturais e das experiências individuais de cada grupo racial.
Somente através de um esforço coletivo, que passa pela informação e a educação, poderemos desmantelar essas estruturas discriminatórias para construir uma sociedade verdadeiramente inclusiva e igualitária.