O que pode ser mais pesado do que carregar, com 24 anos, o sobrenome Fittipaldi em uma pista de corrida? Substituir, aos 22, o heptacampeão Lewis Hamilton. Ou seria o contrário? Afinal, se a tarefa é árdua para George Russell, que assume o carro do maior vencedor da história, não é menor o desafio de Pietro, neto de Emerson, o homem que inaugurou a trajetória de vitórias e títulos para o Brasil na Fórmula 1.
Sublinhar as idades de Pietro e Russell parece relevante. Afinal, uma discussão recorrente no ambiente da categoria é a pouca idade com que os pilotos estão assumindo postos titulares nas equipes. Russell, em sua segunda temporada na Fórmula 1, fez sua estreia aos 21 anos. Pietro chega um pouco mais velho – de fato, tem quase a idade com que seu avô foi campeão (25 anos), tornando-se o mais jovem e mantendo essa condição por mais de trinta anos. Max Verstappen assumiu o posto de titular na antiga Toro Rosso com apenas 17 anos. É muita pressão, e é um paradoxo.
O paradoxo está no contraste entre o que acontece na Fórmula 1 e o que se observa no mundo aqui fora. Há cinquenta anos, quando a expectativa de vida do ser humano era de 55 anos, não havia muita saída, senão escolher uma profissão aos 20, casar-se aos 25, ser pai em seguida, para aposentar-se aos 50 e viver uma “velhice” tranquila por mais cinco anos, ao lado dos netos. Hoje, o adulto jovem não vê problema em ter experiências profissionais diversas até definir-se por uma carreira, por volta dos 30 anos, eventualmente acha normal continuar morando com os pais até os 35, começa a cogitar a ideia de ter filhos perto dos 40. Pudera: pela estatística, vai viver no mínimo até os 75 anos. Tem tempo.
Só que o jovem piloto de Fórmula 1 não vive só dentro da bolha (não essa bolha atual, criada para resguardar seus membros da Covid-19). Ele é um paradoxo ambulante: atua em um ambiente no qual já se é “velho” aos 35, mas coexiste com pessoas da mesma idade cujas prioridades são colecionar matches em sites de relacionamento ou porres homéricos em baladas. George e Pietro aqui fora são jovens. Lá dentro, seus ombros carregam o mundo.
A tarefa de Pietro aparentemente é mais simples: vai andar com um dos piores carros do grid, sem chance de disputar vitória e pódio, dificilmente chegando à zona de pontos. Mas sua inexperiência em provas de qualificação e corrida lançam armadilhas no caminho. Faz tempo que não acontece, mas um piloto não pode fazer um tempo que seja mais de 107% do melhor tempo do Q1. Pietro precisa primeiro afastar esse risco. Ainda que a competitividade da Haas seja baixíssima, em automobilismo sempre existe uma comparação implacável – com o companheiro de equipe.
Pietro pode não se medir com Valtteri Bottas ou com Max Verstappen, mas será medido com Kevin Magnussen, piloto rápido e experiente. Ficar a meio segundo do companheiro não será vexame. Fazer um tempo muito maior, sim. E, se isso acontecer, não se trata de um José da Silva a ser esquecido na corrida seguinte. O nome Fittipaldi, com sua herança e importância, pesa toneladas.
O desafio parece muito maior para Russell, afinal, está substituindo o atual campeão da temporada, sete vezes campeão de Fórmula 1, recordista de poles e vitórias. Mas algumas vantagens afastam certas armadilhas desse caminho. George é piloto da ativa. Pode não estar acostumado a pilotar o carro de Hamilton, mas conhece os procedimentos, é um piloto reconhecidamente rápido, com desempenho notável nas categorias anteriores à Fórmula 1. Por última, mas não menos importante, tem o carinho, a atenção e, por que não dizer, a complacência da mídia inglesa especializada.
A menos que faça uma asneira do tamanho de um Big Ben, deve ter eventuais falhas relativizadas. Não tem obrigação de bater Bottas. Pelo contrário, o finlandês é quem carrega essa responsabilidade. Se fosse futebol, Russell seria o goleiro e Bottas, o cobrador do pênalti. O peso, muito maior, está com o vice-líder do campeonato. O que Russell fizer é lucro, além de um potencial passaporte para ser titular na equipe quando Hamilton se aposentar. Mas não há de ser fácil controlar a pressão. É mais ou menos como se, no mundo de hoje, um menino de classe média de 25 anos precisasse trabalhar e não viver debaixo do teto dos pais. Sim, contém ironia.