A trama das redes de pesca, usadas pela população caiçara de Ilha Grande, no Rio de Janeiro, para tirar seu sustento, acabou servindo de propósito para que Beatriz Mattiuzzo se mudasse para a ilha, e começasse um novo projeto, a Marulho. Ciente do impacto que as redes de pesca abandonadas provocam no meio ambiente, ela decidiu reciclar esse material, e de quebra, criar mais uma fonte de renda para as famílias locais.
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De emaranhados no oceano, as redes são resgatadas, limpas ee refeitas, para serem transformadas em novos produtos, prontos para serem comercializados. Beatriz, a fundadora da Marulho, é oceanógrafa de formação, e buscou com sua empresa integrar sustentabilidade, preservação marinha e geração de renda para comunidades costeiras.
"Se uma rede de pesca, que é um material que não é reciclado, é sujo, pesado, fedido, se isso vai parar no mar, além de ser mais plástico, elas continuam matando animais marinhos – que é o que a gente chama de pesca fantasma –, e os números que a gente tem sobre isso são assustadores. São até 69 mil animais marinhos mortos por dia só no Brasil por esse tipo de pesca. Por ter estudado isso, e vivendo a realidade dessas comunidades caiçaras, eu fui me envolvendo cada vez mais", conta Beatriz.
O trabalho da Marulho começa com a coleta de redes de pesca, que são resgatadas tanto debaixo d'água quanto em áreas costeiras, ou até são levadas pelos próprios moradores de Ilha Grande. Essas redes, que geralmente apresentam certo desgaste, passam por um rigoroso processo de higienização antes de serem entregues aos artesãos, que as transformam em sacolas, embalagens, bolsas e chapéus. Atualmente, há 16 parceiros, entre homens e mulheres.
Ao lado de Lucas, namorado e cofundador da Marulho, Beatriz passou a explorar maneiras de reutilizar as redes de pesca, envolver a comunidade e criar um novo produto sustentável. A ideia ganhou ainda mais corpo durante a pandemia, quando o turismo, principal fonte de renda da região, foi severamente impactado.
Projeto foi reconhecido pela Unesco
O reconhecimento da Unesco veio através da Década dos Oceanos, uma iniciativa global promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o desenvolvimento sustentável do oceano de 2021 até 2030. A Unesco lançou chamadas para projetos que se alinhassem com os princípios da década, e Beatriz submeteu a proposta da Marulho.
Com o reconhecimento, ela pôde participar da primeira conferência da Década dos Oceanos em Barcelona, onde apresentou o trabalho com redes de pesca para líderes mundiais.
"A década acaba em 2030, mas as nossas atividades a gente espera que perdurem, que seja uma iniciativa de longa duração. E, de início, eles até negaram porque eles perguntavam: 'Como assim não tem data?'. A gente não está trabalhando com um projeto de começo, meio e fim. A gente está trabalhando com uma iniciativa que busca justamente ser sustentável, resolver um problema ambiental e gerar renda nas comunidades", argumenta.
Apesar disso, há metas para o trabalho da Marulho. Em 2024, o objetivo é interceptar, pelo menos, 3 toneladas de redes de pesca, e, com isso, gerar cerca de R$ 200 mil em renda direta para as comunidades caiçaras.
Desde o início do projeto, foram 6 toneladas de redes de pesca interceptadas, e cerca de meio milhão de reais gerados diretamente para as comunidades da Ilha Grande que atuam em parceria.
'Pesca fantasma'
As redes de pesca abandonadas são responsáveis pelo que é chamado de "pesca fantasma", que provoca um impacto devastador na vida marinha. Elas continuam capturando e matando animais marinhos, mesmo quando não estão sendo ativamente usadas por pescadores, causando a morte de até 69 mil animais marinhos por dia só no Brasil.
Além disso, por serem feitas de plástico, as redes contribuem para a poluição dos oceanos, prejudicando ecossistemas inteiros, já que o material pode levar séculos para se decompor.
A integração ecológica, sustentável e social é um dos pilares da Marulho, que busca não apenas resolver um problema ambiental, mas também empoderar as comunidades locais.
Cerca de 80% das redes que chegam até a empresa para serem recicladas são levadas pela população que as encontra. Apesar do trabalho incansável, Beatriz acredita que o problema está longe de ter um fim.
"O pessoal fala: 'Ah, você não tem medo que acabe a rede? O que você vai fazer?'. Quando acabar a rede, acabou o problema, gente. A gente para de trabalhar feliz. Mas está muito longe de acontecer isso", afirma.