Até o último domingo (12), as informações da Defesa Civil confirmam que as chuvas que atingiram o Rio Grande do Sul já afetaram mais de dois milhões de pessoas, deixando mais de 530 mil desalojadas. São 143 mortes confirmadas, 125 desaparecidos e mais de 800 feridos. Os números são assustadores.
Mais de 76 mil pessoas foram resgatadas e, nos últimos dias, muito se tem visto sobre os animais que precisaram ser deixados para trás e agora estão sendo procurados por suas famílias. Até o momento já foram 11 mil animais resgatados, entre cachorros, gatos, cavalos e outras espécies.
Na última quinta-feira (9), o caso do equino de Canoas (RS), que ficou por dias em cima de um telhado à espera de ajuda, ganhou repercussão nacional com o seu resgate complexo, conduzido pelo Corpo de Bombeiros de São Paulo e com o auxílio de veterinários.
O que ainda não ganhou tanta visibilidade é o trabalho incansável de ONGs e ativistas independentes que estão atuando na causa animal. Eles estão presentes nos resgates, nos abrigos, na arrecadação de fundos para os animais e em toda a logística para que os bichos sejam bem cuidados, voltem para as suas famílias ou sejam encaminhados para adoção.
Uma figura que está presente em praticamente todas as últimas tragédias registradas no Brasil é Luisa Mell, que atuou salvando os animais quando as barreiras de Brumadinho (MG) e de Mariana (MG) se romperam, e nos estragos das chuvas em Florianópolis (SC) e São Sebastião (SP), sem contar as inúmeras vezes que resgatou animais de situações terríveis. A ativista conta que, mesmo com tanta experiência, essa está sendo a mais difícil.
É devastador. Eu já fui para muitas tragédias, mas nunca vi nada igual
A ativista explica que tudo tem sido desafiador. Os resgates não são fáceis porque os animais estão muito assustados e em locais de difícil acesso. Além disso, todos os abrigos já estão superlotados. Não há mais estrutura para receber os animais.
"Já foi difícil para organizar. Tanto que eu trouxe um barco de São Paulo, tamanho o caos que estava aqui", explica Luisa, contando que viajou para o Canoas (RS) achando que faria um trabalho semelhante ao que fez em outras tragédias, mas que a dimensão dessa vez é muito maior. Ela não conseguiu um hotel e está hospedada na casa de uma seguidora.
"Eu achava que eu viria e resgataria, sei lá, 50 animais e voltaria. Eu não tinha noção do tamanho disso tudo", diz. "Eu estou muito abalada, estou horrorizada".
Os percalços que encontrou atrasaram o trabalho. "Não tinha barco, de jeito nenhum. Consegui trazer um de São Paulo, mas precisou vir de carreta e demorou. Eu queria ter começado antes, mas não teve jeito", conta. Como achou que o problema seria muito menor do que realmente é, Luisa pensou que seria possível trabalhar com recursos próprios, mas percebeu que, para conseguir ajudar mais, precisaria começar a fazer uma arrecadação.
Cenário de guerra
"Parece um apocalipse", diz. A ativista conta que o sentimento geral é de desespero. Além da devastação causada pelas águas, ainda existe a ameaça da violência. Luisa explica que não pode realizar resgates à noite por causa da falta de segurança. Há relatos de tiros, de voluntários baleados e de assaltos a barcos, principalmente quando escurece. "Eu mesma vi um pessoal roubando, entrando nas casas", diz.
Para Luisa, esses momentos mostram a parte boa, que é a união e a solidariedade, mas também a parte horrível, de pessoas se aproveitam da vulnerabilidade para prejudicar o próximo. "É muito triste ver isso", fala.
As pessoas estão em estado de choque. Muitas estão completamente abaladas e sem perspectiva de futuro
Para quem está vivendo na pele a tragédia, o presente não está sendo fácil e o futuro também não será. "A sensação que eu tenho nesse primeiro momento é trágica, mas vai continuar muito difícil, porque as pessoas perderam tudo. Elas não sabem se esses lugares vão alagar de novo, não sabem se querem reconstruir a vida ali", conta.
A ativista ainda relata que, diariamente, forma-se uma fila de dezenas de pessoas chorando, desesperadas por ajuda para encontrar seus animais. Na medida do possível, sua equipe as leva nos barcos até suas casas, mas não há tempo o suficiente para atender a todos. Muitos bichos foram salvos, mas diversos outros não. São escolhas difíceis que os ativistas precisam fazer o tempo todo.
"Eu acho que é a coisa mais terrível que já vivi, que eu já presenciei. Mesmo em Brumadinho, que foi uma tragédia daquele nível, lá não tinha essa loucura que está acontecendo aqui, com essa quantidade de gente e de animais precisando de resgate", conta Luisa.
Eu nunca vou esquecer isso que estou vivendo. Espero conseguir dormir de novo. Eu fecho os olhos e, fora as dores que estou sentindo, vejo o cachorro que não consegui pegar, o gato que saiu correndo, os corpos dos animais mortos, as pessoas chorando desesperadas...
Desafios dos resgates
"É muito, é muito, é muito animal", relata. "Tem muita gente ajudando, toda hora vemos barcos voltando com cachorros. Não precisa nem andar muito porque você já vê muitos animais", diz ao explicar que, na maioria das vezes, os resgates são difíceis e demorados.
Como a água é barrenta, não é possível enxergar o que está por baixo. Então, constantemente as equipes se machucam em carros, caminhões, muros e grades. Sem contar que os telhados que ficaram submersos começaram a apodrecer, então é comum que se quebrem e é preciso muito cuidado para não cair. Fora isso, a água está muito gelada e faz frio no Rio Grande do Sul, o que dificulta tudo e ainda diminui as chances dos animais sobreviverem.
"Eu estou com muitas dores, tô toda machucada e a gente também tem medo de pegar doença, né? Porque a água é imunda", diz a ativista, que está com duas costelas fraturadas. Além disso, o risco de doenças é real. O primeiro barqueiro que atendeu a equipe de Luisa, por exemplo, está passando mal e não pôde mais continuar o trabalho.
Os animais também estão muito assustados, o que dificulta ainda mais as operações, principalmente se forem gatos ou cachorros de raças como pitbull e rottweiller.
Entre os momentos mais difíceis, Luisa lembra que, em um dos resgates, levou a tutora de um gatinho até a sua casa, que estava toda trancada e foi preciso arrombar as janelas. Com isso, o gato se assustou e fugiu.
Em outro resgate, ela levou o tutor de um pitbull: "Ele abriu as telhas e o cachorro não estava lá. O homem começou a ficar desesperado, saiu quebrando o telhado da casa inteira. E, então, percebeu um cheiro de carniça… Foi horrível", narra a ativista sobre o momento em que perceberam que o cachorro não estava mais vivo.
"Fazer a diferença é o que me dá força para continuar. A gente precisa tentar ajudar mais nesse momento", reflete.
Falta de espaço
"Até semana passada, o Centro de Bem-Estar Animal tinha cerca de 100 ou 150 animais. Da noite para o dia, eles precisaram arranjar espaço para mil", conta Luisa.
Como não há abrigo para todos, a ativista começou a presenciar cachorros amarrados em postes. As pessoas os tiram da água, não têm para onde levá-los e os deixam soltos ou os prendem na rua. "Estão fazendo o que é possível, mas é realmente um caos. Sabe aqueles lugares que eu normalmente chego, brigo e denuncio que o cachorro está amarrado? Então, aqui não tem jeito. Você precisa improvisar", lamenta.
Os cachorros que são deixados na rua também estão em perigo. São animais que foram criados dentro de casa, não estão acostumados a viver fora. "Estão acontecendo atropelamentos e também começam a se formar matilhas. Então, os cachorros ficam mais agressivos. Por todo lado é problema", explica Luisa.
A ativista está com duas ideias, a primeira é construir mais canis com a ajuda de doações: "já estou até com um projetinho, mas ainda não sei como está a mão de obra aqui, como está para conseguir material de construção", diz.
Outra solução é buscar uma forma de transportar os animais para São Paulo e fazer uma grande feira de adoção. Por que levá-los para outro estado? Porque não vai ser possível que tantos animais sejam adotados em um local onde as pessoas não têm mais casa. Para conseguir organizar isso, ainda é preciso esperar que as famílias encontrem os seus bichos: "Não podemos tirar o pouco que eles têm".
Em outras cidades do estado
Não é só Canoas (RS) que está em crise. Dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, 446 foram afetados pelas chuvas. Duas outras voluntárias da causa animal relatam cenas e problemas semelhantes aos que foram narrados por Luisa Mell.
A médica veterinária Raysa Bellan é de Caxias do Sul (RS), cidade que sofreu principalmente com deslizamentos de terra. Quando a chuva cessou, ela e a equipe de uma ONG foram aos bairros afetados realizar os resgates dos animais que haviam ficado dentro das residências quando a região foi evacuada. "As pessoas não foram liberadas para levar os seus animais, apenas alguns pertences", explica.
Alguns dias depois, a estratégia foi se deslocar até Porto Alegre (RS) para ajudar alguns colegas. Raysa atuou como apoio veterinário tanto nos resgates quanto recebendo os animais que voltavam nos barcos. "Foram muitos animais. Eu atendi muitos cachorros, gatos, porcos… Tudo o que chegava, a gente ajudava", diz.
No hospital de campanha veterinário criado na cidade, os animais que estavam bem ou eram liberados para seus tutores que estavam procurando seus bichinhos, ou iam para abrigos. Já os que não estavam bem, foram encaminhados para clínicas veterinárias parceiras.
Também em Porto Alegre (RS), a ativista Julia Seibel entrou em diversos grupos. Pela internet, ela conseguiu identificar pessoas que precisavam de ajuda e passou a agir. "Em um deles, uma guria disse que montaria um abrigo na sua casa, que estava em reforma. Ela pediu itens para montar tudo. Então, eu fiz alguns posts no Instagram pedindo doações e consegui arrecadar muito dinheiro", conta.
Muito do que era necessário já estava esgotado nos mercados, mas Julia conseguiu encaminhar bastante coisa para o abrigo. A partir daí, ela, então, usou o restante do valor arrecadado para ajudar outras pessoas que estavam recebendo animais. Continuou pedindo apoio financeiro para as 800 pessoas que a acompanham em sua conta no Instagram (que é fechada), e, assim, arrecadou cerca de R$ 10 mil.
"Fui comprando o que os abrigos precisavam. No início, foi muito material de limpeza e ração. Depois, fui entendendo que eles já tinham bastante comida e precisavam de medicamentos, corda para servir de guia e cobertores, por exemplo. Mais recentemente, os pedidos ficaram mais específicos e comprei medicamentos para os hospitais de campanhas, como antibióticos e anti-inflamatórios", relata a voluntária.
Julia comenta que, a partir de agora, voluntários, veterinários e lar temporário para os animais são o que os ativistas mais precisam. Então, ela segue usando as redes sociais para inspirar seu ciclo de amigos a adotar os bichinhos.
Como ajudar
Há muitos ativistas, ONGs e grupos que estão ajudando os milhares de animais neste momento. Você pode realizar uma doação para as chaves Pix citadas abaixo:
- Instituto Luisa Mell: 51.582.797/0001-13
- Deise Falci: deisefalci@gmail.com
- GRAD Brasil: 54.465.282/0001-21
- Santuário Voz Animal: santuariovozanimal@gmail.com
- Grupo de Resgate Animal de Belo Horizonte - GRABH: 48.793.976/0001-95
- ONG Pé de Chulé: 35030574000197
- Princípio Animal: 29.880.059/0001-01
- Instituto Patinhas: 43563779000166
- Casa Iguatemi: 03114273084
- Ametista: 51998929667
- Paola Saldivia: p.saldivia@hotmail.com
- Bruna Molz: jeaninemolz@gmail.com
- Cris Moraes: sosanimais@canoas.rs.gov.br
- Luise Werner: luise.persch@hotmail.com