A alternativa ao açaí que pode ajudar a preservar a Mata Atlântica

De sabor semelhante ao açaí da Amazônia, a juçara vem se tornando uma alternativa contra a coleta predatória de palmito e uma alternativa ecológica para o sustento de famílias caiçaras.

22 jan 2024 - 15h51
(atualizado às 17h09)
Palmeira
Palmeira
Foto: Gilberto Ota/Coopafasb / BBC News Brasil

A juçara foi durante muitos anos mais conhecida por seu palmito, macio e saboroso, do que por ser uma palmeira típica da Mata Atlântica.

Durante a ditadura militar, o governo chegou a estimular a instalação de indústrias — notadamente no Vale do Ribeira, na parte sul do estado de São Paulo — para sua exploração.

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Muitos caiçaras — povo tradicional de áreas litorâneas de partes das regiões Sul e Sudeste do Brasil — se tornaram palmiteiros, aqueles que viviam da extração do palmito.

Com a ameaça de extinção da palmeira e a evolução da legislação ambiental, a partir dos anos 1980, os palmiteiros deixaram de ser incentivados e passaram a ser perseguidos por conta de crimes ambientais. A extração do palmito significa a morte da planta.

O impacto ambiental não termina aí. Como a juçara é uma importante fonte de alimento para os animais que vivem na floresta, áreas sem a árvore perdem também a diversidade de sua fauna.

Por isso, a sua preservação se tornou uma prioridade entre os defensores da Mata Atlântica. E uma alternativa pode estar ganhando força.

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Morador do Vale do Ribeira, Gilberto Ota é um dos ativistas em defesa da juçara.

O Ota é de origem materna, e Gilberto conta que seu pai era caiçara da foz do Rio Ribeira de Iguape. A decisão de se considerar palmiteiro é mais política.

"Ao reivindicar a profissão de palmiteiro, estamos dizendo que as gerações anteriores das famílias que hoje vivem da juçara não eram de criminosos", diz ele.

"Eram pessoas que trabalhavam com o cultivo da palmeira de uma forma diferente da que fazemos hoje."

Quem visita a casa de Gilberto no Guapiruvu, bairro próximo a acesso de parques estaduais, em Sete Barras, logo percebe a relação dele com as palmeiras, seja pelo suco servido ou pelas plantações no entorno.

A conversa vai de temas de agroecologia, vida comunitária em torno da associação que dirige e as possibilidades econômicas da juçara — mais especificamente, do fruto dela.

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O anfitrião só mostra alguma irritação quando é citado o "açaí de juçara". "A gente planta aqui a juçara, açaí é outra palmeira, lá da Amazônia", explica.

A confusão tem sua razão de ser. No Sul e Sudeste do Brasil, o açaí é consumido na forma de um sorbet, um creme doce e gelado, muito diferente da forma tradicional de consumo na Amazônia, em que ele faz parte de pratos salgados.

O creme se tornou tão popular no eixo Rio-São Paulo que açaí se tornou sinônimo da maneira como ele é preparado.

A juçara pode substituir o açaí nesta forma de alimento com a vantagem de ser colhido mais perto do mercado consumidor.

São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Espírito Santo e Minas Gerais são os maiores produtores do fruto da Mata Atlântica.

Ao entrar neste mercado, a juçara não compete com o açaí, pelo menos na opinião da pesquisadora Virgínia da Matta, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

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"Na minha visão, os dois se apoiam, porque há mercado para a expansão da produção de ambos", afirma.

Para ela, além do crescimento do mercado nacional, existe uma crescente procura no exterior, onde existe um conhecimento cada vez maior do fruto e de seus benefícios.

Apesar de ter uma cadeia mais estruturada, que não depende apenas do extrativismo, a produção de açaí ainda é menor do que a demanda.

A junção dos nomes dos dois frutos está na marca da Juçaí, empresa que produz o sorbet de jussara, um projeto que foi desenvolvido em parceria com a Embrapa.

Morador do Vale do Ribeira, Gilberto Ota é um dos ativistas da palmeira juçara
Foto: Gilberto Ota/Coopafasb / BBC News Brasil

Modelo 'que dá certo'

Segundo o presidente da empresa, Roberto Haag, o projeto foi desenvolvido como uma forma de incentivar uma alternativa de exploração comercial que mantivesse a palmeira em pé.

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Ele destaca que o produto ainda tem como vantagem em relação ao açaí uma maior quantidade de cálcio e de antioxidantes.

A empresa começou a atuar no Rio de Janeiro, e, hoje, mais da metade de suas vendas é no Estado de São Paulo.

A Juçaí também contou com uma parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFscar) para o mapeamento da ocorrência da juçara pelo Brasil e para desenvolver uma capacidade logística de produção, armazenamento, produção e distribuição.

As primeiras parcerias foram com fornecedores do Rio de Janeiro e depois expandiram para o Espírito Santo e o Vale do Ribeira, região de maior concentração da árvore no país.

"A gente vê que o modelo dá certo hoje para o produtor que trabalha a coleta da juçara junto com outras atividades agrícolas, como a produção de cacau e café", comenta.

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O Instituto Auá, dono da marca Empório Mata Atlântica, vende o sorbet com um nome sem concessões: creme de juçara.

Como o nome comercial indica, a especialidade deles são os frutos da floresta costeira, como a uvaia, araçá, grumixama e jerivá.

"A gente começou este trabalho a partir da rota do cambuci, nosso produto com a cadeia de produção mais estruturada até o momento", diz Gabriel Menezes, presidente do instituto.

O cambuci é usado em bebidas, sorvetes e massas, por exemplo.

Como a juçara é uma importante fonte de alimento para animais que vivem na floresta, áreas sem a árvore perdem também a diversidade de sua fauna
Foto: Gilberto Ota/Coopafasb / BBC News Brasil

Uma das características do projeto é trabalhar apenas com extração a partir do plantio e não com a coleta dos frutos.

"A gente costuma dizer que os frutos que estão na floresta são para alimentar os animais", afirma.

A maioria dos parceiros são pequenos produtores, de agricultura familiar, que se dedicam também a outros cultivos.

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"Hoje é difícil alguém sobreviver exclusivamente dessa produção", admite.

No caso da juçara, uma alternativa importante para tornar a produção sustentável é a parceria com o projeto Pró-Juçara da Fundação Florestal de São Paulo.

É uma forma de usar, além da polpa, as sementes da palmeira. O objetivo da fundação é utilizar as sementes para reflorestamento dos parques com a espécie nativa.

A aquisição é feita de produtores vizinhos aos parques, para manter as características locais das plantas. Depois, as sementes são jogadas por helicópteros ou drones.

O projeto existe desde 2019 e, em 2021, lançou 31 toneladas de sementes em 620 hectares de 11 unidades de conservação paulistas.

São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná, Espírito Santo e Minas Gerais são os maiores produtores do fruto da Mata Atlântica
Foto: Gilberto Ota/Coopafasb / BBC News Brasil

'Arroz e feijão da floresta'

A juçara é importante para a preservação da fauna das áreas de preservação e costuma ser chamada de "mãe da floresta" ou "arroz e feijão da floresta" por servir de alimento para diversos animais da mata.

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Integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) também estão usando as sementes de juçara para regenerar áreas devastadas dentro das reservas legais de acampamentos e assentamentos, além de também iniciar uma exploração comercial.

Um exemplo desta ação foi em meados de 2022 em Quedas do Iguaçu, no Paraná, quando foram lançadas por dispersão aérea mais de 4 toneladas de sementes.

Os sem-terras estão, nas duas situações, dentro de uma área recuperada pela União que antes era utilizada pela Araupel, empresa de papel e celulose.

O terreno de mais de 2 mil hectares era usado para o plantio de pinheiros e eucaliptos, e foi permitido à empresa a retirada da madeira antes da devolução da área.

Josué Rocha, um dos assentados, ficou com um lote com juçara nativas, junto das encostas.

Ele já tinha experiência de unir a produção da palmeira com o café em uma área em que trabalhava com o pai e o irmão.

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"Estamos trabalhando com extrativismo e fazendo o plantio de sementes", conta.

Ele tem sido um dos divulgadores das vantagens da preservação e plantio destas palmeiras no local.

Eles já contam com os equipamentos para a extração da polpa e devem começar nos próximos meses a produzir o sorbet lá mesmo.

Balas, picolés e geleias são outras possibilidades que eles estão desenvolvendo de venda. Todos produzidos dentro de parâmetros agroecológicos.

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