A empresária e influenciadora Carol Celico tinha 12 anos quando teve seu primeiro contato com o voluntariado –à época, fruto de um projeto da escola em que estudava, que tinha como missão despertar nas crianças o senso comunitário. Ela passou a frequentar comunidades carentes em São Paulo (SP) e se apegou tanto à experiência que tomou para si os afazeres dos colegas de sala.
“Muitos meninos não queriam ir, então comecei a fazer as horas [complementares] de todos os meus amigos. Me sentia muito bem conversando e trocando experiência com as meninas da minha idade”, diz Carol, há dez anos à frente da Fundação Amor Horizontal.
O trabalho na escola acabou, mas ela continuava sentindo vontade de seguir na filantropia. Aos 15 anos, ganhou do pai um cartão de crédito, cujo limite era o equivalente à mesada que ela tinha disponível. Passou, então, a usar o cartão para comprar cestas básicas e doar a uma instituição de caridade que fazia refeições e entregava a moradores de rua.
Apesar de confiar na instituição, Carol ficava com uma pulga atrás da orelha na hora de doar as cestas para outras ONGs: “Percebi que não era só eu que tinha esse receio, mas que a maior parte das pessoas não doava por não saber se, de fato, a doação chegaria a quem precisa”, conta. Foi desse estalo que, aos 21 anos, teve a ideia de criar sua própria plataforma com o intuito de unir quem quer doar a produtores e instituições.
Em 2014, surgiu a Fundação Amor Horizontal (FAH), que capta doações de qualquer valor e, com esse dinheiro, adquire mercadoria diretamente com seus produtores – sem que haja interferência do mercado. Esses produtos, então, são distribuídos às ONGs parceiras (hoje, a fundação trabalha com 149), de acordo com a necessidade de cada uma.
O foco da FAH são as crianças e, segundo Carol, essa necessidade de cuidar da infância se deu depois do nascimento de seu primeiro filho. Ela explica que todos os produtos doados são novos – não há doação de itens usados. Todo o dinheiro arrecadado é utilizado para comprar itens novos diretamente com os fabricantes.
“Defendo muito a infância. Depois que tive o Luca, há 16 anos, comecei a me preocupar muito com o futuro do nosso país. Foi quando comecei a entender que a maior parte das coisas acontecem na infância”, afirma. “Decidi criar a Fundação para gerar melhores oportunidades de desenvolvimento infantil, atingindo também a parte emocional dessas crianças.”
Segundo a empresária, antes de aceitar novos parceiros na plataforma, é feita uma triagem densa, burocrática e jurídica para verificar se a instituição é mesmo idônea. “Até porque eu costumo dar, com frequência, retorno para os doadores, com vídeos que mostram em que esse dinheiro doado se transformou e para onde está indo”, afirma Carol.
“Hoje são mais de 60 mil crianças atendidas em 149 projetos em todas as regiões do Brasil. Esses projetos vão desde iniciativas educacionais, no contraturno escolar de escolas públicas, até abrigos e instituições de apoio a crianças com deficiência. A gente tenta mesclar bem para que todos sejam atendidos da melhor forma”, conta.
A importância do novo
A Fundação Amor Horizontal só trabalha com produtos novos – Carol afirma que, muitas vezes, as pessoas se confundem na hora de fazer doações e acabam descartando peças e produtos inutilizáveis, que deveriam ter o lixo como destino final. Ela relembra, à reportagem, uma história que a marcou e a fez ter certeza de que doar apenas o que é novo é o caminho certo:
“Estávamos doando mochilas, e eram mochilas completas com os materiais que as crianças usariam o ano inteiro. Tinha papel, caderno, tesoura, cola, lápis, tudo. De repente, uma criança olhou para mim e falou: ‘Tia, esse não é para mim’. Perguntei o motivo, e ela respondeu: ‘Porque está novo’. A mochila era nova, tinha etiqueta. Essa história me marcou muito. As crianças muitas vezes estão acostumadas a receber coisas que usadas em mau estado, e aquela criança achava que só poderia ser dela se fosse algo assim.”
Para Carol, receber algo novo vai muito além do material: pode interferir na autoestima da criança. “É muito mais profundo”, diz.
Elas passam a entender que têm valor, e isso reflete no futuro dessas crianças. A longo prazo, talvez elas tenham a referência de que merecem o melhor
A cultura da doação no Brasil
Ainda existe uma grande descrença no ato de doar no Brasil, segundo Carol. É algo que ela atribui a uma herança de Portugal, onde não há essa cultura – diferentemente da realidade dos Estados Unidos e outros países da Europa, por exemplo. Por aqui, ela afirma, as pessoas temem pela corrupção e sentem receio sobre a doação não ser repassada a quem de fato precisa.
Muito disso ela atribui às notícias ruins divulgadas sobre casos negativos e isolados relacionados à doação e ao trabalho voluntário, que, ela afirma, não deveriam ser vistos como maioria. “Esses casos negativos são exceções, tem muita gente boa sendo ajudada pelo voluntariado”.
Há, ainda, um senso comum sobre a divulgação de atos de voluntariado ser considerado algo negativo. “Tenho visões diferentes sobre isso”, diz Carol.
“Antigamente, ninguém da minha família sabia como eu doava. Eu adorava essa sensação de ser algo meu e que ninguém tinha de saber. Mas quando criei a Fundação, ouvi muito sobre a importância de plantar essa semente nas pessoas, da filantropia, e comecei a entender que era o momento de romper algumas barreiras para divulgar o trabalho sem que isso virasse uma vaidade. É uma linha tênue, mas acho válido inspirar as pessoas, claro que sem se hipervalorizar”, afirma.