Atleta de levantamento de peso vira vegana e chega às Olimpíadas: 'Consciência a tudo'

Diretamente de Paris, Filipe Testoni, nutricionista da brasileira Amanda Schott, conversa com Planeta sobre a alimentação vegana da atleta

8 ago 2024 - 20h03

Apenas duas atletas estão representando o Brasil no levantamento de peso olímpico (LPO) em Paris. É importante destacar que ambas são mulheres e uma delas, a Amanda Schott, é vegana – não consome nenhum alimento de origem animal, como carnes, ovos e laticínios. Ela compete na categoria de até 71 kg nesta sexta-feira (9), às 14h30 (horário de Brasília).

A palavra "vegana" associada a uma atleta que levanta mais de 130 kg pode causar estranheza, já que o comum é associar o consumo de carne à construção de músculos e, consequentemente, ao desempenho esportivo. Mas não é bem assim.

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Diretamente de Paris, Filipe Testoni, nutricionista de Amanda, conversa com Planeta para detalhar as estratégias nutricionais da atleta. Ele explica que, nas competições, os atletas são divididos por categorias de peso. Amanda e a outra competidora brasileira, a Laura Amaro, têm um porte físico semelhante, mas não seria possível levar as duas para a mesma disputa. Como Laura tem mais tempo de preparação, ela vai participar da categoria de até 81kg e ficou combinado de Amanda ir para a logo abaixo, de até 71 kg. 

"A Amanda precisa perder peso para conseguir se enquadrar nessa nova categoria. A gente não pode nem deixar que ela chegue na véspera da competição muito pesada e tenha que fazer alguma coisa extrema para conseguir atingir o peso que se deseja, e também não pode fazer com que perca peso com muita antecedência, porque ela não conseguiria treinar tão bem. O seu peso habitual é por volta de 76 kg", explica Testoni.

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O que comer na Vila Olímpica?

Como a perda de peso mais drástica precisa acontecer pouco antes da competição, o que acontece no mesmo período de permanência da Amanda em Paris, a preocupação do nutricionista era em relação à disponibilidade de opções vegetais de proteína na Vila Olímpica. Tanto é que Filipe chegou a alugar um apartamento com cozinha para que, caso necessário, ele cozinhasse as refeições para a atleta.

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A boa notícia é que, com o compromisso dessa edição Olímpica com a sustentabilidade, 60% dos alimentos oferecidos no refeitório são de origem vegetal e, inclusive, há muitos ingredientes proteicos veganos que já fazem parte da alimentação da atleta, como o tofu, por exemplo. 

Em vídeo, Amanda mostra uma boa variedade de leites vegetais, além de bebidas proteicas e iogurtes. Ela também exibe um vasto buffet com massas, cereais, leguminosas, verduras, legumes, frutas, molhos e diferentes preparos de soja.

Atleta Amanda Schott mostra opções veganas das Olimpíadas
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Estratégia para secar 

Meses antes da competição, Amanda manteve uma dieta que a fornecesse bastante energia para um bom desempenho nos treinos. Em seguida, ela realizou um ciclo de variação de cardápios que mudavam entre moderado em carboidratos, alto em carboidratos e baixo em carboidratos. "Ele tem uma característica de ser armazenado junto com água. Então, a gente o diminui para não armazenar água", explica o nutricionista.

Tudo isso para se preparar para a última fase, uma semana antes do dia de competir, para perder peso muito rápido. O objetivo principal é fazer com que a atleta perca água e não músculos. "Porque aí ela pesa os 71 kg e se reidrata, ganha peso de novo bem rápido", conta Testoni.

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Para conseguir isso, o nutricionista elaborou um conjunto de estratégias que envolvem reduzir o volume de comida e de fibras, e aumentar a ingestão de água –ela vem tomando 7 litros e meio por dia. "É para o corpo dela entender que precisa mandar muita água embora. Depois, no quarto dia, ela toma só um litro". 

Por fim, nessa sexta, dia em que compete, entram outras estratégias, como sauna, banheira quente e exercícios com o corpo coberto. Tudo isso para suar e perder ainda mais líquido.

E as proteínas?

Em geral, fora desse período em que precisa perder líquido para se adequar à sua categoria, Amanda segue uma dieta mais ampla para construir seus músculos e aumentar a sua força. O nutricionista explica que o seu cardápio é rico em frutas, sementes e muita aveia. "Ela gosta de comer arroz como fonte de carboidrato principal e, agora no final, a gente usa um pouco mais de batata, porque dá mais volume. Ela também come todas as leguminosas, como feijão, lentilha e grão-de-bico. Consome também proteína de ervilha em pó, leite vegetal de soja, além de legumes e verduras variados, e folhas em bastante abundância". 

Testoni conta que, na dieta vegana, as leguminosas precisam ganhar mais importância, mesmo que tenham carboidratos na composição. "Quando eu como feijão, lentilha ou grão-de-bico, não tem só proteína, tem bastante carboidrato"

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Foto: Arquivo pessoal/Filipe Testoni | Arte: Julia Guglielmetti

Ele explica que é comum as pessoas se referirem aos alimentos nomeando-os pelos macronutrientes. Então, para a pessoa que come frango com batata doce, ela está comendo proteína com carboidrato, mas na dieta vegana não é bem assim: "Ninguém come carboidrato ou proteína, as pessoas comem comida. Quando se come um frango, uma carne, um peixe, tem muita proteína lá, mas pouco de outros nutrientes".

Vegana com performance

Em breve contato com a reportagem, Amanda conta que sempre teve vontade de eliminar as carnes de seu cardápio, mas achava que isso poderia prejudicá-la no esporte. Foi com a pandemia de covid-19 que estudou melhor sobre o assunto e decidiu, de vez, fazer a transição. O motivo, segundo ela, foi a sua consciência em relação a "tudo", que pode estar relacionado com a sustentabilidade, com o bem-estar animal e também com a sua saúde.

Sempre tive vontade de me tornar vegetariana, mas colocavam coisa na minha cabeça sobre performance. Depois da pandemia, decidi mudar como forma de consciência a tudo. Conforme fui lendo, tive ainda mais certeza da minha escolha

- Amanda Schott, atleta de levantamento de peso

Provando que veganos também são fortes, Amanda, que tem 27 anos, se tornou levantadora de peso há apenas cerca de três ou quatro anos. De lá para cá, foi campeã brasileira quatro vezes e já está nas Olimpíadas, que só conta com ela e mais outra brasileira na modalidade. Ou seja, entre todos os levantadores de peso do país, uma vegana conquistou a disputada vaga e pretende levantar mais de 130 kg.

Como ela treina há muito pouco tempo, não há expectativa de que ganhe uma medalha de primeira, mas que, pelo menos se classifique entre os dez melhores. O que torna a sua participação ainda mais significativa é que ela está presente na edição dos Jogos Olímpicos mais sustentáveis até então. O que tem tudo a ver com a sua decisão de se tornar vegana.

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Nutri vegano

Testoni foi o nutricionista escolhido para planejar a dieta de Amanda por também ser vegano e especializado em nutrição vegetal e em nutrição esportiva. "No meu caso, [me tornei vegano] totalmente por conta dos animais. No primeiro momento, eu não tinha conhecimento sobre isso, tinha medo de que eu pudesse perder desempenho, eu não era atleta profissional e nem nada, mas gostava de treinar", conta.

É muito comum que quando as pessoas fazem a transição para uma alimentação vegana, elas sintam melhoras no corpo, como mais disposição e melhor trânsito intestinal melhor. Esse não foi o caso do nutricionista, que comenta que não sentiu nenhuma diferença, mas tem muitos pacientes e conhece muitos outros atletas que sentiram essa grande melhora.

Hoje, além de atender pacientes, Testoni dá aula sobre nutrição vegana, é palestrante e lançou o Guia de Nutrição Esportiva, que é disponibilizado gratuitamente pela ONG Sociedade Vegetariana Brasileira.

Fonte: Redação Planeta
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